Teatro épico-dialético: uma poética de resistência e de igualdade de gênero?
Vanessa Biffon Lopes
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-17, jul. 2024
mensagens vindas do palco” (Diamond, 2011, p. 41).
Todavia, nos escritos de Brecht, é possível perceber que ele separa a(o)
mulher(homem) histórica das funções estéticas da(o) atriz(ator). A historicização
na teoria brechtiana não considera que o corpo gendrado da atriz, que representa
a personagem, também é historicizado e passível de distanciamento crítico por
parte das espectadoras. A atriz-sujeito não desaparece quando representa a
personagem ou quando representa a si própria como personagem-atriz, pois “cada
uma permanece processual, histórica e incompleta” (Diamond, 2011, p. 43). A(o)
espectadora(o) pode perceber essas três temporalidades em uma só personagem,
dado o estímulo que esse teatro possibilita, construído a partir de distanciamento
da cena.
Quero ser clara quanto a este ponto importante: o corpo, particularmente
o corpo feminino, por virtude de entrar no espaço do palco, entra na
representação – não está só ali, uma presença direta, ao vivo, mas antes
(1) um elemento significante numa ficção dramática; (2) parte de um
sistema de signos teatrais cuja gesticulação, voz e personificação são
referentes tanto para o ator como para o público; e (3) um signo num
sistema governado por um mecanismo particular, normalmente
pertencente a homens e por eles dirigido para o prazer de um público
cuja maioria de assalariados são homens. No entanto, com todas estas
classificações, a teoria brechtiana imagina uma polivalência para a
representação do corpo, pois o corpo da performer também é
historizado, impregnado com a sua própria história e com a da
personagem, e estas histórias perturbam as frágeis margens da imagem,
da representação (Diamond, 2011, p. 45).
Quais elementos pesam no processo de significação é o diferencial da teoria
géstica feminista
, em relação à prática teatral e teorização de Brecht em seu
tempo. O fato de o corpo, carregado de demarcadores de identidade, ser elemento
significante, essencial para o estabelecimento dos referentes entre espetáculo e
plateia, não vai contra os interesses de um teatro que discuta a luta de classes,
mas estabelece o debate sobre as hierarquias sociais em uma plataforma mais
complexa e compreensiva. Uma atriz negra, por exemplo, vive e representa
especificidades sociais (de acordo com cada contexto) que precisam ser
consideradas, para que não se reproduzam os mesmos papéis restritivos no palco,
ou para que haja distanciamento crítico, fortalecendo a atriz como sujeito-
histórico na e para além da ficção. Isso não significa limitar as possibilidades de
representação cênica, nem fazer um teatro voltado apenas para dramaturgias