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Poética pajé
André Gardel
Para citar este artigo:
GARDEL, André. Poética pajé.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas. Florianópolis, v. 2, n. 51, jul. 2024.
DOI: 10.5965/1414573102512024e0108
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Poética pajé
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Florianópolis, v.2, n.51, p.1-24, jul. 2024
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Poética pajé1
André Gardel2
Resumo
A elaboração de uma
Poética pajé
visa colocar em interação proposições estético-
políticas extra ocidentais e ocidentais. Quer, especificamente, retirar a filosofia
prática xamânica do fundo do cenário da floresta e levá-la para a boca de cena de
uma figuração plurinacional brasileira, gerando sentidos por meio de
copresenças
interétnicas, interartísticas, intertextuais. Para tal, delineia noções-experimentais a
partir da complexa concepção do plano onírico-relacional-virtual vivenciado pelo
pajé, a fim de fazer uma re-visão de alguns autores e obras cênico-performáticas e
literárias modernas; investigando ressonâncias dessa concepção nas letras, artes,
vozes indígenas contemporâneas.
Palavras-chave
: Xamanismo. Política cósmica. Mitopoética. Humanos e Não
Humanos. Seres virtuais.
Shaman poetics
Abstract
The elaboration of a shaman poetics aims to put extra-Western and Western
aesthetic-political propositions into interaction. Specifically, it wants to remove
shamanic practical philosophy from the background of the forest scene and bring
it to the forefront of a plurinational Brazilian figuration, generating meanings
through interethnic, interartistic, intertextual co-presences. To this end, it outlines
experimental notions based on the complex conception of the dream-relational-
virtual plane experienced by the shaman, in order to review some authors and
modern scenic-performative and literary works; investigating resonances of it in
contemporary letters, arts and indigenous voices.
Keywords:
Shamanism. Cosmic politics. Mythopoetics. Humans and Non-Humans.
Virtual beings.
Poética chamánica
Resumen
La elaboración de una poética chamánica tiene como objetivo poner en interacción
proposiciones estético-políticas extra occidentales y occidentales.
Específicamente, quiere sacar la filosofía práctica chamánica del trasfondo de la
escena forestal y llevarla al frente de una figuración brasileña plurinacional,
generando significados a través de copresencias interétnicas, interartísticas e
intertextuales. Para eso, se esbozan nociones basadas en la concepción del plano
onírico-relacional-virtual experimentado por el chamán, con el fin de revisar
algunos autores y obras escénicas-performativas y literarias modernas;
investigando las resonancias aún en las letras, artes y voces contemporáneas.
Palabras clave
: Chamanismo. Política cósmica. Mitopoética. Humanos y no
humanos. Seres virtuales.
1A revisão ortográfica e gramatical do artigo foi realizada pelo próprio autor.
2 Pós-doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestrado em Letras pela UFRJ.
agardelb@terra.com.br
http://lattes.cnpq.br/3286430268838913 https://orcid.org/0000-0001-5636-3482
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Esboços iniciais
A proposta de formulação de uma
Poética pajé3
tem como objetivo
dinamizar redes de relações entre potências imaginárias extraocidentais e
ocidentais, especificamente no que diz respeito a teias produtivas
mitopoéticas
,
que atuam dentro do espaço-tempo geopolítico que hoje é chamado de Brasil.
Visa, simultaneamente, fortalecer “o encontro entre diferentes saberes e o saber
do encontro” (Coccia, 2023, p.16), ao mover algumas peças do sistema filosófico
prático do xamanismo do fundo do cenário estético e (cosmo) político da
floresta e colocá-las, em interação, na boca de cena de uma figuração
metamórfica plurinacional brasileira, cuja circulação tradutora-transdutora,
polifágica, acoplante, pretende gerar sentidos por meio de
copresenças
4
interétnicas, interartísticas, intertextuais. Para esse fim, deixa-se impregnar, em
sua tessitura de construção de linguagem, por ressonâncias multidisciplinares da
literatura, da performance e da “‘etnografia multiespécies’ ou ‘da antropologia
para além do humano’” (Oliveira, 2021, p.46); também por reverberações de
cenas, acontecimentos, entrevistas, publicações de vozes indígenas em geral.
O arcabouço conceitual que viabilizará nossa
Poética pajé
, se (des) organiza
sob os influxos de um universo originário multipolar e relacional, plano de
experiência invisível frequentado em vigília onírica pelo duplo virtual do xamã, o
caosmos5
pré-especiação, no qual noções-experienciais como as de
3 O antropólogo indígena João Paulo Tukano, em entrevista dada ao autor deste artigo, sublinha que a
palavra tupi-guarani pajé “não abarca os tipos de especialidades dos povos” e que, por exemplo, os
Tukano, do Alto Rio Negro, possuem os termos “Yai, Kumu, Baya e Especialistas Mulheres” para diferentes
ações xamânicas. O sintagma-noção Poética paoriginalmente surge de uma tentativa de comunicação e
aproximação imediata com o leitor, recorrendo, para isso, a vocábulos usuais da língua portuguesa
brasileira como xamã e pajé. Contudo, por outro lado, busca, também, um alargamento reconfigurante, no
limite, contaminado, justaposto, do português, a fim de que as denominações linguístico-conceituais das
múltiplas línguas de povos indígenas afeitos a essas práticas especializadas ganhem visibilidade e
potência, polarizando em fluxo interativo, no corpo da Poética pajé, as suas particularidades
incontornáveis. Atitude, por si só, xamânica, de acoplamento corpóreo de alteridades variadas.
4 Els Lagrou, definindo a noção de
inferência abductiva
na obra
Arte e Agência: uma teoria antropológica
, de
Alfred Gell, tangencia o conceito de
copresença
: “Todo ícone é na verdade um índice. Tendo em vista
que a imagem age sobre a pessoa, ela partilha nas qualidades daquilo de que é imagem. Aqui Gell segue
Taussig em
Mimesis and Alterity
(1993), que mostra como o envolvimento sensorial com o percebido
estabelece um contato entre o percepto e aquele que percebe, uma copresença; por esta razão ver e
tocar são experiências muito próximas” (Lagrou, 2009, p.13).
5 Palavra-montagem (caos + cosmos) utilizada por James Joyce em seu arquifamoso
Finnegans Wake
, que
virou conceito filosófico contemporâneo no livro
A lógica do sentido
, de Gilles Deleuze. Passou a ser
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descentramento, aliança, predação, acoplamento, adoção, reciprocidade,
inimizade, movimentam estados metamórficos constantes. Esses estados se
configuram de acordo com as visões-tatos (re) estabelecidas com os espíritos
pelos pajés em suas viagens extrospectivas. Espíritos são imagens virtuais que
têm força e poder de intervir diretamente no real, gerando valores, saberes,
interditos, manifestações estéticas, políticas cósmicas e em redes locais, curas,
agregações e cisões diversas. É preciso, portanto, não perder de vista que os
conceitos daí extraídos surgem, em nosso trabalho, como acomodações verbais
transitórias de palavras escritas em “pele de papel” (Kopenawa & Albert, 2023,
p.29), em contexto gráfico-espacial - de filosofias práticas orais-performágicas6
xamânicas milenares. Com isso, as palavras-noções que usaremos para
conceber nosso repertório teórico-analítico aparecerão, inevitavelmente,
expandidas e (re) torcidas.
