Editorial: Justiça Epistêmica em Artes Cênicas
Dodi Tavares Borges Leal
Florianópolis, v.2, n.50, p.1-7, abr. 2024
Apesar de não haver a pretensão de dar conta de todos os temas possíveis
dentro de cada um destes eixos, e em sua relação, os textos que apresentamos
no dossiê provocam uma iniciativa fundamental e ainda muito escassa no campo
das Artes Cênicas que é a formulação dos pressupostos de justiça e dos percursos
de produção epistêmica.
As marcas coloniais que matriciaram a história da arte no Ocidente
determinaram, por exemplo, a égide de práticas e contextos institucionais de
injustiça epistêmica
nas Artes Cênicas. Neste sentido; perguntamos: com quais
bases e interlocuções poderíamos examinar e auferir a
confiança epistêmica
em
Artes Cênicas?
Muitas definições e concepções de conhecimento expressam algum tipo
de confiança epistêmica como uma condição para que o sujeito o
detenha, seja como parte de uma condição para crença ou como parte
de uma condição para justificação. Se quisermos nomear uma visão
epistemológica seminal a esse respeito, então certamente deve ser a
ideia de Descartes de que um estado de absoluta confiança na crença —
um estado de certeza — é requisito para o conhecimento, posto que a
suposição internalista cartesiana se fez sentir em tantas concepções de
conhecimento posteriormente. O significado para a presente discussão é
que, em qualquer concepção de conhecimento que inclua confiança, as
implicações para alguém que se depara com a injustiça testemunhal
persistente são sombrias: a pessoa não está apenas sujeita ao insulto
epistêmico intrínseco, que é a principal injustiça, mas, onde essa
debilitação intelectual persistente faz com que ela perca a confiança em
suas crenças e/ou sua justificação para tal, ela literalmente
perde
conhecimento.
Talvez alguma parcela de conhecimento que a pessoa
detenha seja apagada em uma onda de subconfiança. Ou talvez ela sofra
uma erosão prolongada da confiança epistêmica, de modo que esteja
permanentemente em desvantagem, repetidamente deixando de obter
itens de conhecimento que, de outro modo, teria sido capaz de conseguir
(Fricker, 2023, p.76).
Diante de configurações em que a perda de conhecimento se associa ao
rebaixamento estético, político e cognitivo de comunidades epistêmicas não-
hegemônicas, os estudos de Justiça Epistêmica em Artes Cênicas contribuem,
além de outras coisas, para a redução da insegurança do saber e da desconfiança
acadêmica na área. Temos que, com desdobramentos a partir deste dossiê, se
possa seguir em novas pesquisas que visem consolidar o interesse no exame
prático-teórico do Direito em Artes Cênicas tendo em vista as dinâmicas e fricções