Retornar à terra: corpas-território e indígenas artes em Pindorama
Flavia Pinheiro Meireles
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
as outras consciências e sistemas de vida da Terra. O ser humano não-
indígena considera o seu reino o único inteligente entre os quatro reinos,
mas os povos indígenas consideram os reinos vegetal, animal, mineral e
humano como uma tribo. Para haver diálogo entre esses reinos há ritos,
representações e celebrações. Para haver conexão, troca e interação
entre esses reinos é que existem as representações indígenas, para
fortalecer e reintegrar, para reconhecer, penetrar em determinados níveis
e portais da consciência. Isso é o que significa para nós um rito, uma
representação, uma celebração: compartilhar a alma das coisas, a
essência das coisas (Jecupé, 2011, p. 71).
Sabemos que representação, rito e
performance
remetem a um fundante e
longo debate nas artes da cena/performática/corporais e investigamos, neste
artigo, os sentidos conferidos pelas indígenas artes para tais debates. Segundo
Jecupé (2011) esses termos são ativadores da interação entre os mundos. É com
essa perspectiva que analiso
Ané das Pedras
(2011), de Bárbara Matias Kariri como
um dos momentos de sua
Trilogia de Performance da Terra
(Ané das Pedras,
Uru’ku e Radynhari INDIGENOUS),
realizadas em 2011, 2019 e 2021 respectivamente
.
É a própria artista quem formula os sentidos das indígenas artes. Ela escreve:
A arte como linguagem não é oriunda dos Povos Originários, porém,
somos Povos de rituais, de acariciar em repetição o pé na terra, de contar
história experimentando as intenções vocal e emocional, de desenhar
sobre a pele, pedra e outros suportes mais atualizados. Então, penso que
toda vez que o indígena sobe no palco ele está contra-colonizando essa
linguagem porque intrinsecamente estamos subvertendo o seu propósito
ao entrar nesse país, que foi nos castrar. (Matias, 2024, p. 155)
Ané das Pedras
é uma performance de rua realizada pela artista kariri Bárbara
Matias, pela liderança e rezadeira kariri-xocó Idiane Crudzá e pelo artista Joedson
Kariri. Ela consiste na entrega de pedras de diversos tamanhos e cores e convida
o participante a plantá-las, cavando um buraco perto de uma árvore. Lá, a
liderança Idiane Crudzá toca nas pedras, conversa com as pessoas, fuma seu
cachimbo, dá conselhos às pessoas e, ao final, as pedras são enterradas e é
realizado um toré19. Segundo a artista, as performances da Trilogia da terra “[...] são
obras que discutem a violência ao território e ao feminino, o acionamento da cura
às nossas corpas e reflorestamento do território.” (Matias, 2024, p.34). A artista
observa uma desconexão com a terra, em sentido material:
19 Ritual comum aos povos indígenas situados no Nordeste, com cantos, danças e rezas.