Sob tais condições, as nomeações das vivências experimentais dos pajés7
no
caosmos
ganham, aqui, a feição de conceitos-espíritos ou conceitos-duplos,
esboçados a partir de contaminações de experiências ontológicas e
epistemológicas xamânicas. Vivências de mundo-vida multimodal geradoras não
apenas de etiologias, padrões pictóricos, mirações8, livre trânsito entre o sonho e
a vigília, mas, por meio de nossa
Poética pajé
, da inclusão e ramificação desse
material na cultura e nas artes brasileiras contemporâneas. A língua portuguesa,
assim, precisará se abrir para acolher conceitos-visões oriundos de concepções
de pessoas, planos de experiências, expressividades outras, extraocidentais,
animistas-imanentes, próprias das diversas nações brasileiras em que as (trans)
_______________________________
empregada por antropólogos para definir o espaço-tempo mítico-onírico, também chamado de passado
absoluto ou passado expandido, visitado pelos xamãs em seus transes cosmopolíticos. Informações
retiradas do site: http://jorgedemoraes.blogspot.com.br/2006/11/uma-breve-histria-do-caos-
caosmos.html?m=1 Acesso em: 02 abr. 2024.
6 Palavra-valise que será muito utilizada em nosso trabalho e com a qual tive contato pela primeira vez em
um texto do antropólogo e poeta Antonio Risério, que cunhou a expressão
atos performágicos
, com o
intuito de definir as ações performativas mágicas dos xamãs arawetés. (Risério, 1993, p.165).
7 Uso, seguindo a postura de alguns antropólogos contemporâneos, de modo indistinto, os termos xae
pajé para me referir a esse agente de comunicação e “de mediação, menos um indivíduo especial que um
feixe de agências
que lhe são alheias, sempre provenientes de um espaço extra-humano”. (Sztutman,
2005, p. 182).
8 Mirações são visões comumente originárias da música que os pajés têm ao se relacionar com os
espíritos. As mirações podem gerar padrões visuais que serão usados nos utensílios, tatuagens, adornos
etc. das comunidades às quais os xamãs pertencem; sintetizam experiências vividas no plano invisível
onírico; desdobram-se, semioticamente, em desenhos, cantos, danças.
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ações xamanísticas, direta ou indiretamente, vigoram; desse modo, se
expandindo e se reinventando, em sua rede de significações, para entrar,
também, em estado metamórfico relacional constante.
A epistemologia xamânica, de base animista, é, antes de tudo, uma política
e uma estética cósmica, pois parte do pressuposto de que todos os seres e
entidades da natureza são agentes, têm intencionalidade e subjetividade. Cabe
ao pajé, num gesto antropomórfico, apresentar ao mundo da vigília a cultura, a
história, a tecnologia que a miríade de potências vitais-anímicas, os espíritos,
trazem para ele, em estado de copresença, no passado expandido. Ao
emoldurar-esculpir a si e aos outros, vindo a ser ele mesmo um duplo-espírito, o
xamã busca engendrar comunicabilidades interespecíficas e fazer da natureza,
cultura. Não se trata de, fabularmente, de modo antropocêntrico-solipsista,
impor ao pluriverso de perspectivas do planeta princípios, falas, psicologias dos
seres humanos, mas, ao contrário, de afirmar a natureza específica de cada uma,
dando-lhes cultura e civilização. E é por isso que, em entrevista dada ao
programa Roda-Viva, o xamã Yanomami Davi Kopenawa sentencia que os
espíritos - um povo virtual-anímico-imanente - com os quais os pajés interagem,
os
Xapiri 9
, criados pelo demiurgo
Omama a
: “são um outro povo, não são
yanomami. Vivem na montanha, não gostam de destruição[...] Tem que ficar em
silêncio para poder escutar o som do Xapiri, o som da terra, o som do mundo.”10
O que nos leva a especular, junto com o antropólogo Peter Gow11, que os
espíritos, duplos ancestrais da floresta e de tudo o que animisticamente vive, são
seres-luz-som.
Ao cumprir o papel de atuar politicamente com os membros das inúmeras
culturas-civilizações de espíritos, os pajés acumulam, entre outras, as funções de
9“Lembro que estes são o resultado da transformação que ocorreu no início dos tempos, quando os
ancestrais míticos, os
yarori pë
, deram origem aos
yaro pë
, os animais de caça, e aos
xapiri pë
, os espíritos
auxiliares dos xamãs. A origem desses seres ocorreu a partir de uma divisão entre corpo (
pei siki
) e a
imagem (
pei utupë
). Assim, o corpo dos
yarori pë
originou os animais que os Yanomami caçam atualmente
e a sua imagem, os espíritos auxiliares dos xamãs”. (Limulja, 2022, p.162).
10Entrevista dada pelo xamã Yanomami Davi Kopenawa ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em
15/04/2024. Fala transcrita a partir do programa visto no YouTube na mesma data no seguinte link:
https://www.youtube.com/live/davOEBFhU0U?si=7VeB5bT-f9jbQx62
11Os espíritos são tangíveis, apesar de invisíveis, pois veem, possuindo “uma forma material precisa, a
canção” (Gow, 1999, p.313). Sinestesicamente falando, é a música vendo, e, assim, se relacionando com os
humanos.
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decifrador, cartógrafo, diplomata cósmico. Têm que decodificar e traduzir
ontologias heterogêneas, encontrar equivalências, aproximações, ser um
mediador interespécies, um transcodificador intersemiótico de signos e sinais
desconhecidos, um diplomata cósmico tentando manter o equilíbrio
cosmológico entre pontos de vista em conflito. As imagens-espíritos são duplos
das espécies (animais, vegetais, minerais) e de entidades diversas (rios, trovões,
montanhas etc.), que podem estabelecer relações de familiaridade, acoplando-se
ao xamã como auxiliares, atuando, com isso, em missões políticas, ensinando
caminhos na geografia cósmica (patamares superpovoados arbóreos,
subaquáticos, terrenos, celestes, subterrâneos, com suas inúmeras passagens,
caminhos, desvãos), canções, danças, padrões visuais. Esses agentes
humanoides espectrais podem assumir as mais diversas formas-fluxos míticas,
numa gradação extra-humana intensiva que vai do monstruoso ao sublime
translúcido. O xamã, em estado de vigília onírica, acordando no sonho, vira um
espírito, sem pele, sem a opacidade física do corpo, e inicia a sua aventura
excorporada, atravessando sensações-cenas, no plano invisível da experiência.
