1
Aos exilados do Brasil: para compreender as
violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá
Nina Caetano
Para citar este artigo:
BAOBÁ, Marcinha; CAETANO, Nina. Aos exilados do Brasil:
para compreender as violências coloniais no Brasil laico.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 3, n. 52, set. 2024.
DOI: 10.5965/1414573103522024e0106
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
2
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico1
Marcinha Baobá2
Nina Caetano3
Resumo
Este trabalho tem como eixo de análise a vídeo-performance
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia,
artista indígena do povo Kariri da Paraíba que articula sua poética às práticas culturais e
religiosas indígenas e à discussão de estigmas racistas. Pretendemos, com esta análise,
evidenciar as questões coloniais que estão em torno dos conflitos territoriais e religiosos que
ocorrem em solo brasileiro, na atualidade. É por meio dela que discorreremos sobre o
engajamento político-estético da performer, cuja produção artística está interessada em
colocar em xeque a intolerância religiosa e a violência racial no Brasil.
Palavras-chave
: Contraficção colonial. Performance. Poéticas liminares. Racismo religioso.
To the exiles of Brazil: understanding colonial violence in secular Brazil
Abstract
The present paper examines the video performance
Bibliofagia
(2022) by Lian Gaia, an
indigenous artist from the Kariri people of Paraíba, whose poetics resonates with indigenous
cultural and religious practices, and the debate concerning racial stigmas. By means of this
analysis, we intend to unveil the colonial matters underlying territorial and religious conflicts
currently occurring in Brazil. We will discuss the political-aesthetic commitment of the
performer, whose artistic production aims to challenge religious intolerance and racial
violence in Brazil.
Keywords:
Colonial counter-fiction. Performance. Liminal poetics. Religious racism.
A los exiliados de Brasil: para comprender las violencias coloniales en el Brasil laico
Resumen
Este trabajo tiene como eje de análisis la video-performance Bibliofagia (2022), de Lian Gaia,
artista indígena del pueblo Kariri del Estado de Paraíba, al norte de Brasil, que articula su
poética a las prácticas culturales y religiosas indígenas y a la discusión de estigmas racistas.
Con este análisis, pretendemos evidenciar las cuestiones coloniales que están alrededor de
los conflictos territoriales y religiosos que ocurren en suelo brasilero en la actualidad. Es a
través de este análisis que discutiremos sobre el compromiso político-estético de la
performer, cuya producción artística está interesada en desafiar a la intolerancia religiosa y
a la violencia racial en el Brasil.
Palabras clave
: Contraficción colonial. Performance. Poéticas liminales. Racismo religioso.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Nina Caetano. Doutorado em Artes Cênicas pela
Universidade de São Paulo (USP). , Mestrado em Estudos Linguísticos pela USP. Graduação em Letras
(Licenciatura) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
2 Marcia Cristina da Silva Sousa, conhecida como Marcinha Baobá, é artista visual e ativista feminista
antirracista. Doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), tem sua pesquisa
financiada pela CAPES. Mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Graduada em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Maranhão - Campus Centro
Histórico. Desde 2018, participa do NINFEIAS Núcleo de INvestigações FEminIstAS (CNPq) e, em 2023,
ingressou no LERECBA Laboratório de Etnografias em Religiosidade Afro-Brasileira e Culturas Populares
na Baixada e Litoral Ocidental Maranhense (CNPq). Marciacsilvasousa@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/6949979238884480 https://orcid.org/0000-0003-4003-657X
3 Pós-Doutorado em Artes nicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutorado em Artes Cênicas
pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Professora Associada do DEART - Departamento de Artes Cênicas da UFOP (Universidade
Federal de Ouro Preto), docente do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas do Instituto de Filosofia,
Artes e Cultura (PPGAC-IFAC). Professora colaboradora do PPGAC-UFBA caetano.nina@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4396977006055773 https://orcid.org/0000-0001-6161-5592
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
3
O jornal
Sem Terra
, do Movimento Sem Terra do Brasil (MST), publicou, no dia
19 de setembro de 2023, a notícia: “Casal de rezadores Kaiowá e Guarani morre
carbonizado em incêndio criminoso”. As vítimas, Sebastiana e Rufino, eram
conhecidos por serem
nhanderu
(rezadores). A notícia que se tem é de que seus
assassinatos foram premeditados e, segundo as lideranças indígenas locais, o
casal era coagido por membros da
Igreja Deus é amor
a interromper suas práticas
ritualísticas religiosas de cosmovisão indígena. O local onde Sebastiana e seu
esposo moravam ficava “na aldeia Guassuty, em Aral Moreira, cidade que fica na
linha de fronteira entre Brasil e Paraguai, a 359 km de Campo Grande, no Mato
Grosso do Sul”4 e, tanto o espaço quanto os rituais que eram realizados, foram
ameaçados por fundamentalistas religiosos que, por motivos preconceituosos,
desejavam erradicar as práticas denominadas por eles como “macumba", mesmo
termo de uso discriminatório utilizado para aquelas de matriz africana.
As ameaças tornaram-se concretas e Dona Sebastiana e Seu Rufino foram
queimados vivos, juntamente com o seu espaço religioso, sua moradia, seus
costumes e seus saberes. Segundo o relatório
Intolerância religiosa, racismo
religioso e casa de rezas queimadas em comunidades Kaiowá e Guarani
, elaborado
pela Kuñangue Aty Guasu – Grande Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani
e pelo Observatório da Kuñangue Aty Guasu (O.K.A), "as consequências das
violências incluem danos físicos, espirituais, psicológicos e materiais contra os
guardiães de nossa ancestralidade, representados nas figuras dos anciãos e anciãs
violentadas junto com parcela considerável de suas famílias" (2022, p. 4).
algo de simbólico nessas ações violentas e será o simbólico que nos
conduzirá a discorrer sobre produções artísticas que estão engajadas em
combater o racismo religioso no Brasil a partir de um processo de historização
artística. O que estamos nomeando como historização artística é a operação pela
qual o/a/e artista se ocupa em pensar determinadas violências históricas por meio
de poéticas fronteiriças ou liminares como denomina a pesquisadora cubana
IIeana Dieguez Caballero (2011) em que imbricamento das dimensões estética
e política. No processo de historização da arte, os gestos simbólicos implicados na
4 A reportagem está disponível no link: https://revistaforum.com.br/movimentos/2023/9/19/indigenas-lideres-
espirituais-so-carbonizados-em-ato-de-intolerncia-religiosa-no-ms-144327.html. Acesso em: 21 jan. 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
4
ação situam vontades de uma coletividade que busca formas outras de assumir
uma posição política diante dos conflitos éticos e morais da vida cidadã (Caballero,
2011, p.14). Assim sendo, o liminar é um estado de contágio de uma ideia cuja
energia política está engajada em propor, por meio da arte (performance,
intervenções urbanas, teatro, entre outros) ou daquilo que a autora reconhece
como rituais ou ações cidadãs5, transformações a situações marginalizantes,
desde estereótipos a estigmas, preconceitos e violências.
