Entre a música e a dança: Dalcroze e a Plasticidade Viva
José Rafael Madureira
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-25, set. 2024
A percepção autêntica do movimento, todavia, não é de ordem visual, mas
muscular; a sinfonia viva dos passos, atitudes e gestos encadeados, do mesmo
modo, não é construída e regulada pelos olhos, concebidos como um instrumento
de apreciação, mas pelo aparelho muscular como um todo, concebido como um
instrumento de criação. Sob a ação de sentimentos espontâneos e imperiosas
emoções, o corpo vibra, entra em movimento e depois se fixa em atitudes. As
atitudes são o resultado direto dos movimentos que a elas se entrepõem,
enquanto o movimento, para a arte coreográfica da atualidade, não passa de um
ponto de conexão entre duas atitudes distintas. Há, portanto, na arte coreográfica
como a compreendemos atualmente no contexto teatral, uma incoerência entre
a experiência visual e a experiência muscular.
Os dançarinos10 escolhem como modelo para as suas atitudes as obras-
primas da escultura e da pintura, inspirando-se em afrescos gregos, estátuas ou
pinturas, sem se dar conta de que essas mesmas obras foram produzidas a partir
de uma estilização especial, uma espécie de acordo estabelecido entre os
movimentos, uma série de eliminações e sacrifícios que possibilitou aos artistas
criadores, ao operarem sinteticamente, oferecer-nos uma ilusão de movimento.
No entanto, se é necessário que as artes plásticas – notadamente privadas da
colaboração do tempo – realizem uma síntese ao fixar uma atitude corporal, é
contrário à verdade e ao natural que o dançarino tome essa síntese como ponto
de partida de sua dança e que procure recriar a ilusão do movimento, justapondo
uma série de atitudes e ligando-as umas às outras através de gestos, em vez de
retornar à fonte da expressão plástica que é o movimento em si mesmo.
Os especialistas em artes plásticas, não resta dúvida, têm todo o direito de
se regozijar com a dança atual que, na magia das cores, nos impressionantes
contrastes de luz e com o concurso quase imaterial dos voos de tecidos pesados
ou leves, satisfazem as necessidades decorativas mais refinadas, oferecendo aos
olhos prazeres raros e pitorescos11. No entanto lhes pergunto: esses prazeres são
10 Em muitas de suas interpretações plásticas, a grande artista Isadora Duncan entregava instintivamente o
seu corpo ao movimento
contínuo
, e essas interpretações eram as mais vivazes e fascinantes (Nota original
do Autor).
11 Alusão às danças de Loïe Fuller (1862-1928), dançarina estadunidense celebrada como um dos grandes
ícones da Belle Époque e que marcou em caráter definitivo o
Art Nouveau
e a obra dos principais pintores,
escultores, fotógrafos e cineastas europeus do período (N. do T.).