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Yakámokeno
(escuta!):
contribuições da cosmovisão indígena Terena para
a dança e para a educação
Gabriela Di Donato Salvador Santinho
Para citar este artigo:
SANTINHO, Gabriela Di Donato Salvador.
Yakámokeno
(escuta!): contribuições da cosmovisão indígena Terena para
a dança e para a educação.
Urdimento
Revista de Estudos
em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 50, abr. 2024.
DOI: 10.5965/1414573101502024e0105
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Yakámokeno
(escuta!): contribuições da cosmovisão indígena Terena para a dança e para
a educação1
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Resumo
Este texto apresenta parte de uma pesquisa de Pós-Doutorado que versou sobre a
cosmovisão indígena da etnia Terena de Mato Grosso do Sul como propulsora de
conhecimentos para a dança cênica e para a educação. Foram abordados dois aspetos da
cosmovisão indígena - a relação desses povos com a ecologia e com os estados expandidos
de consciência - tanto para a discussão teórica quanto para uma composição coreográfica.
Foram usados principalmente autores indígenas de diversas etnias brasileiras, como Kaká
Werá, Davi Kopenawa e Rosa Maria Marchewicz, buscando reparar a ausência dos mesmos
em pesquisas acadêmicas e a consequente desvalorização de seus saberes na cena e na
educação brasileira.
Palavras-chave
: Cosmovisão indígena. Ecologia. Estados expandidos de consciência. Dança.
Educação.
Yakámokeno
(listen!): contributions of the Terena indigenous cosmovision to dance and
education
Abstract
This text presents part of a Post-doctoral research that focused on the indigenous
cosmovision of the Terena ethnic group from Mato Grosso do Sul as a source of knowledge
for scenic dance and education. Two aspects of the indigenous cosmovision were addressed
- their relationship with ecology and with expanded states of consciousness - contributing
to theoretical discussion and choreographic composition. Indigenous authors from different
Brazilian ethnicities were used, such as Kaká Werá, Davi Kopenawa, and Rosa Maria
Marchewicz, to repair the absence of their voices in academic research and the consequent
devaluation of their knowledge in the Brazilian scene and education.
Keywords:
Indigenous cosmovision. Ecology. Expanded states of consciousness. Danse.
Education.
Yakámokeno (¡escuchar!): aportes de la cosmovisión indígena Terena a la danza y la
educación
Resumen
Este texto presenta parte de una investigación de Posdoctorado que abordó la cosmovisión
indígena de la etnia Terena en Mato Grosso do Sul como impulsora de conocimientos para
la danza escénica y la educación. Se abordaron dos aspectos de la cosmovisión indígena - la
relación de estos pueblos con la ecología y con los estados expandidos de conciencia - que
contribuyeron a la discusión teórica y a una composición coreográfica. Se utilizaron
principalmente autores indígenas de diversas etnias brasileñas, como Kaká Werá, Davi
Kopenawa y Rosa Maria Marchewicz, buscando subsanar su ausencia en investigaciones
académicas y la consecuente devaluación de sus conocimientos en la escena y la educación
brasileña.
Palabras clave
: Cosmovisión indígena. Ecología. Estados ampliados de conciencia. Danza.
Educación.
1 Revisão ortográfica, gramatical e semântica do artigo realizada por Maria Fernanda Borges Daniel de Alencastro,
graduada em Letras pelas Faculdades Unidas de Mato Grosso (FUCMAT), atual Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB). Especialista em Língua Portuguesa-Redação (PUC-MG), com Mestrado em Educação
Formação Docente (UCDB). mfdaniel@ucdb.br. http://lattes.cnpq.br/3647883739692656
2 Doutorado em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Artes da Cena
pela UNICAMP. Bacharel e licenciada em Dança pela UNICAMP. Professora efetiva da Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul. gabrieladdsalvador@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3087559848065820 https://orcid.org/0000-0002-4756-137X
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Introdução aos diálogos dançados
Este texto é parte de uma pesquisa que se desenvolveu em 2023, mas vem
amadurecendo em minha atuação docente muitos anos, por meio de pesquisas
voltadas às danças tradicionais do Brasil. Desde 2012 residindo em Mato Grosso
do Sul, lecionando na primeira universidade do Brasil a adotar cotas indígenas,
ministrando aulas para muitos acadêmicos indígenas e estando tão perto de
inúmeras aldeias, de várias etnias e de todos os aspectos culturais, socias e
políticos que as questões indígenas possuem neste estado, o meu interesse e a
minha fascinação pela cultura dos povos originários do Brasil vem aumentando
significativamente. Percebo os saberes desses povos como potentes fontes de
conhecimento que revelam muitos ensinamentos considerados, por mim,
essenciais à educação formal, tais como: respeito, grupalidade, cosmovisões
diversas, mitologias múltiplas, diversidade de modos de vida e de pensamento,
entre tantos outros.
Diante deste contexto, a pesquisa aqui relatada surgiu naturalmente em
minha prática docente e artística e tem como premissa uma postura contra-
colonial3, antirracista e que busca trazer à tona a cosmovisão e a mitologia para
os estudos da academia, entendidas como pensamentos e práticas legítimas e
propulsoras de saberes e conhecimentos também legítimos.