Deste modo, pensar na historização da arte como um processo liminar é
reconhecer que há, no interior da vida social, estruturas dramáticas condicionantes
do sujeito que são constituídas pelas dimensões de teatralidade e
performatividade. Isto posto, as noções de drama, teatralidade e performatividade
se expandem para além do campo artístico, indo ao encontro de aspectos sociais.
Para o sociólogo George Balandier (1982), as estruturas dramáticas políticas
condicionantes podem ser entendidas como uma teatrocracia administrada por
um poder que garante privilégios a uma parte da sociedade por meio da encenação
de uma herança histórica que é sempre contada como mérito ou virtude, para
além de se constituir como modelo social a ser seguido6. Assim, ele afirma que “o
mito da unidade, expressa através da raça, do povo ou das massas, se converte
no cenário em que transcorre a teatralização política” (Balandier, 1982, p.6).
A historização da arte é necessária para adentrarmos a constituição histórica
das narrativas hegemônicas realizada por estruturas políticas coloniais, tanto de
outrora quanto em suas formas contemporâneas. Produzir gestos artísticos, nesta
perspectiva, é confrontar uma estrutura que persiste em marginalizar
determinados segmentos da nossa sociedade, como os povos originários e a
população negra. Tais ações são necessárias porque possibilitam campos de
diálogo e enfrentamento às estruturas políticas e sociais opressoras, de forma que
5 Como exemplo de ação cidadã, Ileana Diéguez cita o movimento argentino Mães de Maio e suas
configurações estéticas, como a marcha silenciosa em círculos, carregando imagens de seus filhos em frente
ao peito, e os panos brancos bordados com seus nomes, que trazem à cabeça. Como a autora afirma: “Os
ritos com os corpos ausentes [...] e os rituais situacionistas de corpos presentes […] configuraram diversas
políticas do corpo para a rearticulação simbólica da memória. Pelo seu potencial regenerador de cidadania,
Gustavo Buntinx define como "xamanísmo social" a energia produzida por estas ações” (Caballero, 2011,
p.101-102).
6 Sobre o conceito de teatrocracia, recomendamos a leitura do texto El drama, de George Balandier (1982).
Disponível em: https://pdfcoffee.com/georges-balandier-pdf-free.html. Acesso em: 15 jan. 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
5
possamos mediar uma possível reparação histórica aos indivíduos sobre quem
pesam tais narrativas e estruturas de poder.
Assim, o que nos interessa na notícia citada anteriormente, para além de
demonstrar nossa completa indignação, é desenvolver uma crítica pela análise do
campo simbólico que subsiste no ato violento de matar, abordando os motivos
que indiretamente alimentam os crimes cometidos contra a vida de Dona
Sebastiana e Seu Rufino (e tantos outros), bem como a ação concreta de atear
fogo em um espaço religioso depois de inúmeras ameaças como pertencentes
a uma prática colonialista de disputa espacial, territorial, mas, sobretudo, de
disputa simbólica, cultural e religiosa que nos acompanha desde o final do século
XVI, quando se inicia o período da colonização de
Aby Yala e Pindorama.
Esta prática está fundamentada na ideia da
justa guerra colonial
,
alimentada
por um
paradigma de guerra
(Maldonado-Torres, 2018) que tudo justifica em nome
de sua lógica civilizatória. Para Maldonado-Torres, o mundo moderno é
responsável por instalar uma guerra permanente contra os povos colonizados.
A modernidade/colonialidade é um paradigma de guerra que se coloca
como justo e que faz o contexto colonial sempre violento, uma situação
que normaliza a violência bem além das fronteiras das colônias e ex-
colônias. [...] A violência é desencadeada em múltiplas direções, mesmo
na metrópole, sendo que os sujeitos colonizados tendem
persistentemente a ser os alvos diretos da violência sistemática.
Entretanto, na medida em que qualquer violência é reconhecida nesse
contexto, os próprios sujeitos colonizados o percebidos como razão
final para tal violência (Maldonado-Torres, 2018, p. 43).
Podemos citar, como exemplo, a criminalização do samba e da capoeira
durante a Primeira República (1889 a 1930) quando, vistos como uma doença
moral, foram duramente discriminados e tipificados como crime de vadiagem por
meio do Código Penal de 1890. No campo mais estrito da religiosidade, temos um
exemplo no Maranhão, onde a atividade religiosa conhecida por Pajelança, prática
mista de religião afro-brasileira do Tambor de Mina e rituais indígenas, foi
criminalizada pelo Código Penal de 1940: enquadrada como curandeirismo, tinha
penas de prisão e multa para sua prática, interpretada pelas elites locais como
perniciosa e, consequentemente, pela polícia colonial como ilegal. O fato é que o
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
6
artigo 2847, do Código Penal, que a tipifica como um crime contra a saúde pública,
está em vigor até hoje.
Neste sentido, a territorialidade é também um espaço onde as proibições
ocorrem de acordo com as condutas discriminatórias da branquitude. Assim, a
justa guerra colonial regula o controle dos territórios e da mobilidade de quem
neles vive, assumindo o sistema de jurisdição colonial que condicionará os corpos
racializados a determinadas espacialidades, de modo que seus deslocamentos
ocorrem sempre em direção às periferias econômicas e sociais do mundo
capitalista. Conduzindo esta análise para as formas contemporâneas da vida,
podemos relembrar as políticas de controle imigratório que demarcam fronteiras
orientadas pelas linhas divisórias das antigas colônias e classificadas por
identidades geoculturais (Mignolo, 2013; Wallenstein, 1999).
Achille Mbembe (2018) discorre sobre a ideia de um mundo sem fronteiras
como sendo uma utopia de livre circulação entre os países. Em sua argumentação,
ele busca promover uma reflexão sobre o trânsito por um mundo cujas fronteiras
seriam inexistentes, assim como os princípios classificatórios e discriminatórios
para entrada em territórios cuja nacionalidade é distinta.
Para ele, a construção de um mundo sem fronteiras deve, primeiramente,
direcionar uma crítica à origem dos princípios de liberdade presentes no
pensamento clássico liberal8 que, em nossa perspectiva, corresponde ao Estado
7 Segundo a Constituição, a prática de curandeirismo seria: Art. 284 - Exercer o curandeirismo: I -
prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II - usando gestos, palavras
ou qualquer outro meio; III - fazendo diagnósticos: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo
único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa. disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 23 jan. 2024.
