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Perspectivas para pensar uma justiça social e
epistêmica para e com as infâncias em dissidência
Mateus Fazzioni
Diego de Medeiros Pereira
Para citar este artigo:
FAzzIONI, Mateus; PEREIRA, Diego de Medeiros. Perspectivas
para pensar uma justiça social e epistêmica para e com as
infâncias em dissidência.
Urdimento
Revista de Estudos
em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 50, abr. 2024.
DOI: 10.5965/1414573101502024e108
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Mateus J. Fazzioni | Diego de Medeiros Pereira
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-25, abr. 2024
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Perspectivas para pensar uma justiça social e epistêmica para e com as infâncias em
dissidência1
Mateus J. Fazzioni2
Diego de Medeiros Pereira3
Resumo
O presente estudo propõe outras perspectivas para pensar as diferentes infâncias,
compreendendo as crianças como atrizes sociais ativas em seus processos identitários e
sociais. Em virtude disso, elas são vistas como uma ameaça à cultura adulta, principalmente
quando desviam da norma binária. Contudo, as crianças em dissidência encontram brechas
em seu cotidiano e nas aulas de teatro para construir saberes e culturas como forma de
resistência. Acredita-se, assim, na importância de discutir formas de promover uma justiça
social e epistêmica em relação às infâncias e crianças em dissidência a partir do campo das
Artes Cênicas e das Pedagogias do Teatro.
Palavras-chave
: Infâncias. Crianças em dissidência. Pedagogia do teatro. Justiça social e
epistêmica.
Perspectives for thinking about social and epistemic justice for and with childhoods in dissent
Abstract
The present study proposes other perspectives to think about different childhoods,
understanding children as active social actors in their identity and social processes. As a
result, they are seen as a threat to adult culture, especially when they deviate from the binary
norm. Children in dissidence, however, find gaps in their daily lives and in theater classes to
build knowledge and cultures as a form of resistance. Thus, it is believed in the importance
of discussing ways to promote social and epistemic justice in relation to childhoods and
children in dissidence from the field of Performing Arts and Theater Pedagogies.
Keywords:
Childhoods. Children in dissent. Pedagogy of theatre. Social and epistemic justice.
Perspectivas para pensar la justicia social y epistémica para y con las infancias en disidencia
Resumen
El presente estudio propone otras perspectivas para pensar las diferentes infancias,
entendiendo a los niños como actores sociales activos en su identidad y procesos sociales.
Como resultado, son vistos como una amenaza para la cultura adulta, especialmente cuando
se desvían de la norma binaria. Los niños en disidencia, sin embargo, encuentran huecos en
su vida cotidiana y en las clases de teatro para construir saberes y culturas como forma de
resistencia. Así, se cree en la importancia de discutir formas de promover la justicia social y
epistémica en relación con las infancias y los niños en disidencia del campo de las Artes
Escénicas y las Pedagogías Teatrales.
Palabras clave
: Infancias. Niños en disidencia. Pedagogía del teatro. Justicia social y
epistémic.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Carla Finatto Machado, Graduada em Letras
pela Universidade Federal de Santa Maria com habilitação em Português e Literaturas da Língua Portuguesa.
2 Doutorando em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Mestrado em Artes
Cênicas pela UDESC. Professor de teatro na Rede Municipal de Educação de Florianópolis.
fazzionimateus@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8676922214902228 https://orcid.org/0000-0001-6457-655X
3 Doutorado em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Mestrado em Teatro pela
UDESC. Licenciatura em Educação Artística Artes Cênicas pela UDESC. Professor Adjunto do Departamento
de Artes Cênicas, Mestrado Profissional em Artes e Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
Universidade do Estado de Santa Catarina. diego.pereira@udesc.br
http://lattes.cnpq.br/7952493975205748 https://orcid.org/0000-0002-6655-0211
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Introdução
Sabemos que, ainda que haja um esforço, sobretudo da academia, para
contemplar as diferentes infâncias nos discursos que são produzidos acerca dessa
categoria geracional, muitos contextos não são abarcados e diferentes grupos de
crianças seguem invisibilizados e sem condições materiais de exercerem seus
direitos de proteção, provisão e, sobretudo, de participação. As tomadas de
decisões acerca de ações que terão impacto direto na vida das crianças seguem
centradas nas mãos dos adultos que, geralmente, as compreendem a partir de
imagens sociais de incompletude e incapacidade.
Na busca por desvelar, ainda mais, o fenômeno complexo e multifacetado da
Infância temos, em algumas medidas, nos dedicado a investigar, dentro do nosso
contexto de atuação como professores-bichas, seja na Educação Básica ou no
Ensino Superior, modos de fazer ressoar as vozes de crianças demarcadas pelos
adultos como “desviantes”. De modo específico, temos discutido como as Artes
Cênicas e os processos artístico-pedagógicas imbricados na sua existência
como componente curricular podem contribuir tanto com a descoberta das
potencialidades e subjetividades desses corpos, quanto com o questionamento
das ações docentes no acolhimento dessas manifestações infantis.
Neste texto, objetivamos defender a ideia de uma justiça social e epistêmica
das infâncias nas Artes Cênicas, de modo a promover a visibilidade e
representatividade das diferentes infâncias em nossos estudos, pesquisas,
práticas e criações artísticas, acadêmicas e pedagógicas. Argumentamos que o
teatro pode possibilitar espaços de escuta e acolhimento das crianças em suas
distintas infâncias e culturas, em especial àquelas em dissidência. Defendemos
que, nas aulas de teatro, as crianças têm a possibilidade de ser e experimentar
suas ideias, gostos e vontades e que nosso papel como professoras(es) parece ser
o de potencializar e legitimar as teatralidades e performatividades dissidentes na
sala de aula.
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Desejamos que as reflexões possam contribuir, de alguma forma, com uma
mudança de perspectiva na relação entre crianças e pesquisas científicas, de
modo que as vozes e culturas das crianças sejam incorporadas nos estudos
acadêmicos. Esperamos, ainda, que ao ampliar essas discussões, possamos,
coletivamente, enfrentar as violências que as crianças sofrem nos espaços
institucionais que não reconhecem seus modos de ser, agir e se expressar.
Estatuto Social da Infância: conceitos que germinam
Para pensar uma justiça social e epistêmica em relação às crianças4, muitos
conceitos e reflexões da Sociologia da Infância podem ser mobilizados e colocados
em prática. A inexistência de uma forma de pensar as crianças de modo mais
igualitário e mesmo de uma epistemologia sobre o modo das crianças de
habitarem e se expressarem no mundo faz com que suas vozes e sua participação
social não sejam vistas como relevantes em uma cultura marcada pelo
adultocentrismo.
