Performances pornoterroristas: rotas de fuga frente ao imaginário heterossexual
Luisa Duprat (Maria Tuti Luisão)
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-23, set. 2024
Uma das ações da performance é uma homenagem à atriz brasileira Maria
Alice Vergueiro e à minha tia-avó Patrícia, cuja semelhança residia na beleza
comum entre as duas mulheres e nos corpos marcados pelo derrame e
Parkinson
,
rompendo com a sensualidade hegemônica e revelando outras possibilidades do
erótico. Após a homenagem, deito-me no chão, retorço as mãos em um
movimento que encarna a memória de minha tia, cujo derrame entortou seus
membros. Passo então por poses sensuais, em deslocamentos guiados pela minha
vagina, aproximando-me do público e ofertando enquadramentos inusitados de
imagens associadas ao sensual. A instabilidade dos apoios das mãos abre
possibilidades na ação, produzindo poses tortas e estranhas capazes de deslocar
a dimensão da sensualidade única do
mainstream
pornográfico, levando-a a
múltiplos desdobramentos.
Cada contexto geográfico, histórico, espacial, político, etc., perturba a
performance no sentido de friccionar as relações entre as circulações de imagens
e os elementos/sujeitos presentes no momento da ação. Dessa forma, ainda sobre
esta ação da performance
Cualquiera! Qualquer cosa sobre todo en mi:
A depender de quem me relaciono, o sentido muda. Relação 1: uma
buceta à frente, planta carnívora faminta guiando um corpo sem peito,
atravessado por fitas isolantes responsáveis pela criação de outras
geografias de mim, montanhas de diferentes relevos, a barriga dividida
em três morros macios, indo de encontro com um outro corpo: uma
jovem travesti negra. Eu subindo em seu colo, com as pernas abertas e
ela me segurando muito cuidadosamente para que eu não me ferisse
naquele trajeto. Seus olhos, ouvidos, pernas e abraços atenciosos na
acolhida daquela travessia. Relação 2: eu em frente a um senhor idoso,
branco e heterossexual com as pernas abertas. Parei em sua frente com
as duas pernas abertas, o xoxotão à mostra, e movi o quadril para frente
e para trás repetidas vezes, aumentando ritmo e intensidade, enquanto
seu rosto ia se desfazendo em uma aparente falta de compreensão do
que se tratava ali. Quanto mais constrangido ele ficava, mais eu jogava
com a situação: o movimento de ir e vir do quadril me levou a uma
vibração de corpo todo, acompanhada de um som grave, sem lógica
verbal, com a textura próxima de um expurgo. Quando a ação levou o
ambiente a uma tensão máxima, quebrei o movimento e joguei a cabeça
para trás com uma gargalhada, me levantei e segui para a próxima ação.
Todos riram. La venganza. Nesse momento, o publicou compreendeu o
que simbolicamente estava em jogo na performance: um corpo
debochando de sua condição naturalizada de estar disponível e à serviço
sexual dos homens, ao expor seu órgão genital a um senhor e provocar
espanto, no lugar de desejo e atração (Duprat, 2019, p. 48).