8 Segundo o autor, entre os princípios clássicos do pensamento liberal, existem três liberdades fundamentais:
antes de tudo, a liberdade de ir e vir. Dentro da liberdade de ir e vir, existe a liberdade de movimentação do
capital, a maior prioridade. Mas, uma vez que não há capital sem bens, existe a liberdade de movimentação
dos bens. A terceira é a dos serviços, e, especialmente nestes nossos tempos, a liberdade de movimento
daqueles que podem prestá-los. Essas são as três liberdades fundamentais; a quarta é a liberdade de
movimento das pessoas. Os compromissos tradicionais com a ideia de um mundo sem fronteiras visavam
precipitar o advento dessa quarta liberdade. De acordo com essa configuração, em um mundo sem
fronteiras haveria liberdade de movimento para: o capital, os bens, os serviços e as pessoas. Essa
movimentação, essa liberdade de movimento o seria restrita ao cleo de países ou Estados
economicamente ricos, como é o caso atualmente. O Tratado de Schengen, por exemplo, inclui apenas um
núcleo de países europeus. De fato, se você tem um passaporte americano, basicamente pode ir aonde
quiser. O mundo pertence a você. Mas não é assim que funciona para todo habitante do nosso planeta. Na
configuração que mencionei, a quarta liberdade, a capacidade de se mover pelo planeta, não estaria mais
restrita a europeus e americanos. Seria um direito radical que todos os indivíduos teriam pelo simples fato
de serem humanos. Um direito estendido aos pobres da terra. Voltamos sempre à questão da terra. Não
haveria vistos, em algumas instâncias da quarta liberdade de movimento não haveria cotas, e nenhuma
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
7
democrático de Direito e seus princípios de liberdade definidos em leis, decretos
das constituições federais e pela Declaração dos Direitos Humanos (ONU, 1948).
Assim, situar os princípios de liberdade como frutos do pensamento clássico
liberal é possibilitar a desconstrução de ideais individualistas por meio da
promoção de novos valores constituintes: o direito à liberdade e à livre circulação.
Isso porque o filósofo camaronês demonstra que liberdade caminha com o
movimento. Ele nos diz ainda que, dentro do princípio liberal clássico, existe uma
contradição, como apontado pela pesquisadora Israelense Hagar Kotef, cujo
“argumento é que essa contradição decorre da forma como o pensamento liberal
compreende o movimento'' (Mbembe, 2018), que é visto como manifestação de
liberdade, mas também, a depender dos corpos que o realizam, como desordem
e ameaça para o Estado de soberania.
Portanto, o negócio do Estado é conseguir capturá-los. Sem isso, a
soberania não significa nada. Soberania significa capturar um povo,
capturar um território, delimitar fronteiras. Isso, por sua vez, permite que
se exerça o monopólio do território, claro, o monopólio sobre as pessoas
nos termos do uso legítimo da força e, o que é muito importante porque
todo o resto depende disso , o monopólio sobre a cobrança de
impostos. Não se pode cobrar impostos de quem não tem endereço. O
Estado essas pessoas como inimigas tanto da liberdade, porque eles
não a exercem dentro dos limites, quanto da segurança e da ordem. Não
se pode construir uma ordem com base no que é instável (Mbembe, 2018,
s/p).
Em vista disso, essa discussão sobre fronteira, deslocamento, movimento,
gerenciamento de mobilidade e mecanismos disciplinares do Estado nos faz
pensar sobre como determinadas culturas são discriminadas, muitas vezes sendo
obrigadas a camuflarem seus aspectos religiosos por medo de represálias, como
ocorre com muitas etnias indígenas brasileiras e terreiros. Assim, podemos
entender que há um deslocamento, uma migração forçada dessas pessoas – seja
por questões climáticas, ambientais ou religiosas para as periferias da sociedade
ou para o seu completo isolamento em áreas remotas, nas fronteiras simbólicas
de localização e pertencimento em nossa sociedade.
Essas grandes migrações forçadas do presente são, em última análise,
categoria bizarra na qual se enquadrar. Seria possível simplesmente pegar a estrada, um avião, um trem,
um barco, uma bicicleta. O direito de não ser discriminado seria estendido a todos”. Disponível em:
https://www.revistaserrote.com.br/2019/05/a-ideia-de-um-mundo-semfronteiras-por-achille-mbembe/.
Acesso em: 01 jan. 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
8
um outro momento histórico dos grandes deslocamentos forçados que
constituem a diáspora africana resultante do tráfico transatlântico dos
negros escravizados entre os séculos XVI e XIX e cujos impactos
econômicos permitiram a ascensão do próprio Capitalismo como
expressão do sistema-mundo moderno-colonial (Almada et al p. 13,
2023).
Como consequência, a reflexão que se tem é que a territorialidade também
é regida pelos princípios do pensamento liberal clássico europeu e sua contradição
sobre a ideia de liberdade, de modo que
o movimento aqui é visto, ao mesmo
tempo, como manifestação das liberdades e como interrupção, ameaça à ordem”
(Mbembe, 2018, s/p), conforme analisado por Achille Mbembe e Hagar Kotef.
São esses valores que orientam determinados indivíduos e suas retóricas
sobre quais princípios devemos seguir, na condição de sujeitos civilizados. Essas
convicções possuem força política e se configuram como discurso e práticas
disciplinares para os corpos racializados e suas manifestações culturais. Como
conclusão deste argumento, podemos afirmar que é sobre a territorialidade que a
colonização/colonialidade atua fortemente como um princípio civilizatório, por
meio de práticas disciplinares e das políticas de fronteira, incluindo concepções
de liberdade no sentido amplo do ser.
Com a expansão colonial do ocidente, e de modo mais decisivo com o
advento do capitalismo, a
raison d’être
[razão de ser]
da fronteira se
relaciona a questões-chave como: a quem pertence a terra? Quem tem
o direito de reivindicar partes dela e os vários seres que nela habitam?
Quem determina sua distribuição ou divisão? Ao enquadrar a questão da
fronteira dessa forma, estou tentando mostrar que o poder da fronteira
está em sua capacidade de regular as múltiplas distribuições das
populações humanas e não humanas sobre o corpo da terra, e, assim,
afetar as forças vitais de todos os tipos de seres (Mbembe, 2018, s/p).
Destarte, é necessário considerar a territorialidade como espaço presente da
memória histórica, que organiza nossas compreensões de mundo e orienta as
disputas espaciais a partir de concepções históricas anteriores. Segundo o
geógrafo Milton Santos (2021), é necessário compreender o presente como espaço,
ou seja, perceber a espacialidade estruturada do passado e como ela se atualiza
para formação do presente, do aqui e agora.
Assim, é possível entender que o espaço e suas configurações políticas,
sociais e econômicas determinam e estruturam o mundo a partir de uma
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
9
orientação que vem das relações passadas. Se no passado fomos estruturados
dentro de uma dinâmica de violência colonial que denominamos de colonialismo,
na contemporaneidade ela se atualiza, configurando-se em colonialidades que
articulam modos seculares de violência a aspectos sociais das relações do
sistema-mundo atual. O sistema-mundo, como conceituado por Ramón
Grosfoguel, é uma alternativa à noção de sociedade, mas não somente: ao usar tal
termo, rompemos com a ideia moderna de sociedade, delimitada pelas
"fronteiras
geográficas e jurídico-políticas de um Estado-nação e, por conseguinte,
(reconhecemos que) existem tantas (formas de) sociedades quanto Estados-
nações no mundo” (Grosfoguel, 2018, p. 60).
A noção de sistema-mundo, especificamente, é conceituada a partir do
Grupo de Estudos Modernidade/Colonialidade e explicita que o colonialismo está
presente em nossas relações sociais, mas sua configuração de ação, na atualidade,
está articulada em eixos de poder e controles intersubjetivos denominados como
colonialidades do poder, ser, saber e gênero. Segundo Nelson Maldonado-Torres
(2018, p. 31), os sujeitos colonizados, consequentemente, racializados "tendem a
experimentar partes dessa história não como um passado que existe como um
traço, mas sim como um presente vivo".
