Da antiteatralidade à cena contemporânea: visões do outro na teatralidade
Bruno Piva
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-17, jul. 2024
estaria ele mesmo realizando o que tanto temia do espectador no interior do
teatro, o da participação na constituição da obra e, mais ainda, de um teatro
naturalista/realista pautado na divisão palco/espectador? De todo modo, com seu
posicionamento preconceituoso contra o teatro e tudo o que ele representa,
equiparando-se ao daqueles apontados por Barish e comedidamente por
Puchner11, podemos deixá-lo acreditar que se trata de um grande antiliteralista,
vítima de sua própria armadilha ao associar sua
objetualidade/literalidade
à
teatralidade, pois acabou por corroborar e antecipar o que viria alimentar o teatral
tanto no surgimento da
performance art
como no teatro pós-dramático, como
partilha Óscar Cornago (2008, p.25):
Em alguns casos, como nos anos 1960 e 1970, esses agrupamentos
davam aos integrantes uma identidade política. A desintegração dos
discursos sociais afetou também o teatro, e as identidades coletivas
abriram espaço para os criadores em primeira pessoa. Como reação à
dissolução dos tecidos sociais, o ator, procurando uma nova dimensão
social, é impelido a mostrar-se com nome e sobrenome, a expressar-se
em primeira pessoa, tentando reconstruir uma possibilidade do social, ou
seja, do político, com base no pessoal, no próprio corpo.
Assim, é condição do artista/ator, a de tender a não representar nem se
figurar a um outro
ele
, mas a se apresentar, se inscrever em e escrever tessituras
com seu corpo-mente como potência sensível, em processo de resgate da
interioridade e memória pessoais (que se exteriorizam e também são coletivas),
deslocando-se do
outro,
ele,
para o
outro de si mesmo
, diminuindo os limites entre
o real e o fictício. A condição do espectador, nesse período, a de participante
individualizado, independente do robusto espírito de coletividade formado contra
as ditaduras governamentais formadas na época.
Nessa direção, e a título de exemplo, Kantor e Grotowski são dois diretores
diferentes em suas semelhanças socioculturais que dão significativas pistas sobre
esse
outro
distinto que surge na teatralidade. Embora a ideia prematura de que
11 Puchner (2002) faz uma abordagem diferente à de Barish (1981). Ele tenta demonstrar que, embora haja uma
crítica precipitada sobre a teatralidade no fim do século XIX, a partir de Wagner, e início do século XX, essa
função estaria presente em ambas as esferas teatrais e antiteatrais. A antiteatralidade defendida pelos
modernistas não estaria negando o teatro, mas rediscutindo a sua funcionalidade, assim como a vanguarda
teatral, mas por caminhos distintos: enquanto os vanguardistas seguiam pelas reformulações da
teatralidade, os modernistas optavam pela sua negação, confluindo no objetivo de transformar o teatro. Tal
reflexão conduz à genealogia teatral que, em conjunto com os aspectos sócio-histórico-culturais,
constituem-se como ferramenta fundamental para discutir o valor do teatro e da teatralidade.