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Perspectivas para uma pedagogia vocal:
possibilidades para uma voz desejante
Valéria Cristina Machado Rocha
Para citar este artigo:
ROCHA, Valéria Cristina Machado.
Perspectivas para
uma pedagogia vocal: possibilidades para uma voz
desejante.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 52, set. 2024.
DOI: 10.5965/1414573103522024e0203
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Perspectivas para uma pedagogia vocal: possibilidades para uma voz desejante
Valéria Cristina Machado Rocha
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-16, set. 2024
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Perspectivas para uma pedagogia vocal1: possibilidades para uma voz desejante2
Valéria Cristina Machado Rocha3
Resumo
Este artigo apresenta a "Pedagogia para a Voz Desejante", uma abordagem vocal oriunda
de pesquisa de doutorado realizada na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A
abordagem potencializa a individualidade dos praticantes a partir do despertar do corpo
consciente. Dividida entre corpo físico e extracorpóreo, visa ampliar a consciência
corporal, promovendo uma experiência pessoal e autoral. Ao entrelaçar essas esferas,
busca-se compreender e apreender o corpo individualmente. Os pilares da pedagogia
visualização temática, sensibilização corpóreo-vocal e voz-dança organizam essa
prática.
Palavras-chave
: Voz. Pedagogia vocal. Práticas teatrais.
Perspectives for a vocal pedagogy: possibilities for a desiring voice
Abstract
This article presents the "Pedagogy for the Desiring Voice," a vocal approach stemming
from doctoral research conducted at the Federal University of Bahia (UFBA). The practice
enhances the individualities of practitioners by awakening the conscious body. Divided
between the physical and extracorporeal realms, it aims to expand bodily awareness,
fostering a personal and authorial experience. By intertwining these spheres, the goal is
to understand and grasp the body individually. The pillars of the pedagogy thematic
visualization, corporeal-vocal sensitization, and voice-dance organize the practice.
Keywords: Voice. Vocal pedagogy. Theatrical practices.
Perspectivas para una pedagogía vocal: posibilidades para una voz deseante
Resumen
Este artículo presenta la "Pedagogía para la Voz Deseante", un enfoque vocal surgido de
una investigación doctoral realizada en la Universidad Federal de Bahía (UFBA). La
práctica potencia las individualidades de los practicantes a partir del despertar del
cuerpo consciente. Dividida entre cuerpo físico y extracorpóreo, busca ampliar la
conciencia corporal, promoviendo una experiencia personal y autoral. Al entrelazar estas
esferas, se busca comprender y aprehender el cuerpo individualmente. Los pilares de la
pedagogía visualización temática, sensibilización corpóreo-vocal y voz-danza
organizan la práctica.
Palabras clave:
Voz. Pedagogía vocal. Prácticas teatrales.
1 Revisão ortográfica e gramatical realizada por Natália Leite Lopes. Pós-graduação em Revisão de Textos pelo
Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Bacharelado em Interpretação Teatral pela Faculdade de Artes
Dulcina de Moraes (FADM).
2 Este artigo resulta em 75% de minha tese de doutoramento denominada: A voz desejante: trilhas e pistas
para uma pedagogia da voz. Defendida no Programa de pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), sob orientação de Meran Vargens, em 2023.
3 Doutorado em Artes Cênicas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado em Práticas e poéticas
Vocais pela Universidade Federal de Uberlândia(UFU). Especialização em Educação Física Escolar (
Faculdade Alvorada Brasília- DF). Bacharel em Artes Cênicas (Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Brasília-
DF), Licenciatura em Artes Visuais (Claretiano. Brasília-DF). Professora na Faculdade de Artes Dulcina de
Moraes nas áreas de artes visuais, Performance, Artes da cena, e voz. valeria.rocha24@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/6212668271380518 https://orcid.org/0000-0001-5808-8023
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Apresento neste artigo os princípios da "Pedagogia para a Voz Desejante", uma
abordagem vocal oriunda de minha pesquisa de doutorado. O objetivo é
desenvolver uma prática que considere as individualidades dos atuantes4 a partir
do despertar do corpo consciente. Dividido entre o corpo físico e o extracorpóreo,
esse despertar abrange desde a compreensão das estruturas anatômicas até a
exploração das sensações. A pedagogia busca, nesse sentido, ampliar a
consciência corporal, reconhecendo que cada indivíduo tem uma maneira peculiar
de perceber e organizar seu corpo. Ao entrelaçar as esferas física e extracorpórea,
essa abordagem visa proporcionar uma experiência pessoal e autoral, promovendo
a autonomia e a imersão do praticante em seu próprio desenvolvimento, sendo:
O corpo físico abrange a materialidade, e a organização mecânica do
corpo envolve as estruturas anatômicas e fisiológicas, o equilíbrio entre
músculos e ossos, assim como sua capacidade de resposta entre as
habilidades motoras e a coordenação de movimentos. O extracorpóreo,
por sua vez, compreende o campo das sensações, é a porosidade entre
sentir e receber estímulos e reagir criativamente a eles. A perspectiva
extracorpórea adentra o campo psicológico e imagético, possibilitando a
autoestimulação e a energização do corpo, ampliando a capacidade de
imaginação e a visualização tanto de órgãos quanto de cadeias
musculares. Essa perspectiva almeja ampliar a consciência corporal do
indivíduo (Rocha, 2023, p. 122).