É a partir deste ponto de vista, de pensar o passado presente na
contemporaneidade por meio de determinados atos de violência cujas práticas
são permanentemente colonialistas, que nos propomos a investigar a video-
performance
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia, compreendida como uma ação de
contra-narrativa às ficções coloniais e às novas configurações dos atos de
violência que atuam sobre os corpos de pessoas racializadas9.
Por que morremos ou por que nos matam?
São muitas as mortes que assombram nossas existências, na condição de
corpos racializados, dissidentes ou de
Damné
/Condenados”, como diria Franz
9 O uso do termo “corpos racializados” está em consonância com os estudos decoloniais, referindo-se à ideia
de racialização do mundo por meio de uma diferença colonial (Mignolo, 2013; Quijano, 2011). Sua
compreensão está diretamente associada ao surgimento da visão eurocêntrica moderna/capitalista, mas
não se limita apenas a esse paradigma, também considera as mudanças na concepção de raça e o
surgimento do racismo estruturado, no século XIX, com base em teorias eugenistas.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
10
Fanon (2022). Consideremos, como exemplo, as notícias que recebemos em nosso
dia a dia: aquelas que chegam fragmentadas, perfuram a invisibilidade e ganham
o espaço midiático por meio de uma comoção, ainda que passageira. Desse modo,
acabam por evidenciar as diversas realidades que nos afligem como parte de um
sistema-mundo e, dentre elas, devemos mencionar o genocídio das populações
negra e indígena, os feminicídios, infanticídios e transfeminicídios diários, assim
como os vários epistemicídios culturais e religiosos que ainda ocorrem em nosso
tempo.
É necessário relembrar que essas realidades foram e continuam sendo
denunciadas por intelectuais e ativistas brasileiros no passado, ontem e hoje. A
exemplo, temos:
Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil
, de Sueli Carneiro
(2011);
Em a terra dá, a terra quer
, de Antônio Nêgo Bispo dos Santos (2023);
Não
vão nos matar agora
, de
Jota Mombaça (2021);
A queda do céu: Palavras de um
xamã yanomami
, de Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015); Ailton Krenak e sua
trilogia:
Ideia para adiar o fim do mundo
(2010),
A vida não é útil
(2020)
e
Futuro
ancestral
(2022); além de
Por um feminismo afro-latino-americano
, de
Lélia
Gonzalez (escrito em 1987, mas publicado em 2020).
Essas autoras e esses autores possuem algo em comum, pois fazem o
diagnóstico da constituição da vida dentro do sistema de colonialidades, no qual
estamos submetidos às relações exploratórias de maneira distinta e em
proximidade ao que ocorreu na colonização durante o final do século XVI. Nesse
modelo de vida contemporâneo são as colonialidades do poder, do saber, do ser
e do gênero que estruturam processos de subjetivação que cerceiam nossas
relações sociais. Em vista disso, o
locus
de discursividade dessas e desses
intelectuais se a partir de sua própria experiência, pois cada uma delas, cada
um deles, está se ocupando em pensar a forma como o mundo colonial de outrora
se estabelece na contemporaneidade e como ele orienta a constituição do mundo
de agora.
Nêgo Bispo, por exemplo, ao falar do processo colonizador, estrutura a
relação entre sua experiência vivida no quilombo e a experiência histórica colonial
de outrora. Essa aproximação forja uma análise precisa do processo de
colonização, sem perder de vista o diagnóstico do nosso sistema-mundo e suas
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
11
relações sociais e políticas com os povos originários, quilombolas e outras
minorias. Nêgo Bispo (2023, p. 12) afirma:
Quando completei dez anos, comecei a adestrar os bois. Foi assim que
aprendi que adestrar e colonizar são a mesma coisa. Tanto o adestrador,
quanto o colonizador começam por desterritorializar o ente atacado
quebrando-lhe a identidade, tirando-o de sua cosmologia, distanciando-
se de seus sagrados, impondo-lhes novos modos de vida e colocando-
lhe outro nome. O processo de denominação é uma tentativa de
apagamento de uma memória para que outra possa ser composta.
A partir dessa analogia, podemos imaginar que, durante o processo de
colonização, tanto indígenas quanto africanos presenciaram diferentes formas de
morrer, desde a morte física até a simbólica, que constitui o campo de
apagamento das suas memórias e práticas culturais. Em seu texto
Os retornados
,
Sueli Carneiro (2011, p. 157) expõe o que ela chama de pesadelo colonial:
Primeiro, chegou a cruz. Em seu nome os teólogos do século XVI
justificam a escravidão sob o argumento de que o africano era um
homem que não tinha religião, mas superstições; não tinha arte, mas
folclore. Depois veio a ciência. A construção das noções de inferioridade
e de superioridade dos povos, como ápice no racialismo do século XIX,
constitui-se em um longo acúmulo teórico de diferentes disciplinas, em
especial as ciências naturais no que concernem à classificação e à
diferenciação dos homens, em regra com base nos conhecimentos da
botânica e da biologia, transportados para a espécie humana. O que
estava em questão eram as necessidades de classificar, compreender,
identificar, catalogar a diversidade humana, a alteridade, ou seja, o outro.
A prática de dominação que entendemos como colonial possui uma força
histórica, o que significa que ela atravessa os tempos, se adapta às estruturas
sociais atuais e estabelece novos comportamentos culturais, mas sua principal
função é exercer soberania sobre as formas de vida e suas manifestações. Esses
comportamentos culturais colonizadores ou adestradores, como dirá Nêgo Bispo,
são ensinados e aprendidos por intermédio das instituições de ensino, religiosas e
familiares, que sempre foram as instituições colonizadoras da sociedade europeia.
As escolas e universidades, por exemplo, por muito tempo reforçaram o
pensamento de que o Brasil surgiu a partir de um descobrimento e nossa geração
assim aprendeu com a geração dos nossos pais que, por sua vez, aprendeu com
seus pais e, assim, sucessivamente.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
12
Segundo Nelson Maldonado-Torres (2018, p. 50), esse ensinamento é uma
ficção cuja origem se em um campo remoto, mas a força de tais narrativas
reforça e propaga, na contemporaneidade, desinformações, sendo responsável,
principalmente, por incitar violências simbólicas e físicas aos descendentes diretos
dos povos indígenas e africanos. Para o autor, a ficção de origem sobre o
"descobrimento" condena os sujeitos racializados ao localizá-los fora do espaço e
do tempo humano, de modo que eles sempre estarão sujeitos à condição de
indivíduos descobertos e nunca de quem existia antes mesmo dessa
ficção
colonial
começar a operar. Desse modo, ela abre caminho para a atuação de outra
face da colonização, que será a desumanização de africanas e africanos, seu
sequestro e sua escravização em terras brasileiras.
