O colapso das representações: enfrentamentos teóricos e práticos emergentes
Edélcio Mostaço
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-23, jul. 2024
Teoria e prática
O que é uma teoria e o que é uma prática? − sabe-se que são atravessadas
pela estética, embora não do mesmo modo nem almejando as mesmas funções.
Sendo o teatro uma arte complexa, híbrida e passível de ser abordada a partir de
seus vários elementos constitutivos, como diferençar de modo pleno o que há ali
de teórico e de prático? Fenômeno europeu de nascença, o teatro foi exportado
para os impérios coloniais após as grandes navegações marítimas, fomentando, a
partir de então, formatos e soluções regionais e nacionais que sugerem investigar
se suas criações mais recentes podem ainda ser tomadas como símiles de uma
mesma matriz mimética e de representação.4
Observando-se o seu transcurso histórico, é possível dizer que o Ocidente
não articulou nenhuma teoria teatral até o século 15, momento em que, com a
redescoberta de Aristóteles, inicia-se um longo assentamento de postulados que,
entrecruzados, remanejados e colocados em sincronia, tudo arrastaram para seu
epicentro – inclusive e principalmente o que veio antes deles. Essa força foi, pouco
a pouco, expandindo sua abrangência e aprofundando suas implicações, até
adquirir a face de uma teorização única para as artes – para toda arte –
estruturada em bases filosóficas.5
4 Reflexões articuladas a partir de afirmações um tanto quanto díspares efetivadas entre Mark Fortier, em seu
livro
Theory/Theatre
(2002)
,
e Catherine Naugrette, na obra
L’Esthétique théâtrale
. Segundo a autora
francesa, “no sentido estrito do termo, a estética teatral é essa disciplina de origem filosófica no interior da
qual são forjadas as ferramentas conceituais que permitem pensar o teatro. De um lado, ela se apoia sobre
as diferentes teorias do teatro elaboradas depois da Antiguidade grega por filósofos e escritores, os estetas
e os artistas. De outro, ela lhe permite se construir. [...] Assim, as problemáticas que ela forja, em um
incessante vai e vem entre teoria e prática, atravessam os sistemas e a cronologia do teatro, estendendo-
se do texto à encenação” (2010, p. 5, tradução nossa). “Au sens strict du terme, l’esthétique théâtrale est
cette discipline d’origine philosophique à l’interior de laquelle vont être forgés les outils conceptuels
permettant de penser le théâtre. D’une part, elle prend appui sur des différentes théories du théâtre
élaborées depuis l’Antiquité grecque par les philosophes et les écrivains, les esthéticiens e les artistes. De
l’autre, elle leur permet de se construire. [...] Les problématiques qu’elle forge ainsi, dans un va-et-vient
incessant entre théorie et pratique, traversent les systèmes et la cronologie du théâtre, s’etendent du texte
à la mise en scène”.
Três aspectos me chamaram a atenção nessas afirmações: a) a não distinção (ou a equiparação) entre teoria
e prática, como se entre ambas não se alojassem marcadas diferenças epistemológicas; b) a concepção
idealista de que o fenômeno teatral é construído a partir de uma disciplina; c) a noção de desenvolvimento
contínuo da arte teatral no tempo e no espaço, estabelecendo uma história e uma pedagogia próprias,
distantes e/ou além das sociedades nas quais as artes da cena se manifestam. O artigo pretende debater,
no curto espaço de que dispõe, essas afirmações.
5 Sobre tais implicações, cf. Dupont (2017), autora que classifica Aristóteles como um “vampiro do teatro