A virada decolonial nas artes da cena
Gabriela Lírio Gurgel Monteiro
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-21, jul. 2024
de teatro formados nas universidades, nas periferias e comunidades brasileiras.
Em 2022, organizei, junto com os estudantes do Programa de Pós-
Graduação em Artes da Cena/UFRJ, Ricardo Cabral, Gabriel Machado, Flávia
Berton e Gabriel Morais, em parceria com o Museu de Arte do Rio, o seminário
internacional
Arte e Ecologia – Políticas da Existência
6. Entre os convidados,
recebemos o quilombola Antonio Bispo dos Santos (1959-2023), com seu
pensamento contracolonial que institui a importância de “transformar as armas
do inimigo em defesa”(Santos, 2023, p.13), o que significa atentar para escolha e
nomeação das coisas, uma vez que, para ele, palavras são atos de transformação
do mundo. Isso compreende a oralidade das coisas manifestas, as narrativas dos
outros e as nossas, a palavra como estratégia: “seguimos nas práticas de
denominações dos modos e das falas, para contrariar o colonialismo. É o que
chamamos de guerra das denominações: o jogo de contrariar as palavras
coloniais como modo de enfraquecê-las”(Santos, 2023, p.13). Enfraquecer o
discurso que violenta as existências humanas e não-humanas por meio de uma
fala capaz de friccionar, de fazer rever, de refletir sobre os sentidos proferidos,
de questionar a ordem do dito, a ordem do pensamento usurpador, aquele que
engana, que fere e que mata.
Em “Uma ecologia decolonial. Pensar a partir do mundo caribenho”, Malcom
Ferdinand (2022) parte da metáfora do navio negreiro (um navio-mundo) não
apenas relacionando-o ao Caribe – sua terra natal, especificamente a Martinica –
mas a “todo mar de pensamento”, a todos os países colonizados - que
sobrevivem e resistem à escravização de corpos humanos e não-humanos, às
desigualdades, à barbárie, à destruição sistemática do meio ambiente e dos
modos de vida. Ele inicia com a pergunta “... o navio-mundo está no meio da
tempestade moderna. Como enfrentá-la? Que rota buscar? “(Ferdinand, 2022,
6 O
Seminário Internacional Arte e Ecologia: Políticas da Existência
ocorreu entre os dias 14 e 18 de março de
2022, de modo online e presencial, com o objetivo de fomentar o intercâmbio de pesquisas e processos
artísticos, visando a uma atuação propositiva no Antropoceno. Para isso, reuniu pesquisadores, artistas e
sujeitos atuantes na sociedade, de modo a refletir sobre estratégias de visibilização de questões urgentes
ligadas ao meio ambiente e, mais especificamente, aos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
Integrando saberes de diversas áreas, como o cinema, as artes visuais, o teatro e a performance, em uma
perspectiva transcultural e transdisciplinar, contou com a presença de Ailton Krenak, Andréia Duarte,
Denilson Baniwa, Pedro Cesarino, Eliane Brum, Paul Ardenne, Ana Mumbuca, Luiz Bolognesi, Louise Botkay,
Eliane Potiguara, Nego Bispo, Juão Nÿn, Givânia Silva, Flávia Berton, Anna Dantes, Cinthia Mendonça, entre
outros artistas e pesquisadores. Disponível em: https://www.youtube.com/ArteeEcologia.