Na ontologia Yanomami, o nome dado à pessoa que vive a atualidade da
condição
dentrofora12
de, a partir do corpo, viajar no plano cosmológico de
experiência invisível onírico-ancestral, é
utupë
(Limulja, 2022). Para que tal
processo ocorra, o pajé, após uma série de regimes alimentares e outras
modificações corporais rituais efetuadas na vigília, além da possibilidade de
ingestão de substâncias-saberes psicoativas, executa um sacrifício no qual é, a
um só tempo, oficiante e vítima, ao transitar para o estado liminar próprio de um
vivo-morto.13Ao sacrificar o próprio corpo, acordando no sonho na condição de
espírito, abre-se, como oficiante, às possibilidades de vivenciar de maneira não-
representacional, direta, outros pontos de vista, tornar-se animal, rio, pedra, por
exemplo, vivendo a humanidade cultura, intenção, subjetividade - de
alteridades radicais. assim, deixa “passar um fluxo semiótico
-
material
12O símile utilizado por Peter Gow para definir esse estado xamânico é belíssimo: o pajé é “conduzido a um
estado notavelmente semelhante ao de um feto no útero: o interior e o exterior do corpo [tornados]
coextensivos.” (Gow, 1999, p.312).
13 Reparem que uso a expressão
vivo-morto
e não
morto-vivo
. Esses últimos são os zumbis do Ocidente
profundo, mortos que emergem das trevas, redivivos, para nos aterrorizar. Aqui a ordem dos fatores altera
o produto.
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benéfico entre humanos e não-humanos”. Atravessa “para o outro lado do
espelho” e depois vem relatar à comunidade o que viveu. Experimenta
perspectivas múltiplas acoplando em si
outridades
, “não manda delegados ou
representantes sob a forma de vítimas, mas é a própria vítima: um morto
antecipado” (Castro, 2015a, p. 173). Diferentemente da função vertical mediada do
sacerdote de ter um oficiante que sacrifica seres para acessar a divindade; ou
de se comunicar com deus, por meio da fé cega na palavra sagrada; ou, ainda, de
ter uma Instituição-Estado que centralize e legitime o verbo divino a um rebanho
de fiéis o xamã amazônico transversal14não produz uma “religião proto-
sacerdotal” (Castro, 2015a, p. 181), pois, por meio de relações de contiguidades
agentivas acoplantes, descentra-se, faz-se multipolar e comutável, trazendo as
visões-conhecimentos de longe para revitalizar e deslocar a vigília da
comunidade, que, assim, incorpora a mudança e a alteridade.
A vivência do pajé advém de uma ação direta, não-representacional, de ver-
saber como tatear, que emerge das situações de
copresença
e comutação de
perspectivas com os espíritos. Em muitas línguas da Amazônia, “as palavras que
traduzimos por xamã não designam algo que se é, mas algo que se tem”, não
“um atributo substantivo”, mas “uma qualidade ou capacidade adjetiva e
relacional.” Ou seja, um estado energético dinâmico em mutação interativa. O
xamã é respeitado e considerado muito poderoso quanto mais longe no espaço-
tempo mítico for e, nesse percurso, pactuar inúmeras alianças, justapondo em
seu corpo-imagem uma micropopulação de múltiplas alteridades e agências. Por
essa razão, mais do que “super-indivíduos”, os xamãs “são seres super-divididos”
(Castro, 2006, p.322). A potência dos agentes espectrais aliados, com pontos de
14 Eduardo Viveiros de Castro no capítulo
Xamanismo transversal
do livro
Metafísicas canibais
, a partir da
tipologia concebida por Stephen Hugh-Jones, aponta que o “que se designa em geral como xamanismo, na
Amazônia indígena, recobre a diferença importante entre um ‘xamanismo horizontal e um ‘xamanismo
vertical’”. Os xamãs horizontais “são especialistas cujos poderes derivam da inspiração e do carisma, e cuja
atuação, voltada para o exterior do
socius
, não está isenta de agressividade e de ambiguidade moral”, são
próprios das “sociedades amazônicas de estilo mais igualitário e belicoso”. “a categoria dos xamãs
verticais, por sua vez, compreende os mestres cantores e os especialistas cerimoniais, os guardiães
pacíficos de um conhecimento esotérico indispensável para a condução a bom termo dos processos de
reprodução das relações internas ao grupo: nascimento, iniciação, nominação, funerais”; categoria
presente “apenas nas sociedades mais hierarquizadas e pacíficas, aproximar-se-ia da figura do sacerdote.”
Para, ao final, concluir que “não há sociedade amazônica onde existam apenas xamãs verticais; ali onde
um tipo reconhecido de xamã, este tende a acumular as funções dos dois xamãs dos Bororo ou
Tukano, com um nítido predomínio, porém, dos atributos e responsabilidades do xamanismo horizontal”.
Mais adiante, desenvolvendo mais a fundo essa tipologia, define que “o xamanismo horizontal o é,
portanto, horizontal mas transversal.” (Castro, 2015a, p. 174-175, 180)
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vistas agregados, delineia a qualidade das metamorfoses experenciadas pelo
pajé, que sonha-vive os mitos, os atualizando e multiplicando, (re) fabricando
origens, mundos, pessoas.
O repertório que daí advém, apresentado à comunidade na vigília de modo
narrativo-poético-bailarino pelo xamã, é sempre politranscodificado, na ânsia de
ligar sentidos, de encontrar ressonâncias-correspondências-equivalências
intersemióticas, sempre multitraduzido, apresentando versões sobre versões
contaminadas e contaminantes, reinvenções sobre reinvenções, sempre em
processo, sem originalidade ou versão definitiva. Expressividades que
embaralham as demarcações canônicas entre narrativa, história e mito, e que
entrelaçam memórias individuais de vivências nos planos de experiências
oníricos e da vigília do xamã ao saber transindividual mítico do grupo ao qual
pertence, sem subordinação nem interrupção construtiva, sob a andadura
mágica de fórmulas poéticas rigorosas, “bricolagem cosmológica” (Castro, 2015a,
p. 179), performances rítmico-corpóreas, desenhos-mirações.
Para completar a sofisticação dessa teoria estético-político-vivencial
absolutamente contemporânea - na qual um duplo-imagem-som-anímico de
um pajé, magnificado pela incorporação superposta de uma multidão de
alteridades de olhares-tatos-saberes de múltiplas naturezas, reengendra, em seu
repertório
performágico
polienunciado, os mitos fundantes de sua cultura-
civilização, dinamicamente atualizados a cada visitarealizada ao passado
expandido -, a necessidade de conceber, por parte do xamã, no âmbito de
construção de linguagem, uma nova língua, poético-inventiva, feita de palavras
“torcidas”, a fim de lidar com os entes metamórficos oriundos desse universo
onírico-ancestral presentificado. Como decifrador dos seres-códigos com os
quais se depara na geografia cósmica, o xamã não nomeia de imediato o que vê-
deseja saber, que isso limitaria, com palavras comuns, a diferença radical da
energia vital virtual que se mostra ante seus olhos tateantes. Daí a necessidade
imprescindível de rodear imagens-espíritos de “um domínio desconhecido”, “por
apalpadelas” (Cunha, 2017, p.109), para não esmagá-las com palavras ordinárias,
com o objetivo de inventar-inventariar nomes-entes que, a princípio, apenas se
entreveem. Questão essencial que ronda as relações do pajé no
sóciocosmos
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invisível, exigindo apreciação atenta e cautelosa, por implicar em grande risco
existencial, que se tratam de perspectivas anímicas que podem vir a
incorporá-lo ou serem incorporadas.