No importante texto “Visibilidade Social da Infância” (2007), Manuel Sarmento,
um dos mais importantes estudiosos da Sociologia da Infância, apresenta os
diferentes processos de ocultação pelos quais as crianças têm passado: a
invisibilidade histórica, a invisibilidade cívica e a científica. Nesta última, indica a
recusa ao etnocentrismo adultocêntrico e assume as crianças como informantes
qualificadas e parceiras de uma investigação. Perspectivas que vêm sendo
adotadas em diferentes áreas do conhecimento, que se dedicam às crianças, mas
que ainda carecem de referências no que diz respeito às Artes Cênicas.
Vivemos em uma sociedade cujos saberes e os poderes normativos são
estruturados a partir de uma lógica adultocêntrica, a qual coloca a pessoa adulta
no centro das relações sociais e culturais. Segundo Sarmento (2009, p. 20), o
adultocentrismo é uma “[...] perspectiva analítica que estuda as crianças a partir
do entendimento adulto, das expectativas dos adultos face às crianças ou da
4 Reflexões presentes neste estudo foram elaboradas após a participação no GRUPECI - Seminário de Grupos
de Pesquisa sobre Crianças e Infâncias, realizado na cidade de Curitiba entre os dias 04 e 06 de dezembro de
2023, com o tema “Infâncias e Justiça Social: perspectivas no contexto brasileiro”.
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experiência do adulto face à sua própria infância”. Nesta perspectiva, o adulto tem
poder de controle e decisão sobre as ações das crianças, mais do que
simplesmente protegê-las por conta das suas limitações físicas advindas da idade.
As crianças, por sua vez, não são vistas como sujeitas completas, agentes
sociais ativas e competentes, mas sim como um “vir a ser” adulto. Percebidas a
partir de uma expectativa de futuro e não do que são, criam e expressam, a seu
modo, no presente. Isso faz com que as crianças tenham pouca liberdade e
participação, inclusive sobre suas próprias vidas, corpos e escolhas. Como lembra
Preciado (2020, p. 69), “[...] a criança continua a ser considerada um corpo que não
tem o direito de governar”, mas sim um corpo a ser governado.
A busca por uma mudança epistemológica em relação aos conhecimentos
produzidos por e com crianças trouxe consigo uma série de conceitos que, cada
vez mais, têm circulado no meio acadêmico. Termos como infâncias, participação,
protagonismo, agência das crianças, culturas de pares, reprodução-interpretativa
e adultocentrismo vêm sendo difundidos por meio dos Estudos Sociais da
Infância5, em especial da Sociologia da Infância, a qual temos nos colocado em
diálogo nos últimos anos.
Desde a década de 1990 e, no Brasil, a partir dos anos 2000, a Sociologia da
Infância defende um Estatuto Social da Infância que reconheça as crianças como
produtoras e não apenas consumidoras de cultura. Ainda que tenhamos avanços
nas pesquisas e práticas com crianças, em muitos contextos elas seguem sendo
vistas como objetos de investigação e socialização e não como sujeitas produtoras
de conhecimento e cultura. Esse fato parece se intensificar quando lançamos
nossas lentes de análise para as crianças que desobedecem às regras6.
As crianças no discurso do senso comum são anunciadas como projetos de
futuro da nação e da família (classe média, branca, cisgênera e heterossexual).
Essa falta de atenção para o presente das infâncias, sobretudo daquelas que
extrapolam a imagem da criança “a ser protegida”, parece-nos estar baseada na
5 Os Estudos Sociais da Infância ou
Childhood Studies
, representam um campo de estudos interdisciplinar
composto pela Sociologia da Infância, Antropologia da Infância, História da Infância, entre outros.
6 As discussões sobre as infâncias e as crianças em dissidência/desobediência com a norma serão abordadas
no tópico seguinte.
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manutenção de concepções e práticas adultocêntricas ligadas aos ideais de
progresso e desenvolvimento neoliberal. Segundo Corsaro (2011, p. 343),
Com muita frequência, indivíduos e sociedade tentam justificar suas
ações em termos de seus efeitos sobre o futuro das crianças como
adultos. Esse enfoque sobre o futuro, sobre o que nossas crianças se
tornarão, muitas vezes pode cegar-nos em relação como tratamos e
cuidamos de nossas crianças no presente.
O autor nos lembra que o futuro da infância é o presente e que as noções
comumente utilizadas por algumas instituições e pela sociedade estão baseadas
no futuro dos adultos. Para propor uma justiça epistêmica em relação às infâncias,
talvez seja necessário reescrever as concepções e imagens da infância, não a partir
de normas, diagnósticos e padrões adultos, mas sim através de uma “escuta
consequente”7, acolhedora e potencializadora das crianças em suas diferentes
infâncias contextualizadas e observadas no presente, nas condições sociais e
culturais de sua existência.
Essa mudança de paradigmas em relação à infância envolve, segundo Prout
e James (2005), uma reconstrução. Acreditamos que algumas dessas proposições
dialogam com os pressupostos para pensar uma justiça social e epistêmica em
relação às infâncias.
1. A infância é entendida como uma construção social. [...] 2. A infância é
uma variável de análise social. [...] 3. As relações sociais e as culturas das
crianças são dignas de estudo por si só, independentemente da
perspectiva e das preocupações dos adultos. [...] 4. As crianças são e
devem ser vistas como ativas na construção e determinação das suas
próprias vidas sociais, das vidas daqueles que as rodeiam e das
sociedades em que vivem (Prout; James, 2005, p. 8).
Compreender a infância como uma construção social, significa dizer que a
infância não é natural e universal, mas sim um produto histórico das relações
humanas, políticas e culturais. Portanto, deve ser levada em conta como categoria
de análise, assim como a classe social, o pertencimento étnico-racial e o gênero,
por exemplo, categorias consolidadas nas pesquisas científicas. Por ser uma
7 Natália Fernandes, importante estudiosa portuguesa das infâncias, no GRUPECI (citado), falou-nos de
uma escuta consequente a ser praticada pelos adultos; a escuta consequente das crianças deve gerar
consequências, ou seja, as crianças precisam perceber que, ao serem ouvidas, ocorrem consequências,
reverberações e transformações nas propostas.
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categoria geracional específica, um componente estrutural e cultural de muitas
sociedades (Prout; James, 2005), as pessoas que a compõem crianças não
são imaturas ou “sem voz” (
infans
), mas se expressam a seu modo. Elas mobilizam
a estrutura social e, desse modo, cabe aos(às) pesquisadores(as) da infância
encontrarem meios de torná-las presentes nos estudos e práticas que digam
respeito às suas vidas.