A compreensão sobre o corpo consciente nas esferas física e extracorpórea
faz-se necessária na medida em que alguns indivíduos não conseguem conectar-
se com a fisicalidade do corpo pelo viés muscular ou articular, não conexão
com o próprio corpo, enquanto em outros casos, a coordenação motora é bem
construída, mas não é utilizada. “O desejo de movimento não encontra, assim,
nenhum meio de expressão” (Béziers, 1992, p. 12). Isso demonstra como cada um
possui uma maneira peculiar de organização e percepção sobre o próprio corpo.
Esses aspectos revelam como em alguns casos não são atributos físicos que estão
em desequilíbrio, mas a capacidade de sentir e perceber os elementos do corpo.
Tendo isso em vista, a perspectiva extracorpórea permite compreender e
apreender o corpo individualmente por meio de observações sutis e sensoriais,
4 A palavra " atuante" é adotada nesta pesquisa como substituição abrangente para as convencionais
designações de "intérprete", "atriz" ou "ator". Essa escolha se justifica pelo potencial de englobar as variadas
possibilidades artísticas visadas pela cena contemporânea.
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ampliando e ressignificando o entendimento desse corpo como um todo.
O entrelaçamento entre as esferas física e extracorpórea possibilita ao
atuante viver um processo pessoal, autoral, iniciado pelo mapeamento físico e
sensorial. Ele passa a conhecer a mecânica de seu corpo assim como o
funcionamento e o acionamento das cadeias musculares, ampliando sua
capacidade psicomotora. Essa imersão promove sua consciência corporal,
ampliando sobremaneira o seu repertório de movimentos. A compreensão da
esfera extracorpórea, por sua vez, o possibilita relacionar-se com o corpo
imagética e ludicamente, desfrutando de sensações e emoções. A união das
esferas física e extracorpórea propicia a autonomia e a imersão em si, revelando
maior compreensão dos processos de criação. Nesse sentido, de se estabelecer
conexões entre o atuante e sua sensibilidade, para que ele mapeie o surgimento
de tensões físicas e psicológicas a fim de que elas possam ser diluídas, permitindo
que as transformações conquistadas durante a prática sejam incorporadas à sua
memória corporal.
Diante desse panorama, este artigo analisará duas perspectivas
fundamentais: os pilares e os aspectos de uma pedagogia vocal voltada para a
liberdade criativa individual dos atuantes. Os pilares, metaforicamente entendidos
como colunas que sustentam uma construção, representam a base essencial
dessa pedagogia, formando a fundação que suporta e guia todo o seu
desenvolvimento. Os três pilares denominados respectivamente
visualização
temática
,
sensibilização corpóreo-vocal
e
voz-dança
são a chave mestra,
organizando e revelando como a prática se estrutura e se desdobra.
Paralelamente, os aspectos da Pedagogia para a Voz Desejante
compreendem três aspectos cruciais:
comunicação, relação da aprendizagem com
a vida e reflexão crítica
. A comunicação, destacada como fundamental em
ambientes de aprendizagem colaborativos, desenvolve-se de maneira
horizontalizada, promovendo o compartilhamento de experiências e o diálogo
constante. A relação da aprendizagem com a vida transcende as fronteiras da sala
de aula, reconhecendo a
expertise
e a sabedoria próprias do atuante. A reflexão
crítica, por sua vez, surge como a ferramenta que o permite analisar e
compreender seu processo de aprendizagem, estimulando questionamentos e a
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curiosidade.
Recorrendo à visualização temática, busca-se adentrar o imaginário e a
sensibilidade dos atuantes, estabelecendo uma conexão profunda deles com o
próprio corpo. A sensibilização corpóreo-vocal destaca o toque como protagonista,
despertando o corpo e fortalecendo a capacidade de sentir e reagir aos estímulos.
O pilar da voz-dança, por sua vez, propõe uma integração entre dança/movimento
e som, desenvolvendo a criatividade e a autonomia dos atuantes.
A Pedagogia para a Voz Desejante: principais aspectos e os três pilares
fundamentais
Figura 1 e 2 - Atuantes da Universidade Livre realizando improviso vocal. Imagens
elaboradas pela autora. (Teatro Vila Velha, Salvador, outubro de 2019)
Os três aspectos abordados neste trabalho são responsáveis pela formulação
inicial e pela orientação de como a prática é desenvolvida, enfatizando critérios
para seu desdobramento. A prática é realizada de modo horizontal, pois ambas
perspectivas, da condução e dos atuantes, compartilham as experiências
adquiridas por meio do diálogo, o qual implica os atos de ouvir e de falar.