Territórios indígenas são apresentados como “descobertos”, a
colonização é representada como um veículo de civilização, e a
escravidão é interpretada como um meio para ajudar o primitivo e sub-
humano a se tornar disciplinado. Levantar a questão sobre o significado
e a importância da colonização constitui-se num desafio ao usual
conceito de “descoberta”, e traz à tona o caráter problemático da
apropriação de terras e recursos e suas implicações até hoje (Maldonado-
Torres, 2018, p. 37).
Na esteira de Maldonado-Torres, compreendemos as ficções de origem como
“ficções coloniais”10. Estas, sejam de origem ou aquelas que perduram e se
atualizam na contemporaneidade, são compreendidas como parte essencial de
uma prática colonizadora, pois é por meio delas que a Europa afirma sua posição
de universalidade diante das outras culturas, constituindo categorias de hierarquia
pela diferença. Podemos dizer que a construção da categoria "selvagem", por
exemplo, em comparação ao sujeito branco, tido como racional ou civilizado, é
uma das maiores ficções coloniais de origem e que ela sobrevive em nosso tempo
como uma categoria de valor, um selo de qualidade do que é bom e do que é
ultrapassado, ocorrendo sempre em um processo de desvalorização pela
desumanização do outro. Assim, o processo de desumanização dos corpos
colonizados está no cerne das violências estruturais que presenciamos na
contemporaneidade.
10 Noção que está sendo investigada na pesquisa de doutorado
ABAIXO AS FICÇÕES COLONIAIS: Análise,
investigação e criação decolonial na arte da performance desde o sul
, atualmente desenvolvida por Marcinha
Baobá no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, sob orientação
da Prof. Dra. Nina Caetano.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
13
Quando lançamos a questão “por que morremos ou por que nos matam?”,
ela necessariamente solicita uma investigação histórica, sobretudo da estrutura
social em que estamos inseridos. Desse modo, não é uma tarefa fácil atribuir uma
resposta a esta pergunta e, certamente, não temos a pretensão de respondê-la
por completo. No entanto, é possível afirmar que, se determinados corpos são
alvos fáceis de matar, é porque ainda somos vistos pela lente permanente das
estruturas coloniais como sujeitos cujo valor social é questionável. A manutenção
dessa perspectiva colonizadora determina o uso do paradigma de guerra e da justa
causa colonial, acionado sempre que for necessário para impor suas ideologias
sobre os nossos corpos e na maneira que vivemos os aspectos sociais da vida.
Corpo aberto, corpo questionador:
Bibliofagia
, de Lian Gaia
Em
Bibliofagia
(2022), Lian Gaia
se dedica a rememorar processos de violência
histórica direcionados às práticas culturais e religiosas dos povos racializados em
Pindorama, perpetuados na contemporaneidade, em todos os segmentos sociais
e em suas estruturas urbanas e rurais, por meio das colonialidades.
Figura 1 -
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia.
Frame
da video-performance11.
Na vídeo-performance, a atriz e performer indígena constitui sua ação a partir
11 Todas as imagens que ilustram este artigo são frames da vídeo-performance Bibliofagia (2022), disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=2gVmLYdjkwo&t=13s . Acesso em: 13 maio 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
14
de três momentos memoráveis: no primeiro, ela rasga as páginas da Bíblia para
mastigá-las, até não conseguir conter a ânsia de vomitar. No segundo momento,
presenciamos quando, sem mais carregar a Bíblia, ela pinta o rosto com a tintura
de urucum, rememorando uma ação simbólica da luta histórica dos povos
indígenas do Brasil:
O Discurso de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte
,
ocorrido em Brasília, em 04 de setembro de 1987
12
, quando ele, ao discursar a favor
de uma Constituição brasileira que reconheça as lutas indígenas em sua
reivindicação por terra, pinta o rosto com tintura de jenipapo (outro elemento
tradicional dos povos originários). No terceiro momento, essas duas ações são
alternadas com uma sequência de vídeos em que Lian caminha pelo espaço
urbano portando, como elementos de proteção, objetos da sua cultura: colares e
cocar.
Figura 2 -
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia.
Frame
da video-performance.
As imagens são acompanhadas pela enunciação de textos escritos pela
performer em contraste àqueles que foram ensinados pela cultura branca:
orações religiosas cristãs. No início do vídeo, ouvimos o
Pai Nosso
ser pronunciado
por ela; no segundo momento, a performer o texto em que apresenta sua
perspectiva sobre o processo colonizador de outrora e como ele se atualiza na
12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q. Acesso em: 11 jun. 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
15
contemporaneidade. Por último, ela
transfigura
salmos bíblicos, ao rezar para os
deuses indígenas Tupã, Nhanderu, Uirapuru e Batzé pedindo sua proteção:
Tupã é o meu Deus. O meu refúgio e a minha fortaleza e nele eu confiarei.
Filha das sementes plantadas por Nhanderu. Batzé me livrar da peste
perniciosa. Uirapuru me cobrirá com suas penas e debaixo de tuas asas
me confiará. A sua verdade será escudo e broquel. Não terei medo do
terror da noite, nem do balázio que voa de dia, nem da peste que anda
na escuridão, nem da mortandade que assola o meio-dia. Mil irmãos
cairão ao nosso lado. Dez mil à nossa direita e o inimigo segue invicto,
mas com meus olhos ainda contemplarei a recompensa dos ímpios,
porque tu Tupã é meu refúgio. Eu lhe chamarei e ele responderá, irá
mostrar minha salvação, porque Tupã é minha salvação, minha
fortaleza13.
É importante notar que sua ação é uma crítica ao processo de colonização
dos povos indígenas, inclusive no campo religioso, em que é desestruturado todo
um sistema de crenças que, de uma perspectiva branca, é visto como uma prática
criminosa. A centralização da durante a colonização transforma o campo
simbólico dos povos colonizados, obrigando-os ao isolamento ou ao sincretismo
de suas práticas como estratégia para a manutenção de sua cultura e de seu povo.
Figura 3 -
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia.
Frame
da video-performance.
No decorrer da performance, entre rasgar e mastigar as palavras bíblicas
13 Trecho da vídeo-performance
Bibliofagia
(2022), disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=2gVmLYdjkwo&t=13s. Acesso em: 13 maio 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
16
diante de uma multidão de pessoas, o corpo de Lian Gaia se contorce em ânsia
(figura 4): assim, compreendemos que os arquivos bíblicos não descem mais goela
abaixo das comunidades indígenas. Podemos entender que a ânsia mobiliza um
ato de rejeição às relações (e traumas) coloniais ainda presentes na
contemporaneidade. Assim, a ação performática relembra um passado histórico
de colonização compulsória e violenta, ao mesmo tempo em que reforça a
percepção de que práticas coloniais ocorrem ainda hoje nos territórios indígenas.
Este aspecto é reforçado pela série de reportagens que encerram a vídeo-
performance: exibidas em rápida sequência enquanto ao fundo ressoam vozes
rezando o Pai-Nosso, misturadas a melodias tradicionais indígenas elas noticiam
os vários tipos de violência a que povos originários estão submetidos, desde
racismo religioso até infanticídio, violência de gênero, assassinatos, perda de terras,
além de mudanças alimentares e socioculturais com a presença e aproximação
de pessoas não indígenas em seus territórios, entre outras não citadas aqui.
