Da narrativa ao palco: teatralização e recriação em Retábulo de Santa Joana Carolina, de Osman Lins
Douglas Rodrigues De Sousa
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-16, set. 2024
acertada da dramaturga na utilização do coro como elemento cênico primordial
na teatralização do retábulo osmaniano para o palco contribuiu para que a riqueza
textual não fosse suprimida na sua essência.
A primeira evidência que notamos sobre o
Retábulo
de Osman Lins adaptado
para o teatro são as poucas mudanças empreendidas pela adaptação,
configurando-se como uma versão teatralizada do texto. O texto do autor, que
chamamos de
Hipotexto A
, é preservado na sua íntegra pela dramaturga, a ponto
de que, se fizermos uma comparação a olho entre os dois textos, postos lado a
lado, podemos ver apenas retirados os símbolos que Osman Lins elege como as
personagens da narrativa, substituídos pelo coro.
É fato que o
Retábulo
não foi uma narrativa escrita como gênero
dramatúrgico, mas se pensarmos que talvez Osman Lins tivesse a pretensão de
vê-la adaptada ou transposta aos palcos não soaria como mera suposição ingênua
de nossa parte. Elementos teatrais, como aqui apontados, inspirados nos modelos
do teatro medieval na sua feitura, facilitam o uso deste texto para os palcos,
sobretudo pelas cenas que compõem isoladamente, porém ligadas pela sucessão
dos acontecimentos sobre a vida da personagem conferindo uma unidade ao todo.
Ao ultrapassar o modelo tradicional de uma narrativa mediada somente pela
palavra com começo, meio e fim, e transpor o enredo de Joana Carolina ao
formato pictórico do retábulo, Osman Lins realiza uma translação do
escriptocêntrico para o visual. Invade as fronteiras das artes visuais, incorporando
elementos sensório-estéticos como suporte da palavra escrita. Mais que o
exercício primoroso da
poieses
, o autor ergue um monumento que consubstancia
dois suportes textuais5, o visual e o escritural. Em outras palavras, a própria
5 Adotamos aqui o conceito de texto elaborado a partir da leitura de
A linguagem da arte
(1986), Omar
Calabrese. Conforme este autor, a noção de texto não se resume apenas ao plano linguístico, da palavra
escrita, podendo sua definição incluir os mais variados tipos de comunicação e significação. Sendo assim,
ao elaborar seus estudos partindo do campo da semiótica, o autor defende definições bem amplas sobre o
assunto. Calabrese assim se posiciona: “Pode-se dizer que a Semiótica tem diante de si um campo de
intervenção extremamente amplo; se ocupará da linguagem animal (partindo de um limite não cultural até
um limite superior e complexo), da comunicação tátil, dos sistemas do gosto, da para –linguística, da
Semiótica médica, de cinética e proxêmica (gestos, posturas, distâncias), das linguagens formalizadas
(álgebra, lógica; química, por exemplo), dos sistemas de escritura, dos sistemas musicais, das línguas
naturais, das comunicações visuais, das gramáticas narrativa e textual, da lógica dos pressupostos, da
tipologia da cultura, da estética, das comunicações de massa, dos sistemas ideológicos. De tudo se assim o
deseja. Mas de tudo sempre a partir do ponto de vista da comunicação e da significação” (Calabrese, 1986,
p. 13-14).