Performances pornoterroristas: rotas de fuga frente ao imaginário heterossexual
Luisa Duprat (Maria Tuti Luisão)
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-23, set. 2024
múltiplas linguagens de modo indisciplinado, produzindo conhecimentos únicos,
deslocando a racionalidade como elemento dominante da prática intelectual e
incluindo o corpo nos domínios do conhecimento. No entanto, é válido considerar
os espaços de poder por onde circulam muitas performances e o modo como os
processos artísticos, sem exceção, podem ser articulados de forma a sustentar e
promover sistemas hegemônicos. Neste artigo, interessa o recorte da performance
considerada em seu poder disruptivo. O corpo é a matéria primeira do performer,
e a insistência em evidenciá-lo, de acordo com Fabião, se mostra na relação entre
corpo-mundo, uma vez que “performers são, antes de tudo, complicadores
culturais” (Fabião, 2008, p. 237). Corporalidades em aderênciaresistência18 com o
mundo, com o chão que pisam, enfatizam “a politicidade corpórea do mundo e
das relações” (Fabião, 2008, p. 237). O performer, como complicador social,
desorganiza a ordem posta, evidenciando culturalmente, ideologicamente,
politicamente e economicamente as construções hegemônicas, afastando-as de
qualquer dimensão natural.
A performance, por sua natureza de difícil comercialização e seu caráter
marginal (margens: habita um espaço relativo entre as artes—plásticas,
cênicas e fílmicas—e, entre arte e não-arte), muitas vezes abjeto (corpos
desarticulados, levados à condições psicofísicas extremas, brutalidade
poética) e socialmente discrepante (formas sexuais múltiplas, humor fino
e grotesco, práticas existenciais e corporais excêntricas e irônicas),
define-se como forma de resistência, como força contestatória, como
prática política. A performance gera e apresenta corpos e situações em
que a normatividade ocidental contemporânea—marcadamente
consumista, mecanicista, logocêntrica, racista, homofóbica,
descorporalizada—é pensada (Bouger, apud Fabião, 2004, p. 2).
Eleonora Fabião vai chamar toda ação performativa “meticulosamente
calculada, conceitualmente polida, que em geral exige extrema tenacidade para
ser levada a cabo, e que se aproxima do improvisacional exclusivamente na
medida em que não seja previamente ensaiada” (Fabião, 2008, p. 237), de
programa. A autora localiza essa palavra-conceito na teoria da performance
inspirada pela noção de Corpo-Sem-Órgão de Guilles Deleuze e Félix Guattari,
onde os autores desenvolvem a noção do programa como um motor de
18 Essa aglutinação feita entre a palavra aderência e resistência é proposta pela pesquisadora Eleonora Fabião
no artigo Programa performativo: o corpo-em-experiência (2013).