Visualidade e Espetáculo: abordagens e conexões históricas
Eduardo Tudella
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-25, jul. 2024
o todo; cada compartimento é trabalhado, com intenso fervor, de modo
verdadeiro, em clara visualidade. Cada um responde ao outro; cada um se
encaixa em seu lugar, como uma pedra talhada e polida em mármore, com
precisão. É a alma de Dante, e nela a alma da idade média, elaborada para
sempre e ritmicamente
visível ali16 (Carlyle, 1841, Lecture III, p. 140, grifo nosso).
Assertivas como essa podem esboçar compreensões da capacidade do
artista para produzir certa condição de visualidade, caracterizada pelo tratamento
rigoroso, não somente do todo expressivo mas, também, em cada detalhe que
circunscreve sua obra. E, mais, com a expressão ritmicamente visível ele indica
produtivas conexões entre imagem e tempo (imagens sonoras, musicais). Carlyle,
aliás, aponta as noções de todo, unidade e harmonia, que hoje são atacadas como
sintomas de modernidade em nome da fragmentação, da subjetividade pós-
moderna.
Os escritos de Carlyle suscitaram críticas à idolatria do herói, assim como à
acentuação do masculino no contexto humano. De todo modo, associando sua
compreensão de visualidade à obra de Dante, Carlyle pode ter aberto uma trilha
teórica capaz de expandir essa compreensão, pois, ao relacionar visualidade e
poesia, ele pode ter sugerido conexões com a
poiesis
(
póiesis
),
no sentido de traço
particular de uma obra, a
poiesis
de cada artista, para além do universo particular
da poesia no campo específico da literatura. Esta brecha pode provocar o teórico
e o artista, o artista-pesquisador que inclui no seu trabalho a pesquisa teórica, a
empreender conexões com a visualidade de cada obra, inserindo na investigação
o estudo dos pressupostos estéticos. Compreenda-se estética, neste caso, como
o conjunto de aspectos qualificados em determinado período e lugar que
permitam identificar, discutir e interpretar a condição histórico-crítica de uma
obra.
Antes de Carlyle, Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762) já havia intuído
certa compreensão da relação palavra-imagem-imagem-palavra, quando
menciona assertivas de Cícero sobre a poesia de Homero: “Quando Cícero atribui
a Homero a arte, não da poesia, mas da pintura, ele se maravilha com a capacidade
16
But,
as I say, no work known to me is so elaborated as this of Dante's. It has all been as if molten, in the
hottest furnace of bis soul. It had made him 'lean' for many years. Not the general whole only; every
compartment of it is worked out, with intense earnestness, into truth, into clear visuality. Each answer to
the other; each fit in its place, like a marble stone accurately hewn and polished. It is the soul of Dante,
and in this the soul of the Middle Ages, rendered forever rhythmically visible there. (Tradução nossa)