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O primeiro aspecto dessa pedagogia é a
comunicação
, que também pode ser
feita por meio de desenhos, pinturas ou colagens realizadas ao final do trabalho.
É compartilhando as diferenças do que é testemunhado que se amplia a
consciência do olhar/escutar. Desenvolvem-se
feedbacks
construtivos de
ambos os lados, fortalecendo e encorajando o crescimento contínuo
tanto de quem ensina quanto de quem aprende. A comunicação como
via de mão dupla desenvolve a escuta, promovendo o respeito acerca das
diferenças e contribuindo para a criação de um espaço de aprendizagem
colaborativo e inclusivo. Além disso, uma comunicação horizontalizada
aprofunda discussões desenvolvidas pelo coletivo, ampliando o senso
crítico. Ademais, a comunicação consolida laços afetivos entre condução
e atuante, o que fortalece a confiança e a motivação para ambas as
partes (Rocha, 2023, p. 129).
A
relação da aprendizagem
com a vida reconhece que a prática não é
hierarquicamente estabelecida: quem aprende possui expertise e sabedoria
próprias. Como Paulo Freire (1996) afirma, ensinar não é transferir conhecimento;
pelo contrário, ensinar exige, segundo ele, respeito aos educandos. Nesse sentido,
a prática pode ultrapassar as paredes da sala de ensaio ao incluir experiências
pessoais e contexto social, valorizando a expertise do atuante, reforçando nele a
sensação de pertencimento e de autonomia.
a
reflexão crítica
revela como a prática é recebida e realizada pelo atuante,
tornando-o consciente de seu processo de aprendizagem. Ela estimula o
questionamento e a curiosidade e consequentemente amplia a capacidade do
atuante de analisar o que foi experimentado, de modo a fazê-lo compreender o
que acontece em seu corpo em cada etapa do processo, afastando-se por fim da
passividade na aprendizagem. Por meio da reflexão crítica, o atuante reconhece
suas habilidades e potencialidades.
Definidos esses principais aspectos, julgo indispensável delinear os três
pilares para a Pedagogia para a Voz Desejante:
visualização temática, sensibilização
corpóreo vocal e voz-dança
. É a partir dessas três bases que o trabalho se organiza
e se estrutura; elas são os eixos organizacionais nos quais são estabelecidas as
estratégias e os planos de ação para a abordagem. Também são os eixos
operacionais nos quais são estabelecidos os princípios para a realização da prática.
Os pilares promovem a sustentação que possibilita à prática ser desenvolvida.
Cabe destacar que esses três eixos são caminhos, apontam para trajetórias
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criativas para que a prática se instaure, mas podem ser alterados, não havendo
hierarquização ou sistematização a ser seguida. A escolha e a organização, assim
como o encadeamento dos três pilares, dependem das necessidades do atuante
ou do grupo, de modo a abarcar/acolher suas especificidades. Para isso, o olhar
atento de quem conduz a prática é fundamental, pois é por meio de uma
condução generosa e flexível que o trabalho acontece.
É interessante destacar que tal pedagogia anseia pela troca e pela
participação do atuante, ou seja, necessita entrosamento e confiança mútua entre
as partes, possibilitando que a cada etapa da prática ela se transforme e se amplie.
Diante disso, acredito que a atividade deva se iniciar a partir da estruturação
de um espaço favorável, livre para a experimentação do atuante sobre seu corpo.
Sendo essa uma prática que envolve a sensibilidade do atuante, cabe perguntar:
como o sensível atravessa a voz e se transforma em criação, em ação, em
movimento? Como promover a autonomia do atuante? Observo que, para
transformar a sensibilidade em criação, o indivíduo precisa
reconhecer
aquilo que
sente e ser capaz de direcionar a sensibilidade para a ação. Dessa forma, ele passa
a equilibrar suas emoções, ganhando consciência e afirmando sua autonomia. A
partir da reflexão decorrente dessas perguntas, iniciei a investigação sobre a
percepção e a sensibilidade, afirmando a personalidade e a identidade5 de cada
indivíduo, pois acredito que é pelo mergulho em si que a voz se expande e ocupa
o espaço. Os três pilares foram desenvolvidos de modo a contribuir para a
expansão da percepção. Acredito que não basta proporcionar uma pedagogia na
qual o atuante
sinta
, é preciso que ele saiba o que
fazer
com o que sente.
Cabe à condução da prática vocal uma refinada leitura sobre o corpo dos
atuantes, a fim de adaptar exercícios quando necessário. Com cada grupo,
mudam-se as formas e/ou estratégias de aplicação para a prática. Uma vez que
não existe uma fórmula fixa, “a ideia é que se o sujeito for ‘fisgado’ pela indicação
ou abertura de um caminho, ou atalho, seguirá seu próprio risco e impulso”
(Rangel, 2019,