Outra visão em jogo numa “possível teoria da linguagem ritual” xamânica, no
caso dos pajés Marubo, em relação às funções do uso de
palavras torcidas
, é a
de que o sintagma não se refere a “desvios de linguagem, fictícios e arbitrários
em relação a algum sentido próprio ou objetivo.” E, sim, à eficácia de uma (re)
nomeação utilizada etiologicamente, “para compreender o surgimento [das
coisas]”, que está sob a potência do “pensamento-palavra de pajé” e não sob a
impotência da fala ordinária. Quando um xamã marubo chama, por meio de “fala
pensada” ou “soprocantada”, usando em seus discursos “fórmulas especiais
diversas”, o nosso industrial relógio de “olho de onça-fogo”, ele refabrica o objeto
que conta as horas em nossa cultura para melhor manipulá-lo magicamente
(Cesarino, 2013b, p.452).
É importante registrar aqui que nossa
Poética pajé
se aproxima de duas
Poéticas
contemporâneas por, entre outras proposições, combaterem o
antropocentrismo logocêntrico ocidental - filho tanto do racionalismo científico
mecanicista, cujas origens se dão nos séculos XVII e XVIII, quanto do patriarcado
unidimensional branco racista-escravagista-financista euroamericano, que
seguem impondo, de modo predatório, direta ou indiretamente, uma
superioridade bárbara humana sobre as outras formas de vida. Coisificando, com
isso, a natureza e os povos extraocidentais para melhor explorá-los. Essas
Poéticas
são a
Zoopoética
, produtora de
zooescritas
, que parte do estatuto de
sujeitos dado aos animais, sustentando “uma ética da diferença no trato das
alteridades não humanas, visto que os outros viventes são eticamente diferentes
de nós e irredutíveis às nossas formas de compreensão, aos nossos projetos e
interesses” (Maciel, 2023, p.30); e o
Pensamento Vegetal
, que afirma que
inteligência, sensibilidade, uso de linguagem nas plantas, correspondendo “ao
modo como, materialmente, elas se dispõem em conexão, de forma espacial e
articulada. Comunicam-se entre si e as outras formas de vida” (Nascimento,
2021, p.25). Ambas combatem a exclusividade de faculdades tidas como próprias
do homem, portanto, “negadas aos demais seres vivos: pensamento, linguagem,
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sentimento, habilidades cognitivas e artísticas, cultura, enfim, capacidade de ter
saberes e um ponto de vista próprio do mundo” (Maciel, 2023, p.17).
Filosofia prática
Para entender melhor a filosofia prática implicada em nossa
Poética pajé
,
temos que pensar, de imediato, nas relações entre Natureza e Cultura que se
distanciam de visadas ocidentais de cunho universalistas, como as do bom
selvagem, que idealizam um “estado idílico de comunhão pacata entre
humanidade e natureza (numa típica relação entre sujeito e objeto)” (Oliveira,
2021, p.46), ou, então, “da Natureza como algo prístino, necessariamente
inconspurcado pela ação humana”, “agenda conservacionista mais tradicional do
Estado”, que opera “com um princípio filosófico fundamentado em uma Natureza
apartada da humanidade”; sendo que esta última processaria, no mundo, “a
diminuição e a erosão da biodiversidade” (Oliveira, 2021, p.45). O contraponto
central a esse ideário de fundo naturalista-racionalista ou idealista é o princípio
da ontologia animista, gerador de uma natureza-cultura, ao dar agência,
intencionalidade, inteligência, poder de comunicação a plantas, animais e
entidades que chamamos de
inanimadas
como rios, montanhas, astros, pedras,
florestas etc. Ou seja, a humanidade – a linguagem, a cultura, a agricultura, a arte
- “não é uma prerrogativa dos humanos”, “não é uma condição exclusiva, mas
sim um atributo amplamente compartilhado com diversos entes.” E isso tanto
no plano visível quanto invisível da existência, pois, para diversas etnias
amazônicas, a biodiversidade da floresta é efeito de manejo simultaneamente
humano, não humano e de seres-espíritos:
[...] não as sucuris têm seus roçados. Os açaizais são compreendidos
como plantações de tucanos, aves que dispersam sementes dessa
palmeira ao se alimentar dela e regurgitar os caroços; cutias são
responsáveis por plantar castanhais; caranguejos têm pimenteiras...
Espíritos de mortos cultivam batatas e mandiocas, que aos olhos dos
Wajãpi aparecem como plantas invasoras em roçados abandonados.
Estamos diante de uma floresta habitada e cultivada por entes apenas
aparentemente não humanos (Oliveira, 2021, p.44).
Numa crítica animista direta ao materialismo do “povo da mercadoria”, que
leva à coisificação da natureza, o xamã Yanomami Davi Kopenawa assevera que
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“Os brancos pensam que a floresta está colocada sem razão sobre o chão, como
morta. Não é verdade” (Kopenawa e Albert, 2023, p.29), a fim de introduzir os
espíritos
xapiri
, irmãos das florestas (concebidos juntos pelo demiurgo
Omama a
) e verdadeiros guardiões da terra-mãe. São imagens virtuais imanentes
da terra-floresta, do vento, da chuva, e do que os brancos denominam de
natureza. São “vistas pelos xamãs”, que interagem, criam alianças com eles, os
convocam das montanhas, do céu, para curar, para que deem frescor, tragam
chuva, alegria, beleza, ventilação, espantando as epidemias, a quentura, “os seres
maléficos”, segurando “a raiva do espírito da tempestade que derruba suas
árvores” (Kopenawa e Albert, 2023, p.30). Em constante movimento, são a causa
da manutenção da vida, vivem na terra-floresta e, por essa razão, devemos
proteger sua morada.
Els Lagrou (2009), ao abordar o entrelaçamento tecer-cantar entre os
Kaxinawa, povo Pano do Acre, sublinha o valor produtivo, não representativo, de
uma concepção estético-vital, comum a grande parte das sociedades indígenas
brasileiras, que não distingue artefato e arte, e “o papel do artesão/ artista não
constitui uma especialização”. Não ocorrem rupturas, típicas da realidade
ocidental pós-iluminista, entre o gênio inventivo e sua comunidade. O título de
“dona dos Japins” ou “mulher com desenho” é dado à “liderança ritual feminina
da aldeia, responsável pela organização do trabalho coletivo do preparo do
algodão” (Lagrou, 2009, p.17), assim como “às mulheres que lideram o canto
feminino durante performance ritual”, ou, ainda, ao “líder do canto masculino
[que] é igualmente chamado de dono dos japins”. O pássaro-mestre propiciador
dos cantos-mirações xamânicos, é um modelo produtivo para o agenciamento
de esferas complementares da arte de viver e de fabricar-se:
Tecer e cantar são duas atividades produtivas, constitutivas do cotidiano
kaxinawa, cuja estética consiste em uma arte de produzir a vida de
modo próprio,
kuin
, ao modo Kaxinawa. O japin seria o modelo de artista
a emular pelos humanos, pois, além das capacidades de tecelão e
cantor, o japin compartilha com os humanos o hábito e o conhecimento
de viver em comunidade, um conhecimento considerado condição para
qualquer outra habilidade (Lagrou, 2009, p.18).
