Uma possível genealogia de corpas decoloniais: a obra sino-latinoamericana de Zairong Xiang
Paula Telles de Menezes Faro | Christine Greiner
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-16, set. 2024
feminino, a lua, a noite, enquanto
yáng
é o masculino, o sol e o dia. Para Xiang, que
propõe uma leitura decolonial e não heteronormativa desse conceito, é preciso
atentar-se ao seu aspecto relacional, que mostra o desaparecimento das
diferenças e, ao mesmo tempo, mantém o seu aspecto de diferenciação.
Yīn
se
transforma em
yáng
e vice-versa, mas
yīnyáng
não é estático, estável, ou uma
entidade ontológica e fechada, mas sim duas propensões que se transformam e
transitam uma na outra (Xiang, 2023). O autor explica que, diferentemente da
abordagem orientalista de uma noção de yīnyáng imutável, o conceito tem uma
longa história de mudanças. Assim, a partir de uma análise do corpo de orifícios e
de uma leitura decolonial do conceito de
yīnyáng
, o autor propõe o transdualismo,
que não só permite uma crítica ao dualismo como também o faz sem se apoiar
em um modelo de crítica dualista, uma operação que critica o dualismo sexual e
a heterocisnormatividade.
A exploração etimológica sobre teorias e conceitos a partir de concepções
filosóficas originárias permite ao autor revelar o que está abaixo da leitura colonial,
orientalista e heteronormativa. Para isso, Xiang vai até alguns tradicionais tratados,
como o
Clássico Interno
, o
Yì jīng
e o
Dàodé jīng
, antigas mitologias e narrativas
que nos propõem outras formas de ver e pensar o mundo, assim como
desestabilizam a ordem colonial e normativa. E tudo isso sem nunca terem partido
de oposições, como se vê em muitas traduções. O principal argumento é que o
colonialismo tem afetado as traduções de culturas não ocidentais ancestrais, na
tentativa de fortalecer os seus próprios paradigmas,7 como o autor irá nos mostrar
em seu livro a partir da problematização da história da recepção moderna do mito
de criação babilônico,
Enuma Elis
, e como esse foi traduzido a partir de uma
perspectiva misógina, na qual o personagem de
Tiamat
feminizada foi
monstrificada, e como a tradução de
Taltecuhtili,
um nome
nahua
para deusa,
recusa o sentido do termo
techuhtli
, que em
nahua
quer dizer senhor, passando
pelo sistema de escrita/pintura
nahuatl
e uma discussão sobre a escrita não
7 Para compreender o seu interesse por essas complexidades, é importante notar que Xiang atua em muitas
áreas. Ensina literatura e arte na Universidade Duke Kunshan e foi co-curador da Guangzhou Image Triennial,
Ceremony (Burial of an Undead World)
na Haus der Kulturen der Welt (Berlin), e a 14a Shanghai Biennial,
Cosmos Cinema
(2023-2024), entre muitos outros projetos que podem ser consultados em seu site
www.xiangzairong.com. Essas atividades, bastante diversas entre si, apostam sempre na relação indisciplinar
de saberes, marcando um modo singular de pesquisar.