Figura 4 -
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia.
Frame
da video-performance.
A ação performática, no ato de comer as páginas bíblicas, possibilita a
interpretação de que o que se mastiga é a cosmovisão do outro, o não indígena, o
branco, o cristão, o “civilizado”, cujas estruturas organizacionais de espaço, escrita,
fala e religião se sobrepuseram à liberdade de determinados povos de viverem
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
17
suas próprias crenças e, consequentemente, sua própria realidade de acordo com
seus princípios sagrados e cosmogônicos. Ao vomitar as páginas bíblicas trituradas
por seus dentes e envoltas em sua saliva, mucosa e secreções, a artista
transforma o ato de expelir em uma afirmação de que as relações coloniais nunca
foram benéficas aos povos racializados; assim, sua única saída é devolver à
exterioridade o que lhe foi imposto durante e após a colonização das terras
pindorâmicas. Desse modo, a artista produz, a partir de sua ação, uma resposta
de contra-ficção em uma poética cujo caráter é estético-político, enfatizando os
diversos atos de violência direcionados às práticas religiosas e culturais de seu
povo.
Figura 5
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia.
Frame
da video-performance.
Com o termo contra-ficção14, buscamos compreender a constituição de
determinadas ficções cuja origem histórica remonta aos primeiros processos de
colonização da América Latina. Neste sentido, compreendemos que as ficções
coloniais estruturam regimes de poder classificatórios a partir do saber, do gênero,
do ser e, principalmente, do ver. Essas classificações situam os indivíduos em uma
14 O que diferencia “contra-narrativa” de “contra-ficção” são seus aportes teóricos: em nosso entendimento,
contra-narrativa é um termo que abrange diversos campos do conhecimento, bem como suas mudanças
epistêmicas e de perspectivas. o termo contra-ficção surge a partir dos estudos decoloniais e dos estudos
da performance com foco na América Latina, circunscrevendo o limite deste termo e do seu uso neste
artigo e nos campos analíticos citados anteriormente.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
18
hierarquia de valor social. As classificações estão orientadas por narrativas
coloniais que produzem a diferença colonial, mas não somente isso. Elas também
estruturam regimes de convencimento e orientam, por meio de um pensamento
comum, as produções de crença sobre as questões étnico-raciais em nossa
sociedade.
Para nós,
Bibliofagia
proporciona uma reconstrução histórica, alterando as
diversas concepções estereotipadas que temos dos povos originários. Essa
mudança de perspectiva é capaz de possibilitar a contextualização, por exemplo,
da construção histórico-social da sociedade brasileira e seus conflitos com esses
povos. O processo de historização da ação performática demonstra, dessa forma,
que uma origem. E que ela está localizada no pensamento civilizatório que
ocorre juntamente com a expansão das cidades e centros urbanos pelas terras
indígenas, disseminando estereótipos e ideologias político-religiosas que são
concebidas durante o processo de colonização, momento em que os
colonizadores criaram suas próprias narrativas e justificativas para sequestrar,
explorar, violentar e matar os povos que aqui viviam.
Como afirma Nêgo Bispo (2023, p. 42), em relação ao território brasileiro, são
“as cidades [que] estão nos quilombos. Belo Horizonte é que está no quilombo
Souza, no quilombo Manzo ou no quilombo Luízes”.
Ao reverter a lógica branca,
ele evidencia a anterioridade da ocupação quilombola, mas também indígena, bem
como de suas práticas religiosas e sociais nos territórios atualmente tomados
pelos centros urbanos. Assim como o pensador quilombola, Lian Gaia revela suas
inquietações sobre esse mundo civilizado e, portanto, colonizado. Para ela, os
colonizadores concebem para si narrativas ficcionais que validam crenças
europeias, ao mesmo tempo em que desvalorizam as outras formas de vivenciar
o mundo culturalmente:
Ao meu povo não foi prometido terra ou ouro, tão pouco, um paraíso com
rua de diamantes. Que tipo de Deus promete pedras? Pedras manchadas
de sangue, forjada na dor… de onde eu vim, a gente sabe que não dá para
possuir a terra. Nós é que pertencemos a ela. Somos suas extensões,
Waci bayago lemolaigo nobico
. Nós somos a extensão da terra. E antes,
dos forasteiros chegarem com seus livros de coura e gana por ouro, todos
sabíamos. O esquecimento é branco, o apagamento é branco. O roubo de
nossas memórias quem orquestrou foi o branco. Eles disseram que nós
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
19
não éramos iguais, que eram melhores, mais sábios, mais desenvolvidos15.
Assim,
Bibliofagia
vai apresentar uma espécie de “viagem ao tempo” pelas
ficções coloniais, pois são elas que retroalimentam, ainda hoje, as justificativas
para o uso da justa guerra colonial. É a perpetuação desse conflito que coloca a
vida de lideranças religiosas indígenas16 em risco, como é o caso de Dona
Sebastiana e Seu Rufino, o casal de
nhanderu
do Mato Grosso do Sul citado
aqui. Também é o caso de Dona Lulu ou Nhandesy Kunhã Yvoty, mulher indígena
Guarani Kaiowá de Amambai, Mato Grosso do Sul, acusada de praticar bruxaria
pelo evangélicos da Missão Evangélica Presbiteriana Caiuá.
Figura 6 -
Bibliofagia
(2022), de Lian Gaia.
Frame
da video-performance.
15 Trecho da vídeo-performance
Bibliofagia
(2022), disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=2gVmLYdjkwo&t=13s. Acesso em: 13/05/2024.
16 Em 21 de janeiro de 2024, antes mesmo de concluir a revisão deste texto, foi noticiado o assassinato de
Nega Pataxó, indígena da etnia Pataxó Hãe, localizada na terra Indígena Caramuru-Catarina
Paraguassu, no sul da Bahia. Segundo a Anaí Associação Nacional de ão Indigenista, seu assassinato
foi premeditado por um grupo de ruralistas organizados pelo "Movimento Invasão Zero", de modo que
foram “inspirados no discurso político de parlamentares de extrema-direita e do Centrão no Congresso
Nacional e [...] se organizaram para reagir contra supostas ameaças de trabalhadores sem-terra e indígenas
em áreas de conflito fundiário". Ainda segundo a Anaí, a atuação do Movimento Invasão Zero se em
diversos estados, conforme demonstra o "mapeamento do Ministério de Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar [que] identificou a presença de grupos associados ou inspirados no “Invasão Zero”
baiano em outros cinco estados Goiás, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina e no Distrito
Federal. Segundo O Globo, há também registros de mobilização similar no Espírito Santo, Maranhão, Mato
Grosso e Tocantins." Disponível em: https://anaind.org.br/noticias/grupo-ruralista-que-matou-indigena-
pataxo-na-bahia-atua-em-pelo-menos-7-estados/. Acesso em: 30 jan. 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
20
Segundo o relatório Kuñangue Aty Guasu, de denúncia de perseguições,
torturas e espancamentos a mulheres indígenas:
[...] vem denunciando para o Estado brasileiro, as perseguições, torturas,
espancamentos, dentre tantas violências contra as anciãs
nhandesys
praticadas por homens vestidos de "crentes" e outros líderes ligados à
capitania das comunidades Kaiowá
! e Guarani. Esses homens, em sua
maioria, fazem parte da doutrina da igreja
pentecostal Deus é Amor
e
pregam discursos coloniais de dominação do corpo da mulher,
silenciando e violentando em nome da igreja. Nas primeiras semanas de
Janeiro de 2021, o crime de intolerância religiosa avança fortemente nas
comunidades indígenas, pois sobe para nove casos identificados somente
este ano. As mulheres têm seus corpos violentados por homens que
usam facas, chicotes, cordas e pedaços de paus para “condená-las”:
torturá-las pela prática do chamado "feitiço" (2019, p.1).