Entre os Marubos, povo Pano do Vale do Javari, são os espíritos de
“pássaros tais como os sabiás, os japós e os japinins” que ensinam, de modo
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interativo, os cantos-mirações aos xamãs. Para aprender a fala-canto-
conhecimento desses mestres, é necessária uma fabricação corporal anterior à
ida ao plano de experiência onírico, a fim de que a relação de visão-tato-audição
que gera a aprendizagem possa se dar. Somente com “o afastamento dos
afazeres e dos corpos cotidianos”, “acompanhada de uma dieta rigorosa, do uso
de substâncias tais como o rapé e a ayahuasca e da aplicação constante de
pinturas corporais”, fabrica-se um corpo xamânico “capaz de sedimentar”
(Cesarino, 2019, p.173) a língua-saber dos pássaros loquazes. Para tal, não
abstrações nem autonomias de linguagens e, sim, extensões: “O corpo é
efetivamente uma extensão expressiva caracterizado por adornos, pinturas,
eloquência verbal e, sobretudo, parentesco.” Parentesco produtor, também, de
uma aliança interdependente de corpos expandidos, um estado relacional
específico em que os pajés possam “ligar pensamento”, constituindo “uma
comunidade de interlocução reflexiva e corporal com determinadas pessoas
aparentadas por um processo marcado pela partilha de substâncias-
conhecimento.” O sentido não se origina “simplesmente de experiências vividas,
mas de acoplamento ou de produção de um agenciamento complexo entre
distintas disposições corporais” (Cesarino, 2019, p.174). Com isso, se instaura uma
familiaridade ritual entre pessoas-corpos que exige a perda da ideia de
identidade-substância, em favor do princípio de relação-aliança. Ao final, com
cantos-danças-encenações, os xamãs atualizam os sentidos conquistados por
meio de ligações de
copresenças
com “os grandes mestres das palavras”,
agentes encontrados “na experiência excorporada, que costumamos chamar de
sonho” (Cesarino, 2019, p.173).
Outro aspecto que deve ser trazido à baila é que grande parte da floresta
amazônica é manejada por diversos agentes em rede, com os sujeitos sendo
respeitados, de modo multicentrado, sob “o princípio da interdependência, que
explica, de acordo com cada cultura, as combinações entre diferentes formas de
vida e de existência” (Scaramuzzi, 2021, p. 51). Estabelecem-se, com essa
finalidade, interditos, pactos, códigos de ética entre as ações humanas e as dos
guardiões das espécies e entes
inanimados
, construindo “formas de convivência
entre humanos e não humanos que tenham contradições menos nocivas para as
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espécies e demais seres que compõem o ambiente.” Não há, com isso, “relações
baseadas em plena igualdade, equilíbrio, harmonia, como afirmam muitas ideias
e pensamentos da sociedade ocidental” (Scaramuzzi, p.51, 2021); e, sim,
“trajetórias próprias que não devem ser controladas ou submetidas de modo
inconsequente e irresponsável, o que resultaria em efeitos adversos para todos.”
Sob essa perspectiva animista multipolar e interdependente, não faz o menor
sentido a noção coisificante de recurso natural, “ou parte de um domínio
homogêneo e estático a serviço dos interesses humanos” (Scaramuzzi, p.52,
2021), propagandeada pelo antropocentrismo saqueador ocidental, que afirma,
controlador e dominante, a cisão Natureza/Cultura.
O exemplo dado por Scaramuzzi é o das interconexões de cooperação
multicentrada dos quilombolas do Alto Trombeta, povo tradicional habitante da
Floresta Amazônica, na criação e manutenção dos castanhais. Atuam, em
parceria, habitantes distintos do planeta, numa extensa rede produtiva,
principalmente, as abelhas aramãs - que “se alimentam da água doce das flores
das castanheiras” e “vedam as flores com sua saliva”, possibilitando “a
transformação em frutos”; “as árvores de várias espécies que compõem a
vegetação” intermediária “entre o solo e as copas das grandes castanheiras”; as
cutias, que rompem “os ouriços para se alimentarem das castanhas” e “têm o
costume de enterrar algumas”, fazendo-as germinar em outras áreas; e “os
próprios castanheiros” que “deixam-nas ‘alegres’ e as incentivam a produzir
frutos.” Como se vê, uma
[...] rede de relações responsável pela criação e reprodução dos
castanhais não tem o humano como protagonista, e as maneiras como
os diferentes sujeitos estão conectados às castanheiras configuram um
modelo de relação social do qual estão ausentes os princípios de
hierarquia, violência e dominação (Scaramuzzi, 2021, p.53).
Davi Kopenawa nos o exemplo da interdependência e de cooperação
multicentrada no plano de experiência invisível da realidade, na atuação dos
espíritos-auxiliares dos xamãs, interligados na missão de fechar rachaduras no
céu e “impedir a floresta de retornar ao caos. Quando a chuva cai sem parar e o
céu fica coberto de nuvens baixas e escuras durante dias” (Kopenawa& Albert,
2015, p.197). No caso que nos deteremos, a abóbada celeste - que “se move” e é
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“sempre instável” - começa a rachar, a se torcer e balançar “com estalos
aterrorizantes”, após a morte violenta de um xamã jovem que possuía “uma casa
de espíritos muito alta”. Seus espíritos-auxiliares “furiosos por terem ficado
órfãos”, começam a “quebrar o céu por vingança”, golpeando “o peito dele com
toda força de seus machados e facões afiados.” Nessa situação limite, vem de
muito longe um espírito celeste, “antigo e poderoso de mãos muito habilidosas”,
o do macaco-aranha, que “no entanto não conseguiria fazer esses consertos
sozinho” (Kopenawa& Albert, 2015, p.196).
Muitos outros espíritos o auxiliam, como os do macaco-da-noite, do
jupará, da irara
hoari
e do esquilo
wayapaxi
. Mas ele também chama
como reforço os espíritos celestes
hutukari
, os espíritos raio
yãpirari
e
os espíritos trovão
yãrimari
(Kopenawa& Albert, 2015, p.196/7).
