O Vídeo em Cena
Josette Féral e Julie-Michèle Morin | Tradução de Edélcio Mostaço e Silvia Fernandes
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-15, jul. 2024
uma fragmentação do tempo. Ao permitir combinar tempo diferido e tempo
imediato, as tecnologias causam uma ruptura no
continuum
espaço-temporal e
produzem diferentes regimes de temporalidade. Graças à velocidade que impõem,
à instantaneidade do momento ou ao imediatismo do acontecimento, criam uma
fragmentação do campo de percepção. Assim, somos constantemente projetados
“no futuro imediato, tornando instantaneamente obsoleto aquilo que vem antes”
(Gautrand 2002, p. 111). De fato, as tecnologias agem, prioritariamente, sobre a
imagem do corpo e sua recepção. Com a crise do espaço provocada pelas
tecnologias, cria-se, em paralelo, uma crise do corpo, pois o espaço digital, ao
desvincular o corpo do lugar onde está, tende a fazê-lo desaparecer. Tende a
apagá-lo. Mas o corpo resiste. Cria-se, então, um entrelaçamento entre o corpo do
performer e o do outro, o que paradoxalmente reforça a imagem do corpo, ao
mesmo tempo que questiona a percepção que temos dele. Esta perturbação dos
sentidos molda a experiência do espectador de forma diferente. Seu olhar é
atomizado pela difração do espaço visual e pela multiplicação dos lugares de ação,
aprisionando-o entre uma simulação de teatro e a impressão de estar o mais
próximo possível dos acontecimentos e das coisas, capturado pelas imagens ao
vivo que o mergulham no núcleo da ação. O vídeo faz o espetáculo, performa o
real. Cria uma desorganização no espaço e suspende o tempo. Se as tecnologias
estão naturalizadas na cena, testemunham o modo como as práticas numéricas
estão normalizadas, mas sobretudo a forma como nossa percepção do real e
nossas modalidades de atenção foram radicalmente transformadas nas últimas
décadas. Todas essas modificações prolongam a escritura do espetáculo, impõem
uma nova abordagem da narração e atingem a própria construção dramatúrgica
dos espetáculos, contribuindo para a explosão da forma tradicional do teatro. Ao
fazer isso, constroem uma “nova matriz perceptiva da arte” que, segundo Edmond
Couchot, convida a um pensamento transversal [...].
No entanto, é possível distinguir características próprias ao vídeo que
motivam sua utilização no teatro: a natureza documental do vídeo (arquivos,
entrevistas, excertos de programas de televisão etc.) e seu poder de autenticação
da experiência teatral, a sensação de ubiquidade provocada pela inserção de
conteúdo videográfico em cena, a materialidade dos dispositivos tecnológicos e