O excesso não deixa a poesia pousar: o teatro anfíbio e a dimensão política da arte
Duda Woyda | Djalma Thürler
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-24, jul. 2024
indígena no palco. Os movimentos
#MeToo
,
#NiUnaMenos
e os muitos
pañuelazos
,
intervenções urbanas e outras formas de protesto cívico na linha do coletivo
chileno LASTESIS4 (
Un violador en tu camino
) deram um novo impulso ao
cruzamento entre estética e política, suas conjunções e desvios, a partir dos quais
se pode pensar a cultura e as sociedades contemporâneas.
Para Paulo Garrido Castellano e Paulo Raposo (2019, p. 8), “ao longo das
últimas décadas consolidou-se um interesse particular por formas artísticas que
tentavam ir além da expressão ou representação de conteúdos e temas políticos
para pensar em intervir de forma concreta e directa na sociedade”. Rimas Tuminas,
diretor artístico do Teatro Vakhtangov, argumenta que o teatro político
“simplesmente não existe. Absolutamente não. Ele surge de algo que se chama
teatro político, social, intelectual, proletário, são todas as definições que nasceram
fora das entranhas do próprio teatro” (Shestakova, 2012). Essas declarações nos
levam ao entendimento que, ao falar como o político é incorporado nas práticas
artísticas e nos contextos circundantes, nas decisões de especialistas, nos gestos
curatoriais, nos textos críticos, não estamos a falar de um gênero unidimensional,
mas carregado de contradições:
O sentido dado à noção de “teatro político” nesta primeira linha de
pensamento pode, em última análise, ser abordado através das várias
expressões que a clarificam, matizam ou mesmo corrigem. Algumas
destas noções referem-se à função do teatro e ao seu modo de ação
(“teatro agitação-propaganda”, “teatro militante”, “teatro de intervenção”),
outras dirigem-se ao público (“teatro popular” no sentido de que é feito
por e para as classes trabalhadoras), outras ainda se centram sobretudo
nas formas estéticas implicadas pela nova função do teatro (“teatro
documental”)5 (Kim, 2007, p. 16-17).
Por trás da obviedade da fórmula ‘todo o teatro é político’, emerge uma
realidade complexa, ambivalente e conflituosa6: embora possa ajudar a consolidar
4 LASTESIS foi criado por Sibila Sotomayor, Dafne Valdés, ambas atrizes e professoras, Paula Cometa, diretora
de arte, e Lea Cáceres, estilista e figurinista no ano de 2018 em Valparaíso, Chile.
5 L’acception que prend dans cette première lignée la notion de “théâtre politique” peut en définitive être
approchée par le biais des différentes expressions qui viennent la préciser, la nuancer voire la corriger.
Certaines de ces notions renvoient à la fonction du théâtre et à son mode d’action (“théâtre d’agit-prop”,
“théâtre militant”, “théâtre d’intervention”), d’autres visent le public (“théâtre populaire” au sens où il serait
fait par et pour les classes populaires), d’autres encore ciblent prioritairement les formes esthétiques
qu’implique la nouvelle fonction du théâtre (“théâtre documentaire”). (Tradução nossa)
6 O título do livro de Olivier Neveux, “Contre le théâtre politique”, não deixa de ser uma surpresa, sobretudo
para aqueles que leram suas obras anteriores, incluindo “Théâtre en luttes” e “Politiques du spectateur”,