A escrita de uma dança (trans)criativa: articulações (im)possíveis na educação de um corpo ícone-cinético
Cristiane Wosniak | Erika Kraychete Alves | Helen de Aguiar
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-33, dez. 2024
de subverter ou transformar algumas equivalências linguísticas nesse percurso de
(in)fidelidade transtextual.
A transtextualidade genettiana encontra-se definida no primeiro capítulo,
onde se esclarece qual seria o objeto da escrita de seu livro: “este objeto é a
transtextualidade, ou transcendência textual do texto, que definiria já, a grosso
modo, como ‘tudo que o coloca em relação, manifesta ou secreta, com outros
textos’”13 (Genette, 1982, p. 7).
Ressaltamos que, nas equivalências de raciocínio, associamos o texto de
partida e de chegada (Campos, 2006; 2011), respectivamente, ao hipotexto e o
hipertexto genettianos. À vista disso, Genette define aquela obra ‘A’ [leia-se a
coreografia
Reticência(s)
(2023)] como possivelmente derivada de outra(s) obra(s)
preexistente(s) – hipotexto(s) ‘B, C, D …’ [leia-se aqui a peça teatral
Vestido de
Noiva
escrita por Nelson Rodrigues (1941), entre outras alusões, citações e
referenciais repertoriais presentes na coreografia/texto dançante de forma
explícita ou implícita], por transformação ou imitação, ou ainda, um conglomerado
das duas possibilidades. Dessa “literatura de(em) segundo grau” – subtítulo da obra
Palimpsestes
– a escrita acontece
pelo
e
no
processo de leitura aberta.
Para Genette, os textos – qualquer texto verbal ou não verbal – podem ser
transformados ou imitados, visto que, “nenhuma arte, por natureza escapa a esses
dois modos de derivação que definem a hipertextualidade na literatura e que, mais
genericamente, definem todas as práticas artísticas de segunda-mão” (Genette,
1982, p. 536),14 ou práticas hiperartísticas.
Por conseguinte, após o panorama teórico delineado nesta seção introdutória,
partimos para o exercício analítico com a hipótese de que o corpo dançante pode
escrever traços, gestos e significados icônico-cinéticos, mediante a experiência
performática, ativando, em consequência, novas elaborações estéticas e
operações tradutórias, replicando-as e promovendo outros sentidos.
13 cet objet est la ‘transtextualité’, ou transcendence textuelle du texte, que je définissais déjà, grossièrement,
par ‘tout ce qui le met en relation, manifeste ou secrete, avec d’autres textes.’
14 [...] il n’est donc pas d’art qui échappe par nature à ces deux modes de dérivation qui, en littérature,
définissent l’hypertextualité, et qui, d’une manière plus générale, définissent toutes les pratiques d’art au
second degré, ou hyperartistiques. (Tradução nossa)