Desconstruindo armários discursivos: críticas e visibilidade lésbica em
As Moças
, de Isabel Câmara
Camile Cecília dos Anjos
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-27, abr. 2024
As falas da peça, selecionadas pelo crítico, são, na verdade, bem reveladoras.
Tereza diz: “porque eu existo. Eu não sou um fantasma. Eu estou viva e eu quero
viver” (Câmara apud Magaldi, 1998, p. 243). Ora, se nos atentarmos para essa fala
sob uma perspectiva sapatão, a personagem pode estar expressando a violência
que sofre através de processos de invisibilidade e de apagamento de sua
subjetividade lesbiana. E se, ainda, considerarmos a dissidência sexual da autora e
a possibilidade de aspectos autobiográficos estarem presentes no texto, o grito
por visibilidade se potencializa.
O crítico também evidencia a figura da velha tia, que “apenas queria um
reloginho do pulso”. Segundo Magaldi, “a autora espanta-se com a simplicidade
das pessoas que se encerram nesses dados objetivos, inveja-as, gostaria de ser
também retilínea e segura”. Mais adiante, complementa: “representa um ato de
coragem – sobretudo no teatro – esse recolhimento, esse pudor, esse gosto da
atmosfera poética e das coisas menores” (Magaldi, 1998, p. 244). Quais seriam
essas “coisas menores” que desejariam as personagens e a autora?
Pegando como ponto de partida a sugestão interpretativa de Magaldi, penso
que as “coisas menores” poderiam ser, por exemplo, anseios por uma vida mais
convencional, em que a identidade e os relacionamentos não precisassem estar
ocultos. A referência à tia, que "apenas queria um reloginho do pulso", simbolizaria,
talvez, o desejo por coisas simples e objetivas na vida, algo que muitas pessoas
podem ter, mas que, para as personagens em questão (ou para a autora),
representa um ato de coragem devido às pressões sociais e às expectativas
normativas, especialmente quando se vive sob um Estado repressor.
No contexto das sexualidades dissidentes, as "coisas simples" desejadas
podem incluir a liberdade de expressar afeto publicamente, de falar abertamente
sobre desejos e sentimentos e de viver de maneira autêntica, sem medo de
discriminação ou violência. O sentimento de frustração, para muitas pessoas, é
uma constância em suas existências, pois está relacionado a restrições impostas
pela sociedade, a qual, muitas vezes, obriga pessoas com sexualidades dissidentes
a esconderem sua verdadeira identidade, a fim de evitarem discriminação,
violência ou simplesmente desconforto por não se encaixarem nas normas sociais.