É importante ratificar que o plano de experiência invisível presentificado
pelo pajé é visto em nosso trabalho como construção imaginária milenar, energia
mitopoética
que se desprega da realidade e a amplifica e redimensiona, levando-
o a ter contato com uma espécie de espaço-tempo cósmico do real, no qual a
vida se mostra em toda a sua imensa exuberância de beleza e crueldade15. Os
donos ou duplos de outras espécies e entes inanimados são formas-fluxos
mudando de estados energéticos, efetuando transduções, manifestando-se sob
aparências variadas.16 Os Wajãpi concebem a imagem de que são “fios invisíveis
(tupãsã) que ligam os xamãs a entidades sobrenaturais” (Sztutman, 2005, p.183),
pincelando um belo símile que ajuda na compreensão de conceitos da filosofia
prática do pajé amazônico, no que diz respeito aos vínculos virtuais-imanentes
que estabelece. Construção que desenvolve uma teia comunicativa expandida do
caosmos
e que invade as relações comunitárias na vigília, sublinhando a função
de mensageiro interplanos de experiências exercida pelo xamã. Pois, o pajé, além
de ser “um mediador de uma rede cósmica, atuante nas trocas recíprocas que
envolvem diferentes espécies e seres em acontecimento” (Lisboa, p.50, 2021),
15 Expressão usada na acepção artaudiana da palavra (Artaud, 2008).
16 “Os donos têm muitas manifestações: assumem aparências humanas, animais, vegetais e feições
monstruosas. Eles estabelecem uma relação de cuidado com as suas criaturas e zelam por elas. O dono
dos queixadas, por exemplo, mantém seus animais em currais, alimenta-os e cuida de seus corpos
quando feridos, e é ele quem os libera pelas matas, possibilitando que sejam caçados. Os donos se
enraivecem por diferentes motivos, mas sobretudo quando suas criaturas são machucadas. Tomados de
ira, os donos retaliam aqueles que perpetram atos violentos, enviando doenças.” (Oliveira, 2021, p.46).
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15
busca solucionar, também, tragédias ecológicas e antropocenas, e ainda participa
da política nas redes de relações inter e infracomunitárias.
No passado absoluto adentrado pelo duplo do pajé por meio de portais
que se abrem sob a ação de estados liminares - são reconcebidos os tempos-
espaços primeiros da humanidade, pré-cosmos atual e pré-especiação, quando
esta
[...] conversava, casava e se relacionava com gente anta, gente queixada
e gente surubim, entre tantas outras. Eventos diversos, nesse tempo de
transformação intensiva, fizeram homens se metamorfosearem em
guaribas, onças virarem ariranhas... E assim tiveram origem todos os
animais que habitam hoje a plataforma terrestre (Oliveira, 2021, p.44).
Sob essas perspectivas, e levando em conta que o pajé atualiza e
reconfigura esse
caosmos
, tanto as ações cotidianas indígenas no ambiente
comunitário, quanto no plano invisível de experiência xamânico, são,
inevitavelmente, relacionais, interpessoais, socioculturais, se dando no amplo e
minucioso gradiente de uma humanidade expandida. Nesse espectro vital,
riscos e tensões constantes de vingança, de retaliação, de predação, de
inimizade mas, também, possibilidades de alianças, interações, intercâmbios,
reciprocidades, acoplamentos. Trata-se de um mundo instável, mutante, no qual
sonho e realidade interagem, se potencializam, se superpõem.
Kopenawa, ao traçar as origens da “terra-floresta dos seres humanos”
(Albert & Kopenawa, 2023, p.39), a partir das ações do demiurgo
Omama a
,
corrobora a ideia de que, em geral, na filosofia prática indígena, não um
gênesis, um mundo criado do nada, efetuado por um deus onipotente e punitivo,
e, sim, a bricolagem de um agente com poderes mágicos que chega à existência
e rearranja um universo particular pulsante de fluxos e formas. E mais, essa
chegada à vida não é exatamente um nascimento, mas um deslocamento, que
pode ser compreendido de modo amplo, como, por exemplo, de trânsito de um
dos andares para qualquer um dos outros17 que compõem o eixo vertical da
17 São ao todo quatro andares: o do nível subterrâneo, abafado pela queda do céu primeiro; o do disco
terrestre, a terra-floresta concebida por
Omama a
nas costas do velho céu que caiu; o andar do céu atual,
também com duas camadas, a que vemos e a de suas costas; e a folha do céu embrionário superior.
“Esses quatro estratos são cercados de uma imensidão vazia”, de “espaços desprovidos de vegetação”
(Kopenawa e Albert, 2023, p.40) e são habitados por civilizações de espíritos de múltiplas naturezas, com
os quais o diplomata cósmico xamã estabelece alianças, quase sempre de parentesco, e vive conflitos
Poética pajé
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16
arquitetura folheada cósmica xamânica yanomami (Albert & Kopenawa, 2023,
p.40). A maneira como se a produção da terra-floresta a partir do velho céu
caído na terra, após a chegada do herói cultural
Omama a
, não vem da palavra,
do judaico-cristão
no princípio era o verbo
. Vem da imagem18, desenhada em
“pele de papel” como a dos brancos; no entanto, com “a tintura vermelha do
urucum dos espíritos
xapiri
”, criados juntos com as florestas e que são o seu
sopro vital. O desenho de
Omama a
não é um signo ou um
qualissigno
, nem
ícone nem símbolo, é uma imagem-fenômeno-coisa, um espírito virtual, que faz
sua aparição na realidade a partir de um experimento xamânico, na acepção
artística e científica do termo: ao fazer o sol, “teve de apagá-lo e refazê-lo, pois
estava escaldante. O que ele criou depois é muito menos quente” (Albert &
Kopenawa, 2023, p.29).
Omama a
deixa interditos e códigos de ética relacionais para os seres da
terra-floresta, com fins de manutenção do “valor de fertilidade” e o sopro longo
de vida o dos humanos é curto que “vem do fundo do chão da floresta, dali
onde mora o seu frescor. Ele também vive em suas águas.” Contudo, não como
um criador onipotente e severo, que a produção fundadora da terra-floresta
nasce de questões práticas cotidianas: para “matar a sede de seu filho que não
parava de chorar”, “fez brotarem os rios transpassando a terra de sua roça com
uma vara de metal”, tendo em vista que no “primeiro tempo, havia água no
mundo embaixo da terra” (Albert& Kopenawa, 2023, p.30). Essa
imaginação
pragmática
dos gestos de
Omama a
, essa habilidade inventiva de resolver
problemas imediatos, ocorre, por vezes, de modo trapalhão, bufo, nada heroico,
como na seguinte passagem em que podemos notar reverberações míticas do
herói cultural
trickster
Pemon
Makunaima
(Sá, 2012):
[...]
Omama a
deixou-se iludir pelos alertas de seu filho, que confundiu o
canto sonoro de um pássaro minúsculo, o cantador-da-guiana
(
Hypocnemis cantator
), com a ameaça de um terrível ser maléfico que
fora se gabar de esfolar os humanos, o dono do algodão,
Xinarumari a
.
_______________________________
cosmopolíticos diversos.
18 “O ‘xamã’ humano, assim, não é um tipo sacerdotal uma espécie ou função -, mas alguém mais
semelhante ao filósofo socrático uma capacidade ou funcionamento. Pois se, como sustentava Sócrates,
todo indivíduo capaz de raciocínio é filósofo, amigo potencial do conceito, então todo indivíduo capaz de
sonhar é xamã, ‘amigo da imagem.’” (Castro, 2006, p.322).
Poética pajé
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17
Aterrorizado, nosso demiurgo trapalhão fugiu o quanto antes em direção
ao levante, mais além da terra dos forasteiros-inimigos, abandonando à
própria sorte criação e criaturas. Afinal, num derradeiro esforço para
dissimular seus rastros e proteger sua fuga, plantou atrás de si, aqui e
ali, grandes folhas de palmeira que se transformaram em outras tantas
montanhas espalhadas pela floresta (Kopenawa e Albert, 2023, p.40).
Aparecida Vilaça sublinha que “a humanidade não se restringe àqueles que
vemos como humanos, mas inclui outros seres, em alguns casos também
vegetais”, e que esse pensamento-ação tem origem na mitologia, asseverando
que, no passado, humanos e animais viviam juntos sob a mesma forma humana.
O presente instaurou a separação física dos corpos, com pele, mas não a
subjetiva, dos espíritos-princípios vitais, sem pele, que se manteve e é vista-
vivida sistematicamente pelos xamãs, não “pelas pessoas comuns”.
Diferentemente dos Yanomami, em que “a separação dá-se pela interferência de
um demiurgo”, entre os Wari’, “esse tempo presente inicia-se com a posse do
fogo, roubado da avó-onça.” A presentidade dos mitos transpassa a vida
cotidiana dos povos indígenas, não é uma lembrança, o passado se expande,
pois se encontra, reciclado e renovado, na “esfera do presente, que vez por outra
se manifesta. Assim, a humanidade dos animais permanece parte constitutiva do
mundo” (Vilaça, 2020, p.28).
Vilaça, sob essa perspectiva, enfatiza que os indígenas, informados por seus
xamãs, sabem “que os animais vivem em casas com suas famílias, fazem
bebidas fermentadas, festas e comunicam-se pelo mesmo idioma que eles.
Entretanto, têm outros hábitos e, especialmente, outra visão”, desdobrando, com
isso, noções do
perspectivismo ameríndio
, concebido por Eduardo Viveiros de
Castro e Tânia Stolze Lima, destacando o exemplo de que a onça, a partir de seu
ponto de vista, bebe o sangue das presas e o degusta como a uma saborosa
cerveja:
Não se trata, portanto, de visões diferentes, culturalmente
determinadas, sobre uma mesma matéria, como em nosso relativismo
cultural, mas de matérias diferentes (cerveja, sangue) submetidas à
mesma prática cultural: nesse caso, beber cerveja como um ato social,
humano. Uma mesma cultura casas, famílias, festas, bebidas e
diferentes ‘naturezas’ fundamentam uma concepção de mundo, ou
ontologia, tipicamente ameríndia, que ficou conhecida como
‘perspectivismo’ (Vilaça, 2020, p.29).
Poética pajé
André Gardel
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18
Aparecida destaca, ainda, que a relação caçador-presa animal entre os
indígenas é “um assunto muito delicado.” São relações sociais que “envolvem
regras morais e negociações”, que se forem “desrespeitadas as boas maneiras”, o
caçador e membros de sua família podem sofrem retaliações como o envio de
doenças pelos espíritos dos animais. Somente os xamãs podem evitar que
morram desses males e terminem por viver “para sempre entre os animais,
como um parente deles.” Pois os pajés são “uma espécie de doente crônico,
parcialmente curado”, o vivo-morto a que nos referimos anteriormente, cujo
duplo “vive em meio aos animais ou outros espíritos, convivendo intimamente
com eles.” (Vilaça, 2020, p.29).
Márcia Kambeba, a partir de palestra ouvida de um pajé Suruí Paiter, cita as
palavras dele, nos informando sobre os processos de formação do xamã,
indicando que na “preparação, o aspirante morre no mundo físico e vai para o
mundo dos espíritos começar o seu aprendizado”, e que “não é fácil ser pajé: é
um risco para a pessoa voltar ou não. E ser pajé vai além dessa dimensão.” A
escritora, poeta, compositora, fotógrafa e ativista do povo Omágua/ Kambeba do
Alto Solimões, nos traz a questão de gênero, indicando que sua mãe-avó
Assunta, mesmo não se autodenominando
majé
palavra feminina pouco usada
para pajé, pois “na maioria das sociedades indígenas brasileiras, essa é uma
função exercida por homens, em poucos casos ela fica a cargo das mulheres”
(Kambeba, 2020, p.76) –, atuava com práticas e sabedoria dos xamãs,
dominando habilidades de pajé. Ainda que filtradas por elementos cristãos, forte
fonte colonizadora da grande maioria das comunidades indígenas e quilombolas,
à exceção dos povos isolados, praticava o “onirismo especulativo”19 - “minha
mãe-avó me dizia que rezava e as informações lhe vinham em sonhos” - e a
aliança como saber das plantas “foi por ela que conheci o rapé dos rituais de
cura”. Assunta, assim, com suas atitudes silenciosamente xamânicas, “ajudou
muito as pessoas nas questões espirituais, na saúde e na educação” (Kambeba,
19O antropólogo e filósofo Eduardo Viveiros de Castro, em seu prefácio ao livro
A queda do céu
, nos auxilia
na compreensão da noção engastada na expressão onírico-especulativo:
A queda do céu
é uma sessão
xamânica, um tratado (no duplo sentido) político e um compêndio de filosofia yanomami, a qual como
talvez se possa dizer de toda filosofia amazônica é essencialmente um onirismo especulativo, em que a
imagem tem toda a força do conceito, e em que a experiência ativamente ‘extrospectiva da viagem
alucinatória ultracorpórea ocupa o lugar da introspecção ascética e meditabunda” (Castro, 2015b, p. 39-
40).
Poética pajé
André Gardel
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-24, jul. 2024
19
2020, p.76).
Atos performágicos
As ações
performágicas
geradas pelo xamã transversal - a partir de uma
filosofia prática que é um sistema de comunicação e “mediação” (Sztutman,
2005, p. 182), nascido de um
onirismo especulativo
- se dão em dois planos de
experiência interconectados social e politicamente: o visível e o invisível. No
plano invisível de experiência, as vivências vão variar de acordo com as alianças
ou conflitos estabelecidos com os seres virtuais imanentes que se relacionam
com o xamã como inimigos, afins, parentes - e, claro, também, com as regiões
que o pajé adentrar no passado absoluto. Poderá voar pelos céus, nadar em
águas profundas, andar por zonas etéreas, atravessar espirais aéreas, portais,
territórios subterrâneos. Precisará atuar num contexto em que as relações e
intercâmbios são a própria produção de presença mutante das formas-fluxos
em interação, se movimentará num ambiente que se expande no espaço-tempo
sem início ou fim.
No que tange ao plano de experiência visível, comunitário, de agenciamento
de captura do novo externo que, incorporado, desloca o interno do
socius
,
mediante políticas cósmicas e de redes intertribais de relações, as ações
performágicas ocorrem por meios expressivos diversos. Podem se dar de modo
simultâneo ao experimento invisível, como, por exemplo, os cantos-danças
responsoriais Marubo, em fila indiana zigue-zagueante comandada pelo pajé no
terreiro, enquanto o gênero formular
saiti20
é concebido e executado; ou, então,
por intermédio de ventriloquismos performados a partir da imagem
antromorfizada do maracá, conforme os rituais Tupinambás antigos; ou, ainda,
por meio de cantos-dançados, realizados no instante mesmo em que são
ensinados pelos espíritos-auxiliares ao duplo do xamã no plano de experiência
onírico.
Há, por outro lado, a perspectiva de que o
medicine man
pajé exerça um
20 “Os
saiti
são espécies de cantos-série nos quais a formação do mundo e de seus elementos se descortina
na imaginação da audiência (e dos leitores) por intermédio da voz dos cantadores (e de seu tradutor).
(Cesarino, 2013a, p.51)
Poética pajé
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20
ritual de cura no qual toda a assembleia participe ativamente da viagem
extrospectiva xamânica, ajudando no tratamento de doenças ou no resgate de
almas sequestradas. Os pajés Araweté fazem cantos solo polienunciados,
polifônicos, acoplando as vozes dos mortos, dos deuses ancestrais e do próprio
pajé, sem subordinação frasal ou indicações de quem é quem na expressividade
das falas cantadas. Ocorrem, ainda, entre os Araweté, atitudes paródicas como a
recepção das mulheres aos cantos xamânicos noturnos, prescritivamente
masculinos, mudando as letras de temas sagrados, em ironias dirigidas às
performances excessivamente estilizadas dos pajés, ou reutilizando as melodias
para uso doméstico,
interessado
, com novas letras que abordem ações
cotidianas como plantar, pescar, cozinhar.
Viveiros noticia que canções tradicionais de guerra podem ser
descontextualizadas e reutilizadas nas mais surpreendentes situações
tribais. Como
berceuses
, por exemplo. Da mesma maneira, as canções
xamanísticas podem, depois da primeira emissão noturna pelo
peye
, se
converter em sucessos da aldeia, cantadas por qualquer um, nas mais
diversas condições. Mais que isso, prestam-se ‘a variações jocosas e
adaptações de circunstâncias’, especialmente entre mulheres e
crianças. A informação não é desprezível. Significa que as mulheres,
expulsas do circuito ‘oficial’ da criação, criam duplos crítico-
humorísticos dos textos canônicos (Risério, 1993, p.164).
As mulheres - excluídas da produção de cantares guerreiros de inimigos e
da música xamanística dos deuses -, numa reação ao machismo mítico originário
subjacente à cisão causada na comunidade devido a uma briga de casal
ancestral, duplificam, realizando paródias crítico-humorísticas no plano da
experiência da vigília, o canto-fala desses duplos espíritos invisíveis dos
ancestrais, dos xamãs, dos mortos. E ainda, por meio de mais cantos paralelos,
desconstroem também os cantares guerreiros de inimigo, introduzindo cantares
amigos de ninar.
Para finalizar, uma análise de
performagia
escritural, com ressonâncias
xamânicas, nas letras brasileiras contemporâneas. O livro de contos
Ficções
amazônicas
(Vilaça & Gaspar, 2022), escrito a quatro mãos (superposição de
pessoas, em um mesmo corpo-livro, própria dos pajés), que põe em prática o
livre trânsito entre sistemas produtivos mitopoéticos ocidentais e
extraocidentais, abrindo-se à interface literatura/ antropologia/ performance. No
Poética pajé
André Gardel
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21
conto
Dezembro
, em jogo intertextual com
Meu tio o Iauaretê
(Rosa, 2015), temos
o devir jaguar de um mateiro em duplicidade, sugerida pelo desdobrar dos
apelidos e Zeca, com o personagem principal: um jovem antropólogo carioca
longe de casa, a um passo da morte, em estado liminar. A narrativa, de um
realismo mítico, deixa em aberto uma possível relação predador/ presa entre os
dois, assim como a da vivência de uma viagem extracorpórea xamânica pelo
protagonista. Em
Cinco amigos e um funeral
, título paródia - em si uma figura de
duplicidade - de filmes do
mainstream
cinematográfico, amigos antigos, oriundo
do universo urbano classe média, se reúnem, a pedido de um deles, para
executar uma ação coletiva endocanibal. No âmbito de uma narrativa
polienunciada, plena de pontos-de-vista, justapondo alteridades como um xamã,
a ação é compreendida e executada em sua sacralidade quando um velho
pajé vem auxiliá-los no ato ritual. No conto
2#19
, escrito em acoplamento com
os espíritos-auxiliares literários Borges e Haruki Murakami, emerge, no quintal da
casa no Borel de um dos personagens, o “panteão infinito de divindades
menores”, “de cada uma das espécies vivas, antes que perdessem sua aparência
humana” (Coccia, 2023, p. 20-21), os seres-imagens virtuais da floresta evocados
pelos pajés. Os espíritos vieram em
performagia
21, saídos da boca de um
inhambu de estimação morto, para ajudar na missão política de abrir caminho
para a libertação da prisão do presidente Lula.
Nossa
Poética pajé
, animista-imanente, apenas esboçada aqui, quis trazer
um quadro epistemológico que não historiciza a natureza como, também,
identidade cultural às espécies que a compõem, enfatizando que as relações
com os princípios vitais não humanos podem ser, politicamente, tão mediadas
quanto as relações humanas. Visa, assim, colocar em interação com a civilização
ocidental, proposições estético-vivenciais de sabedorias e filosofias práticas
extraocidentais - duramente reprimidas ao longo de séculos de colonialismo,
vigente fortemente até os dias de hoje. Quer contribui para a reversão de
mentalidades excludentes, destruidoras da natureza e de tudo que não seja igual
ao próprio umbigo, por meio da afirmação e abertura para o entrelaçamento de
21 “Os pequenos se organizaram em uma roda com um deles no centro, que fumando um cigarro
minúsculo, puxava um coro; os outros respondiam cantando juntos e dançando em roda.” (Vilaça &
Gaspar, 2022, p.152)
Poética pajé
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22
expressividades e saberes outros advindos do imenso espectro da vida. O ponto
específico, do qual nossa
Poética pajé
parte, como vimos, é a complexa
concepção do plano invisível de experiência xamânico, material vivencial-
relacional em que nos baseamos para conceber noções operativas como
contaminação
,
acoplamento
,
performagias
,
tradução-transdução
,
polifagia
,
bricolagem, filosofia prática xamânica, duplicidade, copresença, mirações
,transcodificação intersemiótica -
que, no desenvolvimento de nosso trabalho,
possam propiciar atitudes crítico-criativas outras, em interação com um recorte
feito a partir de produções literária e cênico-performáticas modernas e
contemporâneas.
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Recebido em: 02/05/2024
Aprovado em: 16/05/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
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