Performatividades trans no circo: confabulando sobre estética, política e epistemologias dissidentes
Juno Nedel Mendes de Aguiar
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-19, abr. 2024
conferir na 20a Convenção Brasileira de Malabarismo e Circo14 –, festivais e
convenções de circo propõem critérios de curadoria fundamentados na
diversidade e despontam cada vez mais iniciativas voltadas para a pesquisa e a
proposição de outras formas de pensar comicidade e técnicas circenses15.
Atualmente podemos citar uma variedade de artistas trans, travestis e não-
bináries na cena circense: Maré Oliveira, Scher Dias, Kassandra Mágica, Chuck
Oliveira, Mica Ferraz, Isa Dor, Vulcanica Pokaropa, Lui Castanho, Noam Scapin,
Helen Maria, Roque Marciano, Muriel Cruz, Vi Marquez, Francine Veitenheimer, Gil
Porto Pirata, Luiza Rodrigues, Di Estradet Blanco, Perfuratrix Diamantada, Puri
Yaguarete, Dani Barros, Cia Fundo Mundo16, eu mesmo e muitos outros nomes.
Apesar da nossa presença crescente nas lonas, dedica-se pouca atenção às
potências da população trans nas artes circenses no Brasil, sobretudo nos espaços
de produção de saber – onde pessoas gênero-dissidentes ainda são notadamente
minoria. Esse processo de exclusão não pode ser analisado de maneira isolada,
visto que a população trans configura 0,02% dos estudantes do ensino superior e,
via de regra, raramente consegue ingressar e permanecer no mercado de trabalho
formal17. Este abismo econômico e social é ainda maior em se tratando de pessoas
trans não-brancas e periféricas. Mas há, ainda, um outro elemento que
fundamenta a exclusão e desqualificação de artistas trans na cena circense no
Brasil. Para tratar dele, precisarei elaborar a importância da virtuose para o
imaginário circense.
14 A 20a Convenção Brasileira de Malabarismo e Circo, realizada em Eusébio (CE) em 2020, foi a primeira da
história das convenções nacionais de circo a ocorrer no Nordeste, bem como a ter uma Noite Preta, Noite
Feminina e Noite LGBTQI+ em sua programação. Após a polêmica gerada pela apresentação do espetáculo
Erotic Circus Show, a Aliança Pró-Circo lançou uma carta aberta, solicitando que a Convenção retirasse a
palavra “circo” de seu nome, no entendimento de que o ocorrido em Eusébio poderia ser associado às
entidades do circo tradicional. O acontecido revela as tensões e diferenças entre as múltiplas formas de
pensar os espaços circenses na atualidade.
15 Apesar de os debates sobre “Palhaçaria Feminina” alargarem as concepções sobre riso e comicidade, a divisão
simples entre “circo dos homens” e “circo das mulheres” não dá conta da multiplicidade narrativa e estética
das artes circenses. Vemos ganhar força as discussões sobre comicidade preta e indígena, palhaçaria trans,
inclusão de pessoas gordas e/ou pessoas com deficiência nas técnicas acrobáticas, entre outros temas.
Alguns exemplos foram as palestras e rodas de conversa promovidos pelo Festival Internacional de Circo de
SP (2022), pelo II Encuentro Latinoamericano de Circo LGBTIA+ (2022), pela Circa Festivália (2021) e pelo
BRILHE: Festival Internacional de Circo Drag (2021).
16 Companhia circense formada integralmente por artistas trans, travestis e não-binários.
17 Pessoas trans representam apenas 0,02% dos universitários no Brasil. O número é ainda menor nos espaços
restritos da pós-graduação. Ver mais em: Benevides, Bruna Benevides; Sayonara Nogueira, 2021ª.