Erosões no rosto da linguagem
Manoel Moacir Rocha Farias Junior
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-8 abr. 20224
deve funcionar segundo regras e funções) e o corpo sem órgãos (imagem que
aparece no texto
Para dar fim ao juízo de Deus
e que foi desdobrada e elaborada
como conceito na obra de Deleuze e Guattari).
Em 1936, Artaud viaja ao México e entraria em contato com o ritual do peiote
do povo indígena Tarahumaras, com o qual tanto se encantou como entreviu ali
uma perda de tradições e uma ocidentalização. Seu ritos, ainda assim, “consistem
em encontrar e realizar este outro corpo que não é mais uma montagem de
órgãos” (Uno, 2022, p. 192). Com o passar dos anos, Artaud sente cada vez mais o
peso do seu corpo biológico, com suas dores e doenças, ao qual ele considera
envenenado ou enfeitiçado, como se vê na sua produção enquanto esteve
internado em Rodez.
Sua busca por um novo corpo, leva-o a um retorno ao cristianismo primitivo,
o qual ele abandonará mais tarde. Essa etapa de seu pensamento, nomeada por
Uno como
gnóstica
, curiosamente o faz seguir para a gênese de uma outra noção
de corpo, mais próxima do corpo sem órgãos, acima aludido.
Em seus desenhos, o corpo é fragmentado, começando por autorretratos,
nos quais descobre figurações do rosto humano, que é tratado como um enigma.
Esse rosto “ainda não encontrou a sua face e cabe à pintura lhe conferir uma”
(Uno, 2022, p. 214). Tratado como alegoria de uma vida por vir, na continuação de
suas pesquisas sobre novas formas de (se) representar, ele está numa reinvenção
anatômica que novamente dialoga com muitas das figurações corporais das
vanguardas de seu tempo, desde o cubismo até a escultura de artistas como Hans
Bellmer ou Giacometti.
A seguir, Artaud continua com seu projeto de um Teatro da Crueldade,
recitando poemas. “Todas as operações físicas e sonoras das palavras - gaguejar,
gritar, respirar, modular, apitar, etc. - serão realizadas para que elas se tornem
signos e ondas do espaço das forças. adquirindo uma consistência indeterminada”
(Uno, 2022, p. 218). Esse posicionamento criativo o leva a se identificar à poesia de
Gerard Nerval e mais tarde com a pintura (e à vida) de Van Gogh.
A escrita é, assim, fonetizada e passa a receber palavras inventadas,
neologismos, que enriquecem seu texto, embaralham os sentidos, instalam o