Como uma forma estrutural da sociedade, a infância permanece “[...] num
processo contínuo de mudança, não apenas pela entrada e saída dos seus actores
concretos [as crianças], mas por efeito conjugado das acções internas e externas
dos factores que a constroem e das dimensões de que se compõe” (Sarmento,
2005, p. 365-366). Entretanto, historicamente na cultura ocidental, uma única ideia
de infância tem sido protegida e investida mesmo que, como categoria
geracional, também se encontre invisibilizada.
Não existe um único modo de ser criança e viver a infância.
multiplicidades, pluralidades e diversidades de infâncias e crianças nos diferentes
contextos históricos e sociais. Interessa-nos pensar as infâncias no plural, pois
cada criança vive a infância de diferentes modos, de acordo com seu contexto
sociocultural, o que evidencia que os corpos das crianças são atravessados, além
da variável etária, também por marcadores de classe, gênero, etnia, regionalidade,
entre outros. Portanto, ao observar as infâncias, devemos ter um olhar
interseccional, evidenciando os marcadores sociais, econômicos e culturais da
diferença, os quais revelam a pluralidade das infâncias.
As crianças não estão alheias ao mundo adulto, elas são atravessadas pelos
marcadores sociais, injustiças e violências, interagindo a partir das suas
experiências de vida, formas de comunicação, necessidades, questionamentos e
interesses. Além de assimilar a cultura do mundo adulto, os papéis sociais e
lugares destinados a seus corpos, elas também têm ação sobre a cultura,
(re)produzem, interpretam e transformam as normas, os significados e os códigos
estabelecidos. Assim, para Corsaro (2011, p. 15), “[...] as crianças são agentes sociais,
ativos e criativos que produzem suas próprias culturas infantis, enquanto,
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simultaneamente, contribuem para a produção das sociedades adultas”8.
Além de contribuir para a construção da sociedade e serem produtoras das
culturas infantis, as crianças participam ao longo das épocas da co-construção da
própria infância, da qual são os seres agentes. Segundo Sarmento (2009, p. 22), as
crianças são “[...] seres biopsicossociais com características próprias, simbolizam
o mundo, nomeadamente pela conjugação que fazem de processos e dimensões
como o jogo, a fantasia, a referência face aos outros e a circularidade temporal”.
Parece-nos que para promover efetivamente uma justiça social e epistêmica
para as infâncias, faz-se necessário mudar o foco de análise e atuação em nossas
práticas, colocando na centralidade dos processos as crianças e suas infâncias
plurais. Dessa forma, reconhecer as crianças como atrizes sociais, ativas, criativas
e participativas, capazes de produzir dados e culturas específicas, gera muitas
transformações em nossas práticas e pesquisas no Grupo de Estudos sobre Teatro
e Infâncias (getis/CNPq).
Essas afirmações possibilitam reforçar o argumento de que as infâncias, as
produções e relações sociais criadas pelas crianças em suas culturas de pares
(Corsaro, 2011), assim como as problemáticas que envolvem as práticas artísticas
e as pesquisas com crianças, devem ser estudadas a partir delas, com elas,
utilizando-se de referenciais teóricos que desejam validar seus saberes e
experiências, não somente “aferir seu desenvolvimento” ou “diagnosticá-las”.
As crianças, por meio de seus modos próprios de expressão, sempre nos
mostram caminhos. a necessidade de ouvi-las para compreender o que elas
têm nos falado e o que podem nos fazer pensar. Através de práticas e pesquisas
participativas com crianças, na perspectiva da Pedagogia do Teatro e das Artes
Cênicas, compreendemos a necessidade de escutar, acolher e visibilizar as
crianças em suas diferentes infâncias, em especial as crianças que fomos, crianças
em dissidência. Ao propor outro tipo de relação com as crianças, percebemos que
a participação delas não é orientada para o consenso, mas sim para a divergência
e para a diferença. É justamente essa capacidade de transformar e questionar o
que está posto que as crianças em dissidência nos ensinam.
8 Aqui nos referimos ao conceito de “Reprodução Interpretativa” (Corsaro, 2011).
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Crianças em dissidência e resistência: culturas e saberes
dissidentes na infância
Muito se fala sobre a proteção das crianças, e há uma série de instituições e
discursos paternalistas vigiando cada ação, brincadeira e expressão das crianças.
Essa proteção, por sua vez, não é destinada a todas as crianças, mas antes, protege
um modelo de criança baseado na imagem concebida pela norma cisgênera,
branca e heterossexual da cultura adulta.
A criança que os conservadores e paternalistas dizem proteger não existe.
Trata-se de uma ficção de poder cisheteronormativa que toma todas as crianças
como seres naturais e passivos diante da cultura adulta. Como disse Preciado
(2020, p. 68), “os defensores da infância e da família invocam a figura política de
uma criança que eles constroem de antemão como heterossexual e de gênero
normatizado”, sendo assim, a criança pode ser vista como “[...] o efeito de um
dispositivo pedagógico insidioso, é o lugar de projeção de todos os fantasmas, o
álibi que permite que o adulto naturalize a norma. [...] O que está em jogo é o
futuro da nação heterossexual” (Preciado, 2020, p. 71). Desse modo, todas as outras
crianças que vivem infâncias diferentes desse modelo são sistematicamente
apagadas, o que evidencia uma espécie de epistemicídio social e epistêmico das
crianças em dissidência e de suas narrativas.
As crianças são sujeitas sociais ativas e criadoras de cultura, são seres
biopolíticos (Preciado, 2020), pois permitem tanto a manutenção, como também
a transformação do contexto sociocultural em que estão inseridas.
Consequentemente, as crianças representam uma ameaça à ordem instaurada e
à cultura hegemônica. Assim, precisam ser institucionalizadas e “socializadas”9.
Essa ameaça se amplia ainda mais quando pensamos nas crianças em dissidência,
que questionam através dos seus corpos, comportamentos, ações e brincadeiras,
a lógica adulta da cisheteronormatividade.
9 Aqui tecemos, assim como fazem Corsaro e outros(as) estudiosos(as) da infância, uma crítica aos modelos
teóricos de socialização que silenciam as crianças e as veem como sujeitas passivas em seus processos de
compreensão e inserção no mundo social.
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Ameaçam também a ideia de uma “essência” infantil boa, assexuada,
submissa, naturalmente desenvolvida — já que geram tensões e conflitos com as
construções sociais de gênero e sexualidade, evidenciando aversão aos códigos
sociais inscritos em seus corpos antes mesmo do nascimento. Essas “ameaças”
autorizam uma série de instituições e pessoas a controlarem os corpos das
crianças, principalmente aquelas que fogem da norma. Isso demonstra, como
aponta Jota Mombaça (2021), que alguns corpos (homens brancos, cisgêneros e
heterossexuais) estão autorizados e são estimulados a serem violentos e viris, em
nome da manutenção da ordem, enquanto outros corpos podem ser
violentamente exterminados.
Podemos inferir que, comumente, alguns corpos são vistos como aqueles
que merecem proteção, educação e poder, enquanto outros podem ser
eliminados. A proteção pouco existe quando falamos de crianças em dissidência,
que estas continuam tendo suas narrativas e identidades negativadas e
silenciadas. Ao infringirem e se desviarem das ordens do grupo, são invisíveis como
sujeitos (abjetos) e hiper visíveis enquanto objetos de manipulação, colonização e
reforço da designação binária.
Ao longo da História Ocidental, práticas voltadas às crianças, aos bebês, às
mulheres e à gestação tiveram como objetivo a manutenção e imposição da
designação de um sistema sexo-gênero binário (Rubin, 2011) sobre os corpos,
criando formas de intervenção e regulação do sexo, do gênero, da sexualidade e
do corpo das mulheres e das crianças com o propósito de manter a matriz violenta
da cisgêneridade e heterossexualidade para prevenir “problemas futuros”.
Essa lógica operou (e opera) o modo de subjetivação dos sujeitos no mundo,
ou seja, o sexo e o gênero como conhecemos foi (e é) construído minunciosamente
por meio de discursos, processos e relações de poder. Quando não analisados de
modo estrutural e relacional podem parecer como essencialistas e dados. Como
apontam Connell e Pearse (2015, p. 37), em nosso cotidiano esses “[...] arranjos são
tão familiares que parecem fazer parte da natureza. A crença de que distinções
de gênero são “naturais” faz as pessoas se escandalizarem quando alguém não
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segue o “padrão””, ou até mesmo faz com que criem mecanismos de punição,
proibição e readequação quando se trata de crianças que fogem à regra do sistema
sexo-gênero.
Para Preciado (2017, p. 26), “[...] o sistema sexo/gênero é um sistema de
escritura. O corpo é um texto socialmente construído, [...] no qual certos códigos
se naturalizam, outros ficam elípticos e outros são sistematicamente eliminados
ou riscados”. Desse modo, quando as crianças nascem, é comum encontrarem
um conjunto complexo de desejos e expectativas para seu futuro, os quais supõem
comportamentos, ações, caminhos, desejos e subjetividades para seus corpos.
Promete-se às crianças que elas terão uma identidade como sujeitas de direitos
no futuro, enquanto no presente estão subordinadas às regras adultas e ao único
caminho possível e “normal”: a infância universal e singular, heterossexual e de
gênero normativo. Mentes e corpos colonizados pelo adultocentrismo.
Enquanto alguns insistem em sustentar a cisgeneridade compulsória e a
heteronormatividade como política dos corpos (Leal, 2020), as crianças em
dissidência continuam sendo assediadas, abusadas e mortas sem terem a
possibilidade de se descobrirem no mundo. A violência é algo que acompanha os
corpos dissidentes desde a infância, fazendo com que as experiências de vida
dessas crianças (as nossas infâncias, por exemplo) sejam marcadas desde cedo
por abusos, discriminação e, em muitos casos, pela morte. A violência não pode,
em diálogo com Mombaça (2021), ser tratada como falha, mas sim como
constituinte do mundo que nos foi dado. LGBTfobia, racismo e transfobia, por
exemplo, são aspectos estruturais da sociedade brasileira que precisam ser
enfrentados.
Essas reflexões buscam demonstrar que os gêneros normativos (e a
heteronormatividade), antes de serem naturais, são mantidos através de acordos,
relações de poder e, principalmente, negociações tecidas por pessoas que agem
como fiadores do sexo e do gênero, controlando ações, gestos e expressões das
crianças. Assim, buscam normatizar e colonizar as crianças e afastá-las da
dissidência, partindo da premissa de que há uma maneira correta de experienciar
a infância e ser criança.
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Entretanto, é importante enfatizar que as crianças resistem de corpo inteiro,
encontram entre lugares de resistência e, como afirma Dodi Leal (2020, p. 08), “[...]
tudo o que se entende por corpo e como este corpo conhece e se situa, não é
simplesmente um instrumento de algo alheio a ele, mas uma inteligência ativa,
epistemológica, política e estética”. O que nos leva a pensar nos diversos saberes,
performances, teatralidades e estéticas dissidentes; modos de vida, culturas,
expressões, performances e “montações” que fazem parte de um patrimônio
cultural imaterial dos corpos dissidentes10; culturas criadas da infância à adultez.
Nesse sentido, os corpos dissidentes, mais do que apenas corporificarem e/ou
questionarem a cultura, produzem novas culturas e saberes como forma de
resistência.
Diante da ideia de progresso e desenvolvimento de tudo e de todos, as
crianças em dissidência nos apresentam rotas de fuga e outros caminhos
possíveis, elas borram as fronteiras entre os gêneros e as sexualidades durante
seus momentos de faz de conta, montações e performances. Por esse motivo,
essas crianças são, geralmente, privadas de brincar com algumas brincadeiras e
brinquedos.
Mesmo crianças que não estão em dissidência com a norma sofrem os
processos opressivos e regulatórios da cultura adulta no que diz respeito ao que
é permitido e/ou proibido aos corpos de meninos e meninas. Quando criança, por
exemplo, descobrimos que algo estava “errado” conosco. Havia certos gestos,
ações, brincadeiras e brinquedos que não eram permitidos ao nosso corpo bicha,
fomos vigiados e diagnosticados: crianças viadas11.
10 Para saber mais, ler a dissertação de mestrado de Mateus J. Fazzioni intitulada “Deixem as crianças
brincarem”: O ensino do teatro na visibilização e acolhimento das crianças em dissidência (2023), na qual
apresenta o termo “brincadeiras proibidas” para se referir a performances, montações, ações e vivências das
crianças em dissidência realizadas de modo escondido e camuflado, as quais podem ser vistas como um ato
de resistência.
11 O termo criança viada” ganhou notoriedade no ano de 2013 com o
Tumblr
Criança Viada, no qual adultos
viados compartilhavam fotos e depoimentos de suas infâncias. Nesse mesmo ano, a artista Bia Leite produziu,
a partir das fotos publicadas no
Tumblr
, uma série de pinturas intituladas
Born to
Ahazar”. Em 2017, as
pinturas, que estavam expostas na exposição
Queer
museu: cartografias da diferença, na cidade de Porto
Alegre-RS, sofreram uma série de denúncias e a exposição foi censurada. Desde então, temos utilizado esse
termo como forma de resistir e afirmar nossas vivências e experiências dissidentes na infância.
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No entanto, é possível reconhecer que essas brincadeiras representam,
segundo Fazzioni (2023, p. 19), culturas criadas pelas crianças em dissidência e “[...]
remontam a existência de um patrimônio
queer
das infâncias: ações, atividades,
montações, comportamentos, brincadeiras, expressões e performances”,
principalmente “[...] brincadeiras exclusivamente pertencentes ao universo
queer
,
das figuras femininas, das divas pop, das performances, dos clipes, músicas e
danças” (p. 93), performatividades que se aproximam das vivências infantis
dissidentes presentes em nossas práticas, pesquisas e aulas de teatro.
Reconhecemos que essas brincadeiras que são proibidas às diferentes
crianças em virtude do gênero, das normas e padrões da cisheteronormatividade
podem ser ressignificadas e potencializadas nas aulas de teatro e
experimentações teatrais. As montações, performances, teatralidades e
performatividades dissidentes presentes nas brincadeiras
queer
se aproximam de
muitos elementos e convenções da linguagem teatral, o que possibilita pensar em
uma pedagogia
queer
do teatro ou o próprio teatro como uma pedagogia capaz de
desestabilizar o que está posto.
Acreditamos como importante levar em conta algo que muitas teorias
parecem deixar escapar: o prazer envolvido no ato de resistência e dissidência.
Isso porque muitas crianças em dissidência encontram brechas em seu cotidiano
e nas aulas de teatro para subverter a autoridade adulta e experimentar seus
interesses, brincadeiras, montações, performances e formas de ver, sentir e
expressar o mundo. No teatro, elas podem encontrar espaços para forjar suas
identidades e expressões de gênero e sexualidade e nos ensinam a resistir a partir
da sua presença na sala ou grupo.
Diante de todas as injustiças sofridas pelos seus corpos, essas crianças
resistem e permanecem produzindo epistemologias e saberes, teatralidades e
performatividades dissidentes a partir da sua potência de vida transformadora e
participativa. Por conseguinte, são necessários espaços de escuta e acolhimento,
construção de saberes e práticas que considerem, em seus processos artístico-
pedagógicos, essas e todas as outras crianças a partir de seus modos de ser e se
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expressar no mundo.
Justiça Epistêmica nas Artes Cênicas: presença e participação
das crianças
Nos últimos anos, criações sobre corpos e narrativas dissidentes têm
conquistado espaço na cena contemporânea e no meio acadêmico mediante
pesquisas que transitam entre os estudos
queer
/cuir, feminismos e discussões
sobre as transgeneridades. Essas pesquisas reivindicam, por meio dos corpos e
corpas criadoras e pesquisadoras, uma justiça epistêmica nas pesquisas em Artes
Cênicas e na cena artística, questionando currículos, métodos de “treinamento”,
técnicas e, sobretudo, um modelo único de corpo e subjetividade.
Em relação às infâncias, especialmente as das crianças em dissidência,
percebemos que essas têm sido pouco discutidas no campo das Artes Cênicas e
nas Pedagogias do Teatro, tanto no contexto das escolas como também nas
universidades. Ainda são poucos os estudos sobre Crianças e Infâncias em
dissidência, ou os que problematizam as construções sociais de gênero e
sexualidade na infância a partir de experiências artísticas.
Na maioria das vezes, falamos como adultos das nossas experiências e
vivências como crianças no passado, mas ainda pouco se fala das crianças nas
escolas e nas salas de aula do presente. Assim como nós, muitas dessas crianças
encontram espaços de acolhimento e escuta nas aulas de arte, teatro, dança e
demais projetos culturais na escola.
A arte nos acolheu e (queremos crer) continua acolhendo muitas crianças,
por esse motivo, acreditamos ser importante questionarmos: o que podemos fazer
como arte-educadores e pesquisadores das Artes Cênicas para acolher e
potencializar as infâncias? Qual o nosso papel na visibilização das crianças em
dissidência que muitos(as) de nós fomos um dia? Qual o nosso papel em relação
ao apagamento das crianças em dissidência de nossos debates, aulas, práticas e
produções artísticas e acadêmicas? Quais práticas teatrais podemos invocar para
discutir e problematizar essas questões na escola e na universidade? Como
professoras(es) e pesquisadoras(es) das Artes Cênicas podem mobilizar, em suas
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práticas e pesquisas, conceitos que vêm sendo utilizados em outras áreas? Que
caminhos são possíveis para uma maior justiça social e epistêmica das crianças e
infâncias nas Artes Cênicas?
Esses questionamentos são lançados, pois acreditamos ser pertinente nos
apropriarmos de alguns pensamentos que estão postos em campos teóricos
como a Sociologia da Infância, os estudos
queer
/cuir
e pesquisas sobre
transgeneridades para discutir as infâncias dentro do campo da Pedagogia das
Artes Cênicas, visto que o modo de pensar e olhar para as crianças e suas infâncias
ainda está sob o domínio de teorias da Educação e da Psicologia
desenvolvimentista.
Além disso, observamos que no campo das Artes Cênicas, como reflexo da
sociedade e dos modos como fomos ensinados a ensinar, um olhar
adultocêntrico para as crianças, fazendo com que produções direcionadas às
infâncias, muitas vezes, sejam vistas como algo de menor valor e nem sempre
como uma experiência estética e artística digna de dedicação. Esse olhar faz com
que poucos estudantes, professores(as) e artistas vejam as produções artísticas
e/ou pedagógicas para as infâncias como uma possibilidade de pesquisa e atuação
profissional.
São poucas as investigações que consideram as crianças como parceiras de
pesquisa e criação, ou como coprodutoras de dados, o que evidencia a escassez
de produções artísticas contemporâneas que invistam na presença e no potencial
de participação das crianças em práticas artístico-pedagógicas ou de pesquisa.
Diante de uma produção epistêmica ainda pequena de pesquisas e
produções com, sobre e para crianças nas Artes Cênicas, reconhecemos que é
necessário criar ações e redes de pesquisa para que possamos, coletivamente, a
partir da arte problematizar essas questões e possibilitar outros olhares e
experiências para e com as crianças.
A partir de nossas vivências com a arte na infância, lembramo-nos que
encontramos no teatro um espaço de permissão, acolhimento e escuta.