Bibliofagia
é, assim, uma ação de contra-ficção que historiciza seu incômodo
social, político, histórico e cultural. Ela mostra que a origem da intolerância
religiosa e de outros tipos de violência a que essas comunidades estão submetidas
é antiga e está inserida no percurso estrutural de produção das ficções coloniais
e seus campos de poder simbólicos que cerceiam as culturas afro-indígenas.
Há um dado importante da biografia da artista: em seu site profissional17, ela
se apresenta como bisneta de João Pedro Teixeira, líder fundador da primeira liga
camponesa da Paraíba, cuja vida e luta foram tema do clássico documentário
Cabra marcado para morrer
(1984), de Eduardo Coutinho. No filme, João Pedro
Teixeira é visto pelos olhos de sua esposa Elizabeth Teixeira, papel interpretado
por ela mesma. É neste longa que Eduardo Coutinho reconstrói as motivações e
os desafios daquele que foi um dos primeiros líderes do Sindicato Camponês de
Sapé, Paraíba. A luta contra os latifundiários conferiu a João Pedro o epíteto de
“cabra marcado para morrer” e seu destino foi cumprido em 02 de abril de 1962,
data de seu assassinato. João Pedro se tornou um mártir na luta pela reforma
agrária brasileira e o lema que professava, "
reforma agrária na lei ou na marra
", é
conhecido até hoje. Sua esposa, Elizabeth Teixeira, é responsável por levar adiante
a luta pela reforma agrária em Sapé. O documentário expõe uma realidade não
muito distante daquela apresentada por Lian Gaia em
Bibliofagia
, no que diz
respeito à disputa pelo controle da territorialidade, mas também à defesa do
17 Cf. site da artista: https://www.liangaia.com/.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
21
território empreendida por trabalhadoras e trabalhadores e por comunidades
tradicionais, cujos princípios éticos, morais e de subsistência estão associados a
ele.
Considerações Finais
Ao nos debruçarmos sobre a ação performática da artista indígena Lian Gaia,
buscamos tratar sua poética como uma espécie de “revisão” de determinadas
violências históricas presentes atualmente na relação do sistema-mundo
moderno-colonial com os sujeitos por ele racializados. É por meio do seu corpo e
de sua ação que ela coloca em perspectiva a colonização das terras de Pindorama
e seus conflitos, atualizando os fatos históricos ao apresentar a realidade do agora
em comparação não linear com os períodos coloniais. Dessa forma, ela demonstra
como essas relações se perpetuam hoje, sustentadas pelas colonialidades.
Como vimos, a noção de colonialidade, cunhada pelo Grupo de Estudos
Decoloniais Modernidade/Colonialidade, afirma que o colonialismo não existe mais
como forma de controle territorial local, persistindo como outras formas de
controle, ou seja, como colonialidades do poder, saber, ser e gênero. Sendo assim,
quando Lian Gaia atualiza as questões coloniais em sua vídeo-performance, é
possível compreender o desenrolar deste sistema em outras configurações na
contemporaneidade, com novos modos de agir e novas estruturas. Além de
direcionar uma crítica ao cristianismo e às religiões evangélicas que insistem no
processo de evangelização das comunidades indígenas como sinônimo de
salvação. A ideia de salvação não se diferencia do que aconteceu durante a
colonização: ela está diretamente ligada às concepções de primitivismo cultural
ou da imagem antropofágica que instituições religiosas persistem em disseminar
do outro em sua diferença.
É importante notar que as novas configurações do sistema colonial,
especificamente os processos de evangelização de uma comunidade, se dão de
maneira diversa na atualidade, isso porque o capitalismo está no cerne dessas
relações. Neste sentido, podemos dizer que não é sobre que estamos
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
22
refletindo aqui, mas sobre o mercado da 18 em que muitas instituições
evangélicas e líderes religiosos estão interessados. Ainda no contexto das novas
configurações dos processos de evangelização que ocorrem nas comunidades de
sujeitos racializados, podemos destacar a atuação da fé em espaços de “dinâmica
de guerra do comércio ilegal de drogas locais ou, como é popularmente chamado,
o tráfico de drogas” (Costa, 2023, p. 20). A pesquisadora Viviane Costa, no livro
T
raficantes evangélicos: Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus
(2023), investiga a atuação da religião pentecostal dentro da Favela Israel, no Rio
de Janeiro.
Segundo a pesquisadora, ela começou a perceber que muitas pessoas dali,
ligadas ao tráfico, eram religiosas e se interessavam pelos ensinamentos
pentecostais. Para ela, essa afinidade poderia ser vista em muros pichados com
salmos e trechos da Bíblia ou no cumprimento dos jovens que estão em serviço
no tráfico, que trocaram o “bom dia” pelo cumprimento evangélico: “a paz do
senhor, irmão”. Ela compreende que o que ocorre atualmente no Brasil é a
mudança no perfil religioso das populações residentes em quilombos, favelas,
presídios, povoados e municípios pequenos. Isso acontece principalmente porque
as religiões pentecostais se tornaram presentes onde estão ausentes as políticas
públicas do Estado.
Diante do diagnóstico contemporâneo das novas formas de colonização pela
fé, percebemos que Lian Gaia, ao retratar o processo de continuidade das
violências coloniais no Brasil, estruturado dentro de uma narrativa capitalista e
religiosa, evidencia que a é uma mercadoria valiosa para o capitalismo e que
ambos agem de forma predatória em torno dos povos originários e de
remanescentes quilombolas. Desse modo, sua ação nos leva a questionar como a
é organizada no Brasil pós-colonização, pois a ver os desdobramentos dos
processos coloniais arraigados na narrativa civilizatória evangelizadora. Isso nos
permite identificar, a partir da ação da Lian Gaia, os sujeitos violados e violentados
18 O responsável por esta informação é o Alê Santos que fez uma sequência de twitter explicando a atuação
e influência da franquia evangélica Zion Church no Brasil. Esta informação está disponível em:
https://www.instagram.com/p/C3qrpbcr09C/?igsh=MW50b2pqZWRhb2t2YQ%3D%3D. Acesso em: 13 jan. 2024.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
23
no Brasil e os conflitos históricos em torno deles.
Ainda que nossa análise principal esteja centrada no que a poética da artista
nos apresenta, buscamos ampliar seus questionamentos para as novas formas de
atuação da ou para como a colonialidade se apresenta na atualidade e as formas
com que ela alimenta um conjunto de narrativas que valida crenças e
comportamentos que serão justificados pelo uso da justa guerra colonial.
