Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
artigo 2847, do Código Penal, que a tipifica como um crime contra a saúde pública,
está em vigor até hoje.
Neste sentido, a territorialidade é também um espaço onde as proibições
ocorrem de acordo com as condutas discriminatórias da branquitude. Assim, a
justa guerra colonial regula o controle dos territórios e da mobilidade de quem
neles vive, assumindo o sistema de jurisdição colonial que condicionará os corpos
racializados a determinadas espacialidades, de modo que seus deslocamentos
ocorrem sempre em direção às periferias econômicas e sociais do mundo
capitalista. Conduzindo esta análise para as formas contemporâneas da vida,
podemos relembrar as políticas de controle imigratório que demarcam fronteiras
orientadas pelas linhas divisórias das antigas colônias e classificadas por
identidades geoculturais (Mignolo, 2013; Wallenstein, 1999).
Achille Mbembe (2018) discorre sobre a ideia de um mundo sem fronteiras
como sendo uma utopia de livre circulação entre os países. Em sua argumentação,
ele busca promover uma reflexão sobre o trânsito por um mundo cujas fronteiras
seriam inexistentes, assim como os princípios classificatórios e discriminatórios
para entrada em territórios cuja nacionalidade é distinta.
Para ele, a construção de um mundo sem fronteiras deve, primeiramente,
direcionar uma crítica à origem dos princípios de liberdade presentes no
pensamento clássico liberal8 que, em nossa perspectiva, corresponde ao Estado
7 Segundo a Constituição, a prática de curandeirismo seria: Art. 284 - Exercer o curandeirismo: I -
prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II - usando gestos, palavras
ou qualquer outro meio; III - fazendo diagnósticos: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo
único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa. disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 23 jan. 2024.
8 Segundo o autor, entre os princípios clássicos do pensamento liberal, “existem três liberdades fundamentais:
antes de tudo, a liberdade de ir e vir. Dentro da liberdade de ir e vir, existe a liberdade de movimentação do
capital, a maior prioridade. Mas, uma vez que não há capital sem bens, existe a liberdade de movimentação
dos bens. A terceira é a dos serviços, e, especialmente nestes nossos tempos, a liberdade de movimento
daqueles que podem prestá-los. Essas são as três liberdades fundamentais; a quarta é a liberdade de
movimento das pessoas. Os compromissos tradicionais com a ideia de um mundo sem fronteiras visavam
precipitar o advento dessa quarta liberdade. De acordo com essa configuração, em um mundo sem
fronteiras haveria liberdade de movimento para: o capital, os bens, os serviços e as pessoas. Essa
movimentação, essa liberdade de movimento não seria restrita ao núcleo de países ou Estados
economicamente ricos, como é o caso atualmente. O Tratado de Schengen, por exemplo, inclui apenas um
núcleo de países europeus. De fato, se você tem um passaporte americano, basicamente pode ir aonde
quiser. O mundo pertence a você. Mas não é assim que funciona para todo habitante do nosso planeta. Na
configuração que mencionei, a quarta liberdade, a capacidade de se mover pelo planeta, não estaria mais
restrita a europeus e americanos. Seria um direito radical que todos os indivíduos teriam pelo simples fato
de serem humanos. Um direito estendido aos pobres da terra. Voltamos sempre à questão da terra. Não
haveria vistos, em algumas instâncias da quarta liberdade de movimento não haveria cotas, e nenhuma