Artes Performativas e Políticas da Percepção
Cassiano Sydow Quilici
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-15, jul. 2024
conduz o praticante a uma “zona”, ainda não semiotizada, de instabilidade e
estranhamento, demandando a criação de uma linguagem que, de alguma forma,
produza sentido e canalize a experiência desencadeada. A consciência do corpo
transformaria, desse modo, a consciência reflexiva de si em um espaço de
pequenas percepções, dissolvendo, em parte, as imagens cristalizadas de um “eu”
autônomo e separado do ambiente.
Em seus trabalhos mais recentes, Gil (2018) aprofunda tais insights,
recorrendo, para isso, tanto aos estudos da psicanalista Françoise Dolto, criadora
do conceito de “inconsciente do corpo”, como aos saberes tradicionais, ligados ao
universo dos mitos, ritos, xamanismo indígena, ioga e técnicas ancestrais de
respiração. Essa ampliação de referências pretende, segundo o autor, alcançar
um pensamento que supere as contribuições da filosofia (Husserl, Merleau-Ponty,
Foucault, Deleuze) e abarque múltiplos fenômenos corporais, “da dança à
psiquiatria, da engenharia genética às doutrinas orientais” (Gil, 2018, p.13).
Um movimento semelhante, no sentido de uma maior aproximação dos
saberes tradicionais, pode ser observado na pensadora brasileira, Sueli Rolnik.
Seus estudos sobre experiências realizadas pela artista brasileira Lygia Clark,
especialmente no período final de seu trabalho, chamado de “estruturação do
self”, trazem importantes reflexões para a construção de micropolíticas da
percepção. Rolnik (2018) desenvolveu toda uma compreensão sobre o papel das
macropercepções no mapeamento do mundo, em contraste com a função dos
estados de mal-estar e desassossego, que jogam o sujeito em um campo instável
de experiências sutis e desestabilizadoras, que pedem passagem. Todo um
trabalho artístico e clínico pode ser realizado a partir do acolhimento de tais
estados e do suporte para que possam engendrar o movimento do desejo e a
construção de novos territórios existenciais. A dimensão ética e micropolítica
desses processos foi bem explicitada pela filósofa e psicanalista, que tem
produzido leituras instigantes do “inconsciente colonial brasileiro”.
Mais recentemente, nas suas leituras sobre a ascensão da extrema-direita e
as novas formas de resistência, Rolnik afirma seu desejo de estreitar relações com
o ativismo indígena e afro-brasileiro, não só na esfera macropolítica, voltada à
conquista de direitos e à luta contra a violência, mas sobretudo na dimensão