Isso porque, em nossa perspectiva analítica,
Bibliofagia
é uma resposta aos
processos de violência simbólica em que a fé concebe uma narrativa de salvação
aos povos originários e marginalizados no Brasil. Além da violência simbólica,
temos os processos de violência material em que os discursos da fé, do civilizado,
do cristão-evangélico constroem para si um tribunal inquisitório, fazendo deles um
trampolim para ações concretas que vitimam corpos racializados. Lembremos dos
rezadores citados no começo deste artigo, que foram mortos por serem indígenas
e, principalmente, por não participarem da vida social e cultural em acordo com
os fundamentos modernos-coloniais.
Nesta direção, é possível afirmar que, para sobrevivermos na condição de
sujeitos racializados em um sistema-mundo moderno-colonial, a nossa única
opção tem sido vivermos um constante exílio dentro do Brasil. Dessa maneira, os
indígenas exilam-se em suas terras, distantes dos grandes centros urbanos, e as
religiões afro-brasileiras exilam-se em barracões, em áreas rurais ou em bairros
periféricos, para sobreviverem aos ataques de colonizadores contemporâneos.
Esta tem sido, de fato, a saída de pessoas marcadas pela dimensão racial:
como exilados de um Brasil ainda colonial, estamos na periferia da vida e a
possibilidade mais viável para nos levantarmos contra a ordem narrativa que
constitui nossa sociedade é correr o risco de assumir posicionamentos
divergentes, seja por meio da palavra, seja tornando esta palavra encarnada ou
corporificada.
Referências
ALBERT, Bruce; KOPENAWA, Davi.
A queda do céu: Palavras de um xamã
yanomami
. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
24
ALMADA, Emmanuel Duarte; COSTA, Aderbal Moreira SANTOS, Mauricio dos;
SANTOS, Flávio Henrique de Oliveira; SILVA, Maria Dolores de Lima e. Ecologias
afrodiaspóricas: lutas ambientais, saberes e alianças mais que humanas nos
territórios de matriz africana. In:
Epistemologias do Sul:
Pensamento Social e
Político em/desde/para América Latina, Caribe, África e Ásia
.
V. 7, n. 1, 2023.
BALANDIER, George.
El drama
.
Disponível em: https://pdfcoffee.com/georges-
balandier-pdf-free.html
.
Acesso em: 15 de jan. de 2024.
BALANDIER, George.
O poder em cena.
Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1982.
CABALLERO, Ileana Dieguez.
Cenários liminares: teatralidades. Performances,
política
. Trad. Luis Alberto Alonso. Uberlândia: EDUFU, 2011.
CARNEIRO, Sueli.
Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil
. São Paulo: Selo
Negro, 2011.
COSTA, Viviane.
Traficantes Evangélicos: quem são e a quem servem os novos
bandidos de Deus.
Editora: Thomas Nelson Brasil, 2023. E-book Kindle.
Discurso de Ailton Krenak, em 4/09/1987, na assembleia constituinte, Brasília,
Brasil.
Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/gis/article/view/162846/157198.
Acesso em: 25 set. 2023.
FANON, Franz.
Peles negras e máscaras brancas.
São Paulo: Ubu Editoral, 2020. E-
book Kindle.
GONZALEZ, Lélia.
Por um feminismo afro-latino-americano.
Rio de Janeiro: Editora
Zahar, 2020.
GROSFOGUEL, Ramón. Para uma visão decolonial da crise civilizatória e dos
paradigmas da esquerda ocidentalizada. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze;
MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. (Org..)
Decolonialidade e Pensamento
Afrodiaspórico
. Belo Horizonte: Autêntica, 2018, p.31-61.
Intolerância religiosa, racismo religioso e casa de rezas incendiadas em
comunidades Kaiowá e Guarani.
Disponível em:
https://apiboficial.org/files/2022/03/Relato%CC%81rio_Intolera%CC%82ncia-religiosa-racismo-religioso-e-casa-de-rezas-
queimadas-em-comunidades-Kaiowa%CC%81-e-Guarani.pdf. Acesso em: 25 de set. de 2023.
Kunangue Aty Guasu vem a público denunciar o crime de intolerância religiosa
praticada contra as mulheres anciãs Kaiowá e Guarani.
Disponível em:
https://redeindigena.ip.usp.br/wp-content/uploads/sites/776/2021/01/Kunangue-ATY-guASU-DENUNCIA-o-Crime-de-
intolerancia-religiosa_Tortura-contra-as-nhandesys-1.pdf. Acesso em: 25 de set. de 2023.
KRENAK, Ailton
. Ideia para adiar o fim do mundo.
São Paulo: Companhia das letras,
2020.
Aos exilados do Brasil: para compreender as violências coloniais no Brasil laico
Marcinha Baobá | Nina Caetano
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
25
KRENAK, Ailton
. A vida não é útil
.
São Paulo: Companhia das letras, 2020.
KRENAK, Ailton
. Futuro Ancestral.
São Paulo: Companhia das letras, 2022.
MALDONADO-TORRES, Nelson. “Analítica da Colonialidade e da Decolonialidade:
Algumas Dimensões Básicas
. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-
TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. (Org.)
Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico
.
Belo Horizonte: Autêntica, 2018, p. 31-61.
MBEMBE, Achille. A ideia de um mundo sem fronteira
. Revista Serrote, 2018.
Disponível em:
https://www.revistaserrote.com.br/2019/05/a-ideia-de-um-mundo-sem-
fronteiras-por-achille-mbembe/. Acesso em: 01 de jan. de 2024.
MIGNOLO, Walter. Decolonialidade como o caminho para a cooperação. Entrevista
concedida a Luciano Gallas.
Revista Instituto Humanitas Unisinos
, ed. 431, 04 Nov.
2013.
Disponível em:
https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5253-walter-
mignolo. Acesso em: 06 de fev. de 2024.
MOMBAÇA, Jota.
Não vão nos matar agora.
Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
Nhandesy é acusada de bruxaria por evangélicos de Amambai (MS).
Disponível em:
https://catarinas.info/nhandesy-e-acusada-de-bruxaria-por-evangelicos-de-
amambai-ms/ Acesso em: 23 de out. de 2023.
QUIJANO, Aníbal. ¡Qué tal Raza!.
Revista América Latina en Movimiento
, 320, 2011.
Disponível em: https://repositorio.flacsoandes.edu.ec/handle/10469/5724. Acesso
em: 21 de out. de 2023.
WALLERSTEIN, Immanuel. Análise dos sistemas mundais. In: GIDDENS, Anthony;
TURNER, Jonathan (Org.).
Teoria social hoje
. São Paulo: Ed. UNESP, 1999.
SANTOS, Milton.
Pensando o espaço do homem
. São Paulo: EDUSP, 2021.
SANTOS, Antonio Bispo dos.
A terra dá, a terra quer.
São Paulo: Ubu Editora, 2023.
Recebido em: 11/06/2024
Aprovado em: 17/08/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br