Consequentemente, por meio das pesquisas e investigações desenvolvidas no
Grupo de Estudos sobre Teatro e Infâncias (getis/CNPq), buscamos refletir sobre
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as infâncias das crianças em dissidência como forma de humanizar e afirmar
suas/nossas presenças nos diferentes espaços sociais. Assim, percebemos o papel
da Pedagogia das Artes Cênicas como revelador dessas crianças, de suas culturas
historicamente apagadas e invisibilizadas nos processos sociais, artísticos e
pedagógicos.
Compreendemos que o teatro para e com crianças oportuniza às infâncias
dissidentes a permissão de ser e a possibilidade de experimentação do que elas
são, ou o que desejam ser e expressar. No teatro, temos a permissão de poder
ensaiar um outro modo de vida. Nesse caso, é preciso afirmar o direito de todas
as crianças ao teatro como espaço de expressão e possibilidade de ser. Se
partimos do pensamento de Augusto Boal (2019) de que o teatro pode ser o ensaio
da Revolução, talvez seja por meio do teatro com crianças em escolas que
poderemos tomar consciência de que as crianças são revolucionárias em
potencial.
Diante dessas afirmações, acreditamos que o ensino do teatro tem o
potencial de promover relações menos hierarquizadas e adultocentradas,
pautadas no respeito, na alteridade, na participação e na agência das crianças. Em
relação aos estudos
queer
/cuir e às discussões sobre dissidências de gênero e
sexualidade, percebemos que é comum essas discussões estarem presentes em
nossas aulas uma vez que, as práticas artístico-pedagógicas, ao convocarem os
corpos a assumirem o lugar da criação, da dramatização e da performatividade,
evidenciam conflitos, curiosidades, desejos e questionamentos vivenciados pelas
crianças em suas subjetividades. Por isso, nós precisamos estar munidos de
referências para sabermos mediar as diferentes situações que possam surgir em
uma prática com crianças.
Cada contexto social influencia no modo como agimos em sala de aula, no
que diz respeito a desenvolver ou não certas discussões. Existem escolas,
universidades e professoras(es) abertas(os) a dialogar e criar ações a partir das
temáticas aqui discutidas; no entanto, acreditamos que o principal trabalho a ser
desenvolvido para promover uma justiça social e epistêmica em relação às
infâncias plurais e crianças em dissidência é a escuta e o acolhimento que pode
ser realizado pelos(as) professoras(es) no dia a dia da sala de aula. Nossas ações
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como educadores(as) podem abrir novos caminhos e discussões, como também,
dependendo do nosso olhar para as crianças, pode compactuar com a censura,
reprodução de padrões e estereótipos relativos à infância. Como aponta Fazzioni
(2023, p. 147),
[...] nosso papel principal é ter uma escuta atenta e um olhar sensível
para encontrar estratégias de intervenção e mediação dessas discussões,
mesmo que nas entrelinhas, nos entrelugares e nas fronteiras. O teatro,
por si só, não consegue mobilizar todas essas questões, uma vez que o
teatro também foi um espaço onde pessoas trans e travestis, por
exemplo, eram excluídas até pouco tempo atrás12.
Defendemos que é preciso que a(o) professora(o) tenha um olhar atento às
práticas e metodologias pautadas em uma Pedagogia
queer
/cuir ou dissidente, que
promova a emancipação e o acolhimento a partir do teatro. A ideia de uma
pedagogia
queer
/cuir é apresentada por Fernando Augusto do Nascimento em seu
livro
Teatro e representatividade queer: experiências com o método do drama na
escola
(2022) e por Guacira Lopes Louro, em seu artigo
Teoria queer: uma política
pós-identitária para a educação
(2001). Para Louro (2001, p. 552),
[...] uma pedagogia e um currículo queer “falam” a todos e não se dirigem
apenas àqueles ou àquelas que se reconhecem nessa posição-de-sujeito,
isto é, como sujeitos queer. Uma tal pedagogia sugere o questionamento,
a desnaturalização e a incerteza como estratégias férteis e criativas para
pensar qualquer dimensão da existência. A dúvida deixa de ser
desconfortável e nociva para se tornar estimulante e produtiva. As
questões insolúveis não cessam as discussões, mas, em vez disso,
sugerem a busca de outras perspectivas, incitam a formulação de outras
perguntas, provocam o posicionamento a partir de outro lugar.
Certamente, essas estratégias também acabam por contribuir na
produção de um determinado ‘tipo’ de sujeito. Mas, neste caso, longe de
pretender atingir, finalmente, um modelo ideal, esse sujeito e essa
pedagogia assumem seu caráter intencionalmente inconcluso e
incompleto.
Em paralelo com Nascimento (2022), é possível pensar a pedagogia
12 Essa perspectiva vem sendo alterada pela ocupação de muitas pessoas trans e travestis em espaços
artísticos, culturais e acadêmicos. Na cena artística, a presença de artistas como Renata Carvalho, Verónica
Valenttino, Linn da Quebrada, Liniker, entre tantas outras, evidencia a representatividade e as discussões que
vêm sendo ampliadas pela presença e ocupação de corpos trans nos diferentes espaços, no entanto, ainda
muito a ser feito. No campo das pesquisas em Artes Cênicas, pesquisadoras como Dodi Leal, Isadora
Ravena, Fredda Amorim, Marina Silvério, entre outras, vem ampliando as discussões sobre curadoria, recepção,
performatividades transgêneras, produção cultural, afrofeminismo e outros estudos pautados nas vivências
de corpos trans e travestis. Esse campo epistemológico, contudo, ainda está distante dos espaços escolares
e entendemos que é esse aspecto que precisamos ampliar em nossas práticas, pesquisas e discussões entre
professores(as) e com nossos(as) parceiros(as) de trabalho no chão da escola.
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queer
/cuir como aquela que problematiza as normas binárias de gênero, ao passo
que empodera, emancipa e acolhe os corpos que fogem dessas normas. Nesse
contexto, segundo o autor, o ensino do teatro torna-se significativo e empoderador
quando as práticas desenvolvidas buscam desconstruir tabus, romper com o
discurso cisheteronormativo e oportunizar a visibilidade e a representatividade
LGBTQIAPN+ nas cenas, personagens e conflitos criados e improvisados em sala
de aula.
Isto posto, faz-se necessário perceber como as imagens e problemáticas das
crianças em dissidência (ou não) podem surgir em cena, ou podem se tornar o
foco das criações teatrais na sala de aula. O espaço da escola, assim como os
espaços ocupados pelas crianças, também podem ser temáticas das
investigações teatrais, além de fornecerem dados sobre suas culturas, contextos,
experiências e modos de habitar o mundo. Conforme afirma Fazzioni, ao propor
práticas artístico-pedagógicas com crianças,
[...] é possível pensar o teatro na escola como esse “espaço comunal”,
como um lugar de fala, expressão e experimentação, no qual podemos
estabelecer relações de confiança, respeito e autoafirmação com as
crianças e os adolescentes, principalmente aqueles(as) em dissidência
com as normas impostas socialmente pela escola, família e igreja, por
exemplo. Além disso, essa relação afetuosa permite que as crianças em
dissidência apenas sejam e conheçam quem são e, da mesma forma,
permite-nos resgatar quem nós somos e quem poderíamos ter sido
(Fazzioni, 2023, p. 136).
Dessa forma, pensar uma justiça social e epistêmica em relação às infâncias
plurais e as crianças em dissidência nas Artes Cênicas e, principalmente, nas
Pedagogias do Teatro, implica organizar as aulas de teatro como espaço de
abertura para que os corpos das crianças possam se expressar fora das normas e
padrões de gênero e sexualidades da cisgeneridade e heteronormatividade. Essa
justiça parece-nos poder ser feita com a existência, a representatividade e
presença de corpos de professores(as) LGBTQIAPN+ e das crianças em dissidência
e suas narrativas na sala de aula, assim como pela mudança de olhar de
gestoras(es) e professoras(es) sobre essas presenças.
Assim, as aulas de teatro se tornam espaços de justiça social em relação a
todas as infâncias, justamente por promoverem o acolhimento, a escuta e a
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visibilidade de todos os corpos. Ademais, essa justiça acontece quando a figura
do(a) professor(a) cria juntamente com as crianças experimentações teatrais de
modo coletivo e afetivo. Esse aspecto evidencia o papel do teatro como uma
“arma” política dos afetos e encontros, capaz de proporcionar experiências
relacionais, criações coletivas, práticas de escuta, acolhimento, alteridade e
representatividade das infâncias desviantes da norma na escola. Como afirma
Pereira (2019, p. 90), “[...] o teatro é, de fato, uma “arma” na busca por uma escola
menos opressora, mais acolhedora e crítica”, que possibilita criar, estabelecer
afetos e relações mais horizontais, forjando espaços nos quais todos e todas
podem ser o que são, tendo a possibilidade de ter tempo livre para se
experimentar, para aprender sobre si mesmo e sobre o mundo.
Em relação a essa possibilidade afetiva do teatro, Nascimento apresenta a
ideia de uma “estratégia afetiva” como uma alternativa de resistência “[...] para
criar redes de afetos e compartilhar experiências artísticas de alteridade na escola”
(Nascimento, 2022, p. 27), visualizando a sala de aula como um espaço potente e
poético para que narrativas dissidentes ganhem protagonismo e lugar de fala.
Diante disso, segundo o autor, existem implicações entre a figura do(a) professor(a)
de teatro LGBTQIAP+ com as temáticas
queer
, visto que suas relações com as
crianças estão inscritas sobre aspectos poéticos de afetividade,
representatividade, resistência, empoderamento e acolhimento.
Essa “estratégia afetiva” reforçada pelo pesquisador, também pode ser uma
forma de se aproximar das famílias, desarmando o ódio e o preconceito, criando
pontes e diálogos com as famílias e com a sociedade. Se, por um lado,
enfrentamos ataques e violências da própria instituição escolar, outras(os)
professoras(es) e muitas famílias, por outro lado, somos acolhidos(as) e
recebemos muito carinho de muitas crianças e famílias que são afetivas e que
acreditam em nosso trabalho como professoras(es) e sabem que as crianças
gostam de nós.
O teatro pode ser um caminho para subverter estereótipos de gênero e
sexualidade na infância possibilitando, mesmo que momentaneamente, liberdade
criativa às crianças, assim como a experimentação de outras teatralidades e
performatividades dissidentes, das quais as crianças são muitas vezes privadas
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em seus cotidianos. Nesta situação, é preciso pensar em procedimentos, práticas
e abordagens teatrais feitas com as crianças e não somente metodologias para
ensinar as crianças a fazer um teatro adulto. Compreendemos que essas práticas
precisam levar em conta a participação das crianças em todas as etapas do
processo — organização da ideia, criação, documentação e registro, avaliação.
Entendemos que é importante, cada vez mais, que professoras(es) de teatro
se perguntem: o que as crianças podem nos informar com o teatro? Que outras
relações criativas e afetivas podemos estabelecer com as crianças em uma aula
de teatro? Onde estão as crianças nos nossos processos criativos? Quem são as
pessoas que estão pensando sobre as crianças nas pesquisas acadêmicas e na
formação de professores(as)? Quem tem buscado um teatro que foge dos
estereótipos de uma cena tradicional para crianças? Quais papéis as crianças e
infâncias plurais/dissidentes podem ocupar nos espaços sociais, artísticos e
educacionais?
Ao lançar esses questionamentos, poderá ser evidenciada a invisibilidade
científica e falta de pesquisas com e sobre as crianças, seus modos de viver a
infância e de conceber culturas no campo do Teatro. Essa injustiça é também
estrutural, que perpassa todas as instituições sociais e espaços (públicos e
privados). Parece-nos necessário pensar uma educação que repare as injustiças
sociais. O Teatro, como um objeto político e um bem comum do qual todos
deveriam ter direito, pode promover uma justiça social e epistêmica, dependendo
de como for abordado com as crianças.
Acreditamos que a Arte e o Teatro podem contribuir com a reparação da
estratificação social que a estrutura, principalmente a escola, criam, separando e
demarcando os corpos. Desse modo, é pertinente questionar: qual a dívida da
escola com as crianças em dissidência? Como reparar os diagnósticos e
demarcações lançadas aos corpos dissidentes desde a infância?
Reconhecemos que a maioria dos marcadores sociais surgem ou ficam
evidentes na escola, quando as diferenças se encontram e a instituição reproduz
as separações. Segundo Louro (1997, p. 58), a “[...] escola delimita espaços.
Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode)
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fazer, ela separa e institui. Informa o “lugar” dos pequenos e dos grandes, dos
meninos e das meninas.” Para as crianças em dissidência, essa separação entre
meninos e meninas não apenas reforça padrões estereotipados de masculinidade
e feminilidade, mas também evidencia normas e opressões “[...] que antecipam
um prelúdio de que nossas existências são subversivas, silenciadas e
invisibilizadas” (Nascimento, 2022, p. 31) na escola, na infância e, também, na
sociedade e na adultez.
É preciso, entretanto, lembrar que a escola, como instituição, é esse espaço
que compreende duas faces: uma que se institucionaliza nas normas e outra que
emancipa. Entendemos que nosso desafio, como professores(as) de teatro, é o de
encontrar abordagens, metodologias, estratégias, materialidades, jogos e
brincadeiras que promovam a potencialização da esfera da emancipação dentro
dessa “[...] “microssociedade” que é a sala de aula, espaço que ora inclui, ora exclui,
de acordo com as situações” (Pereira, 2019, p. 82).
Ao forjar espaços na sala de aula e na escola, entendemos que as práticas
artísticas e teatrais proporcionam não espaço de escuta e acolhimento, mas
também um espaço para participação, engajamento e coletividade. Nesse
contexto, é possível colocar em prática e mobilizar muitos dos conceitos
apresentados pelos Estudos Sociais da Infância, que compreendem as crianças
como sujeitas e cidadãs de direitos, criadoras de culturas, atuadoras sociais,
revolucionárias em potencial, capazes de subverter a norma e criar novas ordens
possíveis.
Além disso, as práticas teatrais mobilizam relações de poder e relações de
afeto. Como professores(as) de teatro, muitas vezes conseguimos estabelecer
relações de confiança com as crianças e adolescentes por meio do afeto, do
respeito e da escuta atenta das suas vivências, desejos e problemáticas. O teatro
pode devolver aos educandos(as),
[...] a capacidade de se expressar, tão reprimida em outros componentes
curriculares, pode desenvolver o senso crítico sobre cultura, sociedade e
produções artísticas que lhes são ofertadas, ampliar a capacidade de
discutir de modo construtivo e trabalhar coletivamente por um ideal (que
pode ser o de montar uma cena ou não). Ainda, a capacidade de colocar
seus desejos e sentimentos, suas emoções, seus pensamentos e
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questionamentos em contato com outras pessoas, possibilitando que
elas sejam afetadas e desafiadas a responderem também, de modo
artístico (Pereira, 2019, p. 20-21).
Desse modo, parece-nos que nossas práticas artístico-pedagógicas na escola
são faíscas capazes de acender a chama revolucionária das crianças. A luta por
justiça é também pedagogia na medida em que busca conscientizar sobre a
liberdade e a participação das crianças. Como Paulo Freire (2021) adverte, contudo,
não basta fazer uma transformação para os sujeitos; é preciso fazer essa
transformação com esses mesmos sujeitos, sem empregar métodos de educar
que reproduzem um modelo opressor.
Precisamos, portanto, mobilizar um ensino do teatro que, além de acolher,
seja desenvolvido com as crianças a partir de seus pontos de vista, de suas
hipóteses, curiosidades, desejos, investigando outras poéticas cênicas que surjam
da participação das crianças na escolha e criação com os elementos da cena. As
crianças usam o corpo de forma inventiva e o teatro com crianças pode ser
também um lugar não de invenção, mas de poesia. Um lugar cheio de
pluralidades, representatividade e acolhimento.
Considerações finais
Parece-nos que a sociedade busca apagar dos corpos das crianças
dissidentes tudo que não se encaixa na lógica adulta de humanidade e
normalidade. um consenso social de que é preciso “domesticar” a criança,
trazê-la para a norma cisgênera e heteronormativa, abandonando a emoção, a
imaginação, a expressão, a fantasia e as outras formas de comunicação ligadas à
dissidência.
O pensamento ligado à noção de desenvolvimento de tudo e de todos almeja
o progresso, a obtenção de uma versão melhorada, aperfeiçoada, mais ágil, mais
veloz e mais normalizada de nós mesmos. Como discutimos ao longo do texto, as
crianças estão muito implicadas nesse processo prospectivo, pois muito se fala
do futuro das crianças e da ideia de que precisamos desenvolvê-las, aperfeiçoá-
las, torná-las adultas o mais rápido possível, adequá-las à “humanidade” e
“protegê-las” da “ideologia de gênero”.
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Escolas, consultórios, centros de análise, todos ditando o que a criança deve
fazer, o que é certo ou errado, o que é melhor para seu futuro, em um constante
processo de homogeneização dos corpos e das ações das crianças em prol da
perpetuação da lógica, das normas e dos valores do adulto, cisgênero,
heterossexual e branco. Sendo necessário questionar de que outras formas
podemos intervir e criar rotas de fuga para esses processos. Como pensar práticas
decoloniais que considerem as infâncias como presente e não como futuro?
Compreendemos que não se trata apenas de “dar voz” às crianças e
decolonizar as infâncias; decolonizar, nesse caso, trata-se, antes, de rever e
reformular as relações dos adultos com as crianças, promovendo uma justiça
social, epistêmica e científica em relação às diferentes infâncias. Talvez seja
preciso modificar o modo como olhamos para essas sujeitas, compreendendo-as
como atuadoras sociais plenas, que têm o direito de descobrirem seus gêneros e
suas sexualidades, seus modos de produção de sentidos, de criar e viver neste
mundo.
Precisamos decolonizar a relação adulto-criança, o que envolve repensar as
práticas artístico-pedagógicas com as crianças, uma vez que muitas dessas
práticas colonizam os corpos e as subjetividades, reproduzem padrões, papéis e
estereótipos de gênero e sexualidade. É nesse aspecto que acreditamos que o
ensino do teatro pode intervir, promovendo espaços de acolhimento, escuta e
representatividade, nos quais outras relações sociais e artísticas possam ser
tecidas com as crianças. As aulas de teatro podem estimular, ainda mais, o
“teatrar” das crianças, explorando a teatralidade, o jogo e a ludicidade presentes
nelas e na infância, estimulando a produção de novas epistemologias, saberes,
teatralidades e performatividades dissidentes.
Defendemos, a partir o ponto de vista das Artes Cênicas, assim como o fazem
diferentes estudiosos(as) da infância a partir de seus campos, que é preciso pensar
nas crianças e suas diferentes infâncias de modo contextualizado, com recortes
dignos de estudo e análise. Embora na academia tenhamos avançado nos recortes
e estudos étnico-raciais, de gênero, sexualidade, por exemplo, a infância continua
à margem de análises e estudos que focalizem a criação infantil.
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Defendemos, portanto, que uma das formas de promover a justiça social e
epistêmica em relação às crianças nas Artes Cênicas é considerar a legitimidade
das produções infantis, a dignidade da infância e das crianças, suas vozes nos
processos de pesquisa, as problemáticas informadas por elas, e considerar as
injustiças que impactam suas vidas, assim como seus direitos negligenciados.
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Recebido em: 15/02/2024
Aprovado em: 01/04/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br