Neste texto eu discuto teoricamente acerca de dois aspectos da cosmovisão
indígena selecionados durante a pesquisa e que, além disso, foram usados na
parte prática da mesma, consistindo em uma composição coreográfica gerada a
partir de laboratórios de dança, cujo processo criativo também será descrito aqui.
Foi realizada uma revisão bibliográfica a partir de autores e autoras indígenas,
primeiramente de diversas etnias brasileiras, para entender o que eles e elas falam
e pensam sobre suas cosmovisões e seus modos de entender o mundo.
Posteriormente, realizei leituras específicas de autores e autoras indígenas
Terena etnia presente em Mato Grosso do Sul e escolhida como lócus deste
trabalho- além de outros autores não indígenas que estudaram o povo Terena e
3 O pensamento contra-colonial será explicado adiante neste texto.
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sua cultura, uma vez que a bibliografia escrita por autores indígenas desta etnia
ainda é limitada.
Informo que os autores não indigenas que aparecem neste texto são usados
para promover um diálogo que esclareça alguns conceitos não tratados pelos
autores indigenas, ou para fins de comparação ou relação de conceitos e
pensamentos. Porém, ressalto que, apesar de ter lido e usado autores não
indígenas, procurei focar meus estudos naqueles indígenas, a fim de entendê-los
por eles mesmos e também com a intenção de reparar injustiças e erros
epistêmicos cometidos por nós, pesquisadores e pesquisadoras não indígenas, que
por muito tempo não consideramos, não demos espaço e nem valorizamos seus
escritos e seus saberes como legítimos. Deste modo, eu pude aprender
diretamente com eles e elas, além de tentar contribuir com a valorização e a
legitimação de suas produções e de seus conhecimentos e saberes.
A etapa prática desta pesquisa consistiu na realização de uma composição
coreográfica, a partir de um trabalho corpóreo-sensível, vivenciado na aldeia
indígena Lagoinha, do povo Terena, em Mato Grosso do Sul. Esta composição foi
criada e dançada em parceria com um morador da aldeia Lagoinha e integrante
indígena Terena do grupo de pesquisa que coordeno na universidade em que
leciono4- Jonatas Moreira, carinhosamente chamado de Ya. Destaco que este
trabalho só foi possível graças a seu comprometimento, parceria e generosidade,
além de seu talento artistico, é claro.
Portanto, este texto discorre sobre dois aspectos da cosmovisão indígena
estudados por mim, que impulsionaram as discussões e a composição
coreográfica. Essas mesmas discussões pretendem ser realizadas com as escolas
públicas e particulares do estado de Mato Grosso do Sul, e visam promover
dicussões e reflexões sobre a importante presença da cultura indígena Terena
neste estado. Os aspectos aqui tratados são: a relação da cosmovisão dos povos
indígenas com a ecologia e com os estados expandidos de consciência e sonhos.
Destaco que esses escritos são a minha visão e a minha experiência pessoal
4 Grupo de Pesquisa em Danças Populares Brasileiras “Renda que Roda”, inscrito no CNPq, e que desde 2016
investiga as danças brasileiras e suas possibilidades poéticas, cênicas e educacionais.
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com a temática e que, portanto, é a reflexão realizada por uma mulher branca,
dançarina, professora universitária e aliada das questões indígenas. Junto com o
integrante e dançarino do grupo de pesquisa, estou escrevendo outros textos nos
quais ele coloca suas considerações e sua visão pessoal de todo o processo que
participou ativamente. Todavia, nesse texto optei por fazer o meu relato pessoal.
Ao longo de meus estudos e, obviamente, influenciada pelas leituras
realizadas e pelo movimento indígena no Brasil, fui percebendo que a pesquisa
não se tratava apenas de minha relação com as epistemologias ou cosmovisões
Terena (embora tudo me atravesse, afinal, eu faço a minha leitura e a
interpretação pessoal desses aspectos), mas sim de como seus corpos entendem
e podem nos ensinar sobre elas. Daí a proposta de convidar um ex-aluno e
dançarino Terena para dançar suas próprias cosmovisões me pareceu mais
coerente.
Eu tenho uma ótima relação com o dançarino em questão, pelo profundo
respeito por ele e por sua cultura, e ele vem me ensinando, muitos anos,
aspectos importantes sobre seu povo. Além disso, ele conhece o processo criativo
em dança que desenvolvo e toda a teoria que abarca minhas pesquisas, sendo
integrante do grupo de pesquisa que coordeno desde 2017 e já tendo sido dirigido
por mim em processos coeográficos outras duas vezes (um solo resultado de seu
TCC e em um espetáculo onde ele dançava com outros integrantes do grupo).
Ainda sobre a participação ativa do dançarino Terena na pesquisa, o escritor
indígena Daniel Munduruku nos lembra que é importante que os próprios sujeitos
que vivem as histórias devem ser os narradores da mesma, pois, para o autor,
existe um “importante papel da narrativa do sujeito para que a história possa ser
recontada a partir dos que viveram os fatos narrados” (Munduruku, 2012, p.74)
Deste modo, toda a pesquisa foi construída com base em um diálogo e no
encontro potente, ativo e afetivo entre nós dois, e busquei ao máximo torná-lo
coautor de cada etapa.
Claro que essa iniciativa não é uma novidade nas pesquisas e nos estudos
dos povos indígenas. O filósofo Emanuele Coccia (2003), ao escrever o prefácio de
uma dos livros resultantes da parceria entre o antropólogo Bruce Albert e o líder
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indígena Yanomami Davi Kopenawa5, já observa que o antropólogo inaugurou esse
tipo de discurso em seu primeiro livro com Davi Kopenawa, ao trazer o indígena
para narrar em primeira pessoa sua história, sua cultura e suas impressões sobre
o mundo. Emanuele Coccia observa:
O encontro etnográfico já não responde a uma necessidade de exotismo
e de vaga curiosidade pelo outro: não poderá se resumir, “como o
desejaria um certo anacronismo positivista, a uma” coleta de materiais”
de ‘fatos sociais’ independente do contexto histórico e político em cujo
seio a sociedade observada está em confronto com o observador”. Ele se
torna uma alquimis entre duas culturas que muda simultaneamente a
natureza de uma e outra e define o modelo de qualquer forma de
encontro e de associação (Coccia, 2023, p.15).
O diálogo entre mim e Ya vem sendo construído muitos anos e aos poucos
eu vou aprendendo a tornar essa relação horizontal, tentando não ocupar de
modo categórico o lugar da mulher branca e pesquisadora porém, sem deixar
de sê-lo, afinal, essa também é minha história e minha trajetória e é desse lugar
que estabeleço o diálogo aqui proposto. Essa é uma tarefa difícil - pois assumo
minha educação e minha formação colonizada e colonizadora - mas é um grande
exercício de alteridade e respeito que pretendo ampliar cada vez mais em meus
trabalhos acadêmicos e em minha vida pessoal, tendo sido também um dos
objetivos desta pesquisa. Assim, esse diálogo entre nós se estreitou e culminou
nas reflexões teóricas aqui traçadas e no trabalho coreográfico
Yakámokeno
(escuta!), como vou descrever ao longo deste texto.
Impressões sensíveis da Aldeia Lagoinha - MS
Apresento agora minha experiência na aldeia Terena Lagoinha, situada no
município de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul e nos acolhe de modo afetuoso
e generoso. Todas as vezes que estive - sozinha ou com o grupo de pesquisa-
fui recepcionada com sorrisos, afetos, muita comida, café, frutas e, principalmente,
com o tempo das pessoas que me receberam. Fosse na escola da comunidade,
na quadra da aldeia onde acontecem as festas, na casa onde vendem artesanatos
Terena, ou na casa da família de Ya, todos sempre pararam o que estavam fazendo
e me receberam, me escutaram e me contaram suas histórias.
5 Juntos, o antropólogo e o líder indígena Yanomami escreveram dois livros, ambos usados nesse texto e
presentes nas referências.
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A Aldeia Lagoinha é uma terra indígena Terena Taunay/Ipegue, localizada no
distrito de Taunay, pertencente ao município de Aquidauana, MS. Segundo censo
da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI, 2014), a aldeia Lagoinha possui
571 moradores, uma escola Municipal que oferece o Ensino Fundamental, uma
escola Estadual que oferece o Ensino Médio e um posto de Saúde Indígena.
O povo Terena é uma população originária da região do charco (Paraguai) e
são pertencentes ao tronco linguístico dos Aruak. Os Aruaks são povos que
habitavam principalmente as Guianas e algumas outras ilhas da América Central
(Bittencourt, 2000) e que, após a chegada dos europeus nas Américas, foram se
espalhando pela América do Sul, chegando ao Brasil e aqui se dividiram entre as
regiões do Rio Negro, Roraima, Amapá, Sul do Amazonas, oeste de Mato Grosso,
alto do Xingu, Região da cidade de Bauru (SP) e região do Pantanal do Mato Grosso
do Sul – onde se situa a aldeia Lagoinha.
Falamos de um povo da terra, das plantações e da agricultura. Sempre
cultivaram suas roças nessa região de Mato Grosso do Sul, onde se instalaram em
meados do século XIII. Porém, com o contato com o homem branco (
purutuyé)
e
nossa cultura, muitos Terena saíram da aldeia e foram para as áreas urbanas
para trabalhar e estudar. Esse movimento de branqueamento e aculturação é
chamado de período na história Terena, como nos descreve a pesquisadora
indígena Terena Rosa Maria Santana Marchewicz (2006, p.15):
O terceiro período corresponde à delimitação das reservas Terena, que
se estende do começo do século XX até os dias de hoje e tem sido
marcada pela maior proximidade com o
purutuyé
(branco), o que levou a
mudanças dos costumes dos Terena. Eles são obrigados a trabalhar para
os proprietários de terras particulares, porque a aldeia não oferece
sustento para a família.
Historicamente, verifiquei que as mudanças de costumes causadas pelo
contato com os não indígenas deu-se (e ainda se dá) de diversos modos, porém,
em relação aos aspectos mitológicos e cosmológicos que me interessam, destaco
a influência causada principalmente pela religiosidade. Segundo Rosalvo Ortiz
(2019), pesquisador indígena Guarani, essas missões religiosas pentecostais se
instauraram definitivamente entre os Terena da região de Aquidauana-MS, na
década de 1970.
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Ressalto, portanto, que a prática espiritual original Terena acontecia via
xamanismo, ou seja, uma prática definida, pelo escritor indígena Kaká Werá, como
um conjunto específico de técnicas baseadas na relação entre o ser humano e as
forças da natureza, associadas às práticas diferenciadas de percepção de mundo.
(Werá, 2016).
A relação dos indígenas Terena com a espiritualidade passa pelos aspectos
religiosos e pela atualização de seus mitos e ritos, hoje associado também aos
ritos e mitos católicos e pentecostais como nos explica a pesqusiadora indígena
Terena Graziele Aççolini (2012), ao descrever que, apesar da dominação da igreja
pentecostal entre os Terena, o xamanismo teve e ainda tem uma grande influência
na religiosidade desse povo, em especial na Aldeia Bananal, também situada na
região de Aquidauana-MS, que não foi o locus da presente pesquisa. Ainda assim,
é importante destacar a presença do xamanismo entre os Terena na atualidade e
a autora nos expõe que o termo
koixomunetíé
é usado ainda hoje para designar
xamã
e que, após o contato com o cristianismo católico, esse termo é
traduzido comumente pelos Terena para o português como “
purungueiro
”:
O termo
purungueiro
vem do instrumento utilizado no
“oheokoti-o”
ano
novo terena, período que marca o final dos tabus relacionados à colheita
e o recomeço de um novo ciclo cósmico - e nas sessões de cura,
a
“porunga”,
o maracá; designa quem utiliza a purunga nesses rituais
(Aççolini, 2012, p.33).
A autora também nos aponta que apesar de muitos Terena negarem a cultura
do xamanismo, mesmo disfarçada por outros nomes e designações, ainda existe
fortemente entre os Terena, e que a figura do xamã permanece respeitada e
temida nas aldeias:
[...] mesmo inconcebível ao protestantismo, o sistema xamânico terena
existe e se mostra tão vivo quanto antes, apropriando e
transformando novos elementos, apesar das mudanças e interferências
ocorridas. Tendo em vista especificamente a doutrina cristã-
protestante, a figura do curandeiro parece suprir conceitualmente o
abismo entre duas concepções de mundo diferentes que convivem
paralelamente, ora se mesclando, ora se distanciando, criando mais
exceções do que algum tipo de regra a ser seguida (Aççolini, 2012, p.34).
Em minhas conversas com Ya e nos laboratórios práticos de dança realizados
por nós, ficou claro que ele foi criado dentro religiosidade difundida pela missão
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indígena UNIEDAS6, sendo seu pai um respeitado pastor de uma das igrejas da
aldeia, e que seu interesse pelos aspectos xamânicos de sua cultura é
relativamente recente, tendo aparecido com muita força nos laboratórios de dança
e refletido algumas experiências pessoais e espirituais vividas por ele no dia a dia
da aldeia; o que nos ajudou a entender os aspectos da cosmovisão e da mitologia
Terena.
As idas à aldeia foram poucas, mas o convívio, as conversas e também dançar
com Ya foram a parte mais potente desta pesquisa. Assim, como o trabalho aqui
descrito é artístico, não existe relato antropológico ou sociológico sobre a aldeia e
para maiores informações dessa natureza é possível encontrar algumas fontes
que estão disponíveis na referência bibliográfica deste texto.
Encontros sensíveis com autores e cosmovisões indígenas
Como dito, me propus a ler o máximo possível os autores e autoras
indígenas para entender o que eles falam e pensam sobre suas cosmovisões e
seus modos de entender o mundo e, consequentemente, o corpo e a dança
uma vez que essa dicotomia entre mundo e indivíduo é uma estratégia racional
colonial.
Esclareço que fiz essas leituras primeiramente de modo geral, ou seja, li
muitos autores e muitas autoras indígenas - independentemente de serem da
etnia terena, incluindo também esses últimos. A intenção da leitura geral foi
verificar se existem ou não conexões e similaridades em seus modos de ver o
mundo, suas cosmovisões e mitologias. Claro que encontrei muitos pontos de
convergências, e também diferenças significativas uma vez que falamos de
inúmeras etnias, situadas em diversas regiões do Brasil, influenciadas mais ou
menos pela colonização o que também influencia profundamente suas ideias,
práticas e experiências no mundo.
Alguns autores e autoras indígenas nos apresentam uma visão ampliada de
suas cosmovisões, e vou destacar aqui dois aspectos convergentes na maioria das
6 A Igreja UNIEDAS é a mais antiga igreja evangélica junto aos Terena, inaugurada no ano de 1926, segundo relato
de seus frequentadores.
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etnias e que considerei importantes para podermos tratar dessas cosmovisões na
dança cênica e na educação.
O primeiro aspecto que destaco é que todos e todas autores e autoras
lidos/lidas compartilham da premissa de que a relação do humano com a natureza
é o ponto de partida para a compreensão do modo de vida e das cosmovisões de
suas etnias. Todos e todas aqueles e aquelas que li defendem a causa e a luta
pela preservação do meio ambiente, o que chamam de ecologia como um
fator político, todavia, pautado no sagrado; ou seja, ligado à essência da existência
e da manutenção do ser humano no mundo.
Como exemplo dessa relação da cosmovisão com a ecologia trago o
consagrado autor indígena Ailton Krenak (2019) que, em seus diversos discursos e
livros, nos propõe a compreensão do ser humano como parte de um conceito
ampliado de meio ambiente, ou seja, o autor propõe um alargamento do que
comumente entendemos por “recursos naturais”:
O Rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma
pessoa, não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo que
alguém possa se apropriar, é uma parte da nossa construção como
coletivo que habita um lugar específico, onde fomos gradualmente
confinados pelo governo para podermos viver e reproduzir as nossas
formas de organização (com toda essa pressão externa) (Krenak, 2019,
p.40).
Entender o rio como um ser encantado e no caso de Krenak, entendê-lo
como “avô”, ou seja, como um importante ancestral e parte de uma construção
de sociedade e do coletivo – ilustra a cosmovisão dos povos indígenas brasileiros,
que, em sua maioria, têm histórias sobre a criação e a manutenção do mundo
pautadas nesses seres da natureza, que desempenham papéis definitivos na
condução da história do universo e de suas comunidades.
A autora e poetisa indígena de etnia Kambeba ou Ômagua, Marcia Wayna
Kambeba, também revela em muitas de suas poesias a cosmovisão de seu povo
sobre a natureza, o meio ambiente e o ser humano, como aparece em seu poema
“Visão da Floresta” (2021):
Atrás da clareira eu vi um portal
Luzes florescentes
Vem do céu um sinal
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São Bençãos divinas para floresta animal
Chegou Pajé montado na onça
Balançou o maracá apontando para o ar
Lá vem jurupari para lhe ajudar
Levantou uma ventania, surgiu uma moça
Seu corpo era verde
Seus olhos cintilavam
Preciosos como cristal
A onça nem se mexeu
Hipnotismo afinal
O pajé recebeu
A bela que a floresta pariu
Veio cheia de encantos
Só o homem que não viu
Seu caminhar sereno
Seu cheiro de alecrim com breu
Anjo com alma de guerreira
Caminhou para perto da clareira
Um raio entrou no seu coração
Num grito falou:
Sou filha do trovão
Quero amor nessa terra
Vim punir quem promove devastação
Sou da paz, mas se preciso faço guerra
Aqui minha conversa encerra
E outro grito se ouviu
A arvore caule abriu
E a deusa entrou sem esperar
O beijo que o boto ia dar
Para encantado continuar ficar
E assim a floresta voltou a sonhar
Com tempos de glória
Em que não reine a escravidão
Do ter e do ser em forma de poluição
A verde Amazonia pulsar
Na veia de cada coração
( Kambeba, 2021, p.129)
A poetisa nos leva à compreensão de um mundo conduzido e protegido
pelos seres encantados, que são parte da natureza e que são os responsáveis pela
manutenção das florestas e do meio ambiente natural.
Ainda como um terceiro exemplo, podemos recorrer ao autor, xamã e ativista
indígena Yanomami, Davi Kopenawa (2023) que, em um de seus livros escritos em
parceria com o antropólogo francês Bruce Albert, nos alerta:
Não pensem que a floresta está morta, que tenha sido posta ali sem
motivo. Se estivesse inerte, nós também não nos mexeríamos. É ela que
nos faz mexer. Está viva. Não a ouvimos se queixar, mas a floresta sofre,
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como os humanos. Sente dor quando a queimam e suas grandes árvores
gemem ao cair. É por isso que não queremos deixar que a destruam
(Kopenawa, 2023, p.59).
Davi Kopenawa se tornou um importante porta-voz da ecologia da Amazonia
no mundo e seus relatos são referências importantes sobre o tema, sobre a
cultura Yanomami e sobre o xamanismo. Kopenawa nos explica essa relação entre
a cosmovisão com o meio ambiente para seu povo em inúmeros trechos de seus
escritos, como ao nos dizer que “só tem água em floresta com boa saúde. Quando
a terra fica nua, o espírito do Sol,
Mothokari a
, queima os rios. Ele os seca com sua
língua e engole seus peixes” (Kopenawa, 2023, p. 61).
Apesar da convergência inegável sobre a questão do meio ambiente, ao
olharmos mais profundamente para suas mitologias, as especificidades de cada
etnia aparecem, diferenciando-as umas das outras e, às vezes, diferenciando as
diferentes aldeias da mesma etnia.
No caso do povo Terena, da aldeia Lagoinha de Mato Grosso do Sul, a relação
com o meio ambiente está diretamente relacionada com a história dessa
população e com a localização da aldeia; ou seja, falamos de um povo que vive na
região Centro-Oeste do Brasil, no pantanal sul-mato-grossense e que tem sua
história e sua cosmovisão ancorada na vida pantaneira, na agricultura, na Guerra
do Paraguai (1864 a 1870), no clima quente da região, na disputa de terra com
fazendeiros e em uma relação longa e próxima com os não indígenas.
Como exemplo dessa relação com o meio ambiente eu transcrevo aqui um
de seus mitos sobre a criação do mundo tal qual encontramos em um livro de
autores não indígenas. Embora todos os Terena com quem conversei tenham uma
versão parecida da mesma história, faço a opção por transcrevê-la de um livro a
fim de ser mais fiel a esse registro, uma vez que, por ser tradição oral, ela possui
várias versões.
Havia um homem chamado Oreka Yuuakae. Este homem ninguém sabia
da sua origem, não tinha pai e nem mãe, era um homem que não era
conhecido de ninguém. Ele andava caminhando no mundo. Andando num
caminho, ouviu grito de passarinho olhando como que com medo para o
chão. Este passarinho era o bem-te-vi. Este homem, por curiosidade,
começou chegar perto. Viu um feixe de capim, e embaixo era um buraco
e nele havia uma multidão, eram os povos terena. E tes homens não se
comunicavm e ficavam trêmulos. Oreka Yuuakae, segurando em suas
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mãos tirou eles todos do buraco. Oreka Yuuakae, preocupado, queria
comunicar-se com eles e ele não conseguia. Pensando, ele resolveu
conovocar vários animais para tentar fazer essas pessoas falarem e ele
não conseguia. Finalmente ele convidou o sapo para fazer apresentação
no sua frente, o sapo teve sucesso pois todos esses povos deram
gargalhdas. A partir daí eles começaram o se comunicar e falaram para
Oreka Yuvakae que estavam com muito frio (Bittencourt; Ladeira, 2000,
p.22).
Ao lermos a história, verificamos que os Terena associam sua origem à terra,
pois eles estavam dentro dela antes de ocuparem o mundo que conhecemos.
Além disso, o povo foi encontrado graças a um bem-te-vi e se comunicou com
Oreka Yuukae
graças a um sapo. Podemos verificar a estreita relação desse povo
com a terra e com os animais, em especial com os pássaros: animal que
atravessou a experiência de composição coreográfica gerada nesta pesquisa,
como veremos adiante.
O segundo aspecto da cosmovisão indígena escolhido para tratarmos nesta
pesquisa é a relação dos povos indígenas com os estados expandidos de
consciência e com os sonhos. Esses aspectos do inconsciente vêm sendo
estudados por mim desde 2007, quando, em minha pesquisa de mestrado, iniciei
uma longa busca pela compreensão de possíveis caminhos de composição
coreográfica a partir do acesso ao inconsciente, o que culminou em minha
pesquisa de doutorado, que me revelou um caminho muito potente de trabalho,
usado ainda hoje por mim em minhas pesquisas individuais e em meu grupo de
pesquisa em dança. Essas pesquisas se pautaram, principalmente, nas discussões
desenvolvidas por Carl Gustav Jung7 (1875-1961) e suas teorias sobre arquétipos,
mitos e processos criativos.
Na pesquisa que trato aqui eu resolvi contra-colonizar essa perspectiva e
verificar o que os povos indígenas do Brasil entendem por inconsciente, mitologia,
estados expandidos de consciência e sonhos, verificando não só as convergências
possíveis entre esses pensamentos e os de Jung, mas, principalmente, tentando
entender esses temas a partir dos autores indígenas e de seus saberes ancestrais;
trazendo, assim, esses conhecimentos para minha pesquisa e para meu discurso,
7 Carl Gustav Jung foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia analítica e estudioso
profundo da mente humana.
Yakámokeno
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legitimando essas epistemologias e cosmovisões como conhecimentos
importantes de estarem presentes também na academia e tentando reparar erros
históricos relativos à ausência desses saberes neste local.
Esclareço que o conceito de contra-colonialidade vem sendo usado por mim
desde 2018 e foi criado pelo ativista quilombola e escritor Antônio Bispo dos Santos
(1959-2023), morto no decorrer desta pesquisa. Esse conceito ainda causa muitas
dúvidas e questionamentos, embora seja um conceito que vem sendo cada vez
mais usado pelos estudiosos. Destaco, também, que o próprio Antônio Bispo dos
Santos não concordava com seu uso desenfreado pela academia e, por isso, ainda
usamos o mesmo com ressalvas. O discuso contra-colonial não é uma
metodologia e sim um pensamento que conduz práticas e fazeres relativos aos
povos colonizados. Assim, guardando e respeitando essas ressalvas, o autor nos
esclarece que “vamos compreender por contra-colonização todos os processos
de resistência e de luta em defesa dos territórios dos povos contra-colonizadores,
os símbolos, as significações e os modos de vida praticados nesses territórios”
(Santos, 2015, p.48).
O que defendemos nesta pesquisa é que os modos de vida, os símbolos, as
significações e os processos de resistência dos povos indígenas sejam respeitados
como legítimos e como importantes saberes, que dialogam com nossa identidade
e que devem estar presentes na educação e na cena em dança.
Sabemos que a universidade é totalmente criada e pautada em modelos
europeus de conceitos e de transmissão de conhecimento:
As universidades brasileiras foram constituídas tendo como modelo as
universidades europeias modernas e, para isso, operaram sob o signo de
uma dupla negação, científica e cultural. Nesse processo, foram excluídos
os saberes científicos e tecnológicos dos nossos povos tradicionais
indígenas, afro-brasileiros e quilombolas e também as tradições
culturais, inclusive populares, dos nossos povos e comunidades, como se
o ambiente universitário comportasse apenas as expressões culturais de
cunho ocidental associadas com a modernidade e com uma ideia de
erudição música erudita, teatro, artes plásticas, dança moderna, cinema
etc. (Hartman;Carvalho; Silva; Abreu, 2019, p.10).
Por isso, vejo o movimento contra-colonial como um grande aliado teórico e
prático na busca de transformação dessa estrutura colonizada, porque ele
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pressupõe também uma prática de reafirmação desses conhecimentos
tradicionais como parte da resistência à colonização.
Considero também importante expor que não tem como essa pesquisa ser
completamente contra-colonial, uma vez que sou uma mulher branca, acadêmica
e que mesmo sendo apoiadora, aliada e parceira dos movimentos contra-
coloniais eu não posso falar pelos povos oprimidos pela colonização. Sei e
assumo que, ao me dispor a pesquisar a cultura indígena, devo me colocar como
aprendiz e assumir meus limites neste discurso.
Assim, ao assumir uma postura contra-colonial, assumo que ainda temos
muito a estudar sobre o assunto e que esse também é um importante aspecto
desta pesquisa: me ensinar a assumir cada vez mais essa postura e, em um efeito
ressoante, ensinar aos meus alunos e alunas a reparação epistêmica tão
necessária.
Esclarecido o conceito e a contra-colonização, volto ao que os povos
indígenas entendem pelo que chamamos de estados expandidos de consciência,
tentando estabelecer uma relação de suas compreensões sobre esse tema com
aquela convencionada por Carl Gustav Jung, em uma tentativa de contra-colonizar
esse discurso.
Kaká Werá, autor indígena do povo Tapuia, em seu livro “O Trovão e o Vento”
(2016), discorre sobre o modo como os povos originários do Brasil entendem os
estados expandidos de consciência para explicar o Xamanismo, fazendo uma
analogia com os estudos da psicanálise de Carl Gustav Jung :
Alguns estudiosos chamam essas percepções relacionadas ao transe e o
êxtase psíquico de “estados alterados de consciência”. A ideia é a busca
de entendimento de diversos padrões mentais, desde os que levam ao
extremo desequilíbrio até aos que conduzem à serenidade e à paz. Pelos
estudos comparativos de culturas diversas, os estudiosos verificam que
existe uma misteriosa relação entre os estados mentais e as energias
primordiais: terra, água, fogo e ar. Em uma linguagem junguiana, tais
energias são arquétipos que estruturam as funções psíquicas da alma
(Werá, 2016, p.43).
Embora não seja nosso foco neste texto nos aprofundarmos nos conceitos
de arquétipos, é importante entendermos do que Kaká Werá fala na citação acima.
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Os arquétipos foram conceituados e estudados por Jung que os define como uma
energia psíquica, ou uma tendência instintiva extremamente dinâmica, carregada
ao mesmo tempo de imagem e de emoção e que é uma tendência de dar formas
às mesmas representações de um motivo (Jung, 2008). Essas representações de
um mesmo motivo também aparecem nos diversos mitos e nas diversas
cosmovisões dos inúmeros povos espalhados pelo mundo, e com os povos
indígenas do Brasil não é diferente.
Em minha pesquisa de doutorado e em diversos artigos publicados por mim
e por meus orientandos ao longo dos últimos anos, defendo os estados
expandidos de consciência como caminho para acessarmos esses arquétipos – e,
consequentemente, os mitos – e transformá-los em movimentos expressivos em
dança. Acredito que o inconsciente do artista revela muitos conteúdos que podem
ser usados como inspiração poética para a cena e que o corpo, por sua vez, dialoga
diretamente com esses conteúdos, uma vez que entendemos o corpo para além
de sua dimensão física, considerando-o como uma soma de inúmeras dimensões
e aspectos, como os emocionais, os psíquicos, os religiosos, os políticos, os
culturais e sociais, etc.
Kaká Werá continua seus escritos nos falando agora sobre os estados
expandidos de consciência para os indígenas e sua relação com a expansão
também do corpo, da mente e com o sagrado:
Em certa época da humanidade, floresceu a ideia de que para haver um
tipo de comunicação com entidades da natureza ou mesmo com deuses,
era necessário expandir canais de percepção. Para isso, os homens
descobriram alguns recursos possíveis como: o uso de determinadas
plantas ou raízes como ativadores de canais perceptivos, os cantos
rítmicos e mântricos; as danças e gestos em determinadas coordenadas
de execução (Werá, 2021 p.45).
O que buscamos fazer em laboratórios de dança é expandir a percepção a
partir do movimento dançado, deixar com que as imagens do inconsciente
emerjam e potencializem o corpo expressivo e, em um movimento cíclico de
retroalimentação, o movimento dançado torna-se gerador e potencializador de
novas imagens do inconsciente, que serão novamente dançadas.
A analogia com as estados expandidos de consciência também aparece na
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relação que tanto Jung quanto os autores indígenas estabelecem com os sonhos,
conforme nos mostra o autor indígena Daniel Munduruku, da etnia Munduruku, que
nos explica sobre o sonho no modo de vida, e, consequentemente, na cosmovisão
dos povos indígenas:
Outro aspecto relevante da vida indígena é o sonho. Ele faz parte da
crença de que há mundos possíveis de serem encontrados. O sonho é a
linguagem do universo para nos lembrar que somos parentes de todos
os seres vivos que co-habitam conosco esse planeta. Pelo aprendizado
do sonho, instalamos em nós uma espécie de software que atualiza a
memória que nos torna pertencentes a uma coletividade universal e nos
faz sair da prisão que o corpo nos impõe. Daí que entendemos como o
saber de um povo é, ao mesmo tempo, local e universal mesmo que ele
não tenha consciência disso (Munduruku, 2012, p. 72).
Segundo Munduruku e outros autores e autoras indígenas estudadas, o sonho
é um caminho de abertura para o inconsciente. É nele que muitos povos indígenas
encontram respostas para suas dúvidas, orientação para suas escolhas e onde
muitas revelações acontecem, sendo, portanto, parte importante de suas
cosmovisões.
Os saberes “locais e universais”, citados por Munduruku, também são
explicados pela teoria Junguiana a partir do que ele chama de inconsciente
individual e coletivo. O que Munduruku chama de “saberes locais”, estariam, para
Jung, localizados em uma camada da consciência de natureza pessoal, que se
caracteriza, em parte, por aquisições derivadas da vida individual e em parte por
fatores psicológicos, chamado inconsciente individual (Jung, 1979, p.11). o que
Munduruku chama de “saberes universais” seriam aqueles constituídos pelo
inconsciente coletivo que Jung caracteriza como sendo aqueles componentes
coletivos ou impessoais, muitas vezes herdados e onde se encontram, por
exemplo, os arquétipos (Jung, 1979, p.33) ou imagens primordiais citados e
explicados anteriormente.
Vemos aqui mais um paralelo entre os modos de pensar ocidental e o
indígena, o que nos mais uma pista de que os conhecimentos indígenas podem
nos auxiliar na compreensão de muitos aspectos do mundo e da natureza humana,
sendo saberes que não precisam ser explicados apenas pelo ponto de vista
europeu, entretanto, podem ser esclarecidos pelos saberes ancestrais de nossos
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povos originários.
Davi Kopenawa, em seu grande tratado sobre seu caminho no xamanismo “A
Queda do céu: palavras de um xamã yanomami” (2015), nos descreve a importância
dos sonhos para seu povo e como os mesmos são considerados estados de
expansão de uma consciência maior.
Quando eu era bem pequeno, meu pensamento ainda estava no
esquecimento. Entretanto, costumava ver em sonho seres assustadores
que chamamos
Yai t´ë.
Por isso era comum me ouvirem falar e chorar
durante a noite. [...] alguns meninos de nossa casa sonhavam assim.
Não sabíamos o que atrapalhava o sono, mas eram os
xapiris
que
vinham a nós (Kopenawa; Albert, 2015, p.89).
Na cultura Yanomami,
xapiris
são os espíritos sagrados da floresta que se
manifestam e se comunicam com os xamãs primeiramente por meio dos sonhos:
é deste modo que seu povo identifica quem são os xamãs da aldeia. Ele diz que
naquele tempo (sua infância), os espíritos vinham visitá-lo o tempo todo. “Queriam
mesmo dançar pra mim; mas eu tinha medo deles. Esses sonhos duraram toda a
minha infância, até eu me tornar adolescente” (Kopenawa; Albert, 2015, p.89).
Trago esses exemplos pois o caminho que usamos para a composição
coreográfica se relaciona diretamente com esses estados de sonho e de expansão
de consciência. Assim, trazendo à tona o primeiro aspecto descrito neste texto -
a relação dos Terena com a ecologia - o dançarino entrou em contato com seus
sonhos e com imagens e memórias do inconsciente, que foram usadas como
material poético para a criação cênica.
Dançando a poesia da cosmovisão Terena
Entendendo os dois aspectos tratados acima, ou seja, a relação dos indígenas
com a ecologia e com os sonhos e estados expandidos de consciência, chegamos
ao centro do trabalho coreográfico realizado ao longo desta pesquisa, juntamente
com o dançarino Terena. O processo que descreveremos vem sendo desenvolvido
por mim muitos anos e se pauta em três pilares: experiência corpóreo-sensível,
improvisação a partir da memória corporal e organização coreográfica.
O primeiro pilar, a experiência corpóreo-sensível, é chamada em outras
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pesquisas de “pesquisa de campo”, e até muito pouco tempo eu mesma a
chamava assim. Porém, depois de muitas experiências como essas vividas por
mim e por meus alunos e alunas, verifiquei que esse termo não se encaixa no tipo
de vivência que temos. O que chamamos de “pesquisa de campo” na antropologia
e, em alguns casos nas artes cênicas, é entendida como uma tradição
comprometida com uma função documental e uma representação naturalista,
impulsionadas pela participação e observação distanciadas e disciplinadas nos e
dos mundos vitais de outros, tomados formalmente como “objeto” de pesquisa
(Marcus,2004, p.134).
o que fazemos nos processos em dança consiste em um procedimento
de imