Para uma teoria crítica do teatral: situando a cena expandida da teoria na contemporaneidade
Stephan Arnulf Baumgärtel Paulo Maciel
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-25, jul. 2024
um uso flexível da linguagem na criação de conceitos cuja função principal deixa
de ser a de cartografar uma prática artística fechada sobre si mesma, pois
assume como função dominante a de marcar no interior da prática teórica a
transição entre vida e arte, ou seja, des-limitar ambos em sua dimensão situada,
para organizar o campo das práticas artísticas a partir dessa função. Neste
sentido, Leda enfatiza que a teatralidade dessas práticas cênicas emerge
dos cruzamentos das diferentes culturas e sistemas simbólicos,
africanos, europeus, indígenas e, mais recentemente, orientais. Desses
processos de cruzamentos transnacionais, multiétnicos e
multilinguísticos, variadas formações vernaculares emergem, algumas
vestindo novas faces, outras mimetizando, com sutis diferenças, antigos
estilos (Martins, 2003, p. 69).
Nesse território expandido das trocas disseminadas pelo globo, a noção de
encruzilhada surge como um operador conceitual para a interpretação “do
trânsito sistêmico e epistêmico que emergem dos processos inter e
transculturais” (Martins, 2003, p. 69). As investigações de Leda das performances
rituais se baseiam num cruzamento teórico entre a semiótica, a teoria da
performance e o movimento de negritude, tendo em vista que, por meio dessa
combinação analítica, designou as características de sua poética e de sua teoria
da negrura enquanto instância performativa: 1) o contínuo exercício da memória
dialógica; 2) a utilização de estratégias que situam reflexivamente a dupla fala
como mecanismo estilístico, criativo, crítico e político; 3) a atualização de formas
de expressão rituais negras, religiosas e seculares, como intertextos constitutivos
do discurso teatral; 4) a reposição histórica da figuração do negro, deslocando-o
da posição de objeto para a de sujeito; 5) a construção de imagens que
desfiguram os emblemas da brancura, realçando os traços da diferença negra; 6)
a elaboração de uma linguagem cênico-dramática que atraia e estimule a plateia,
recuperando, para o teatro, sua concepção de evento comunitário (ver Martins,
1995). Neste sentido, a autora situa sua teoria da performance na encruzilhada
vivenciada pelos negros nas Américas deslocando-os, por sua vez, de sua
posição de objeto para a de sujeito criador e crítico, sobretudo ao atualizarem as
formas de expressão rituais negras como intertextos constitutivos do discurso
teatral, transformando-o em evento comunitário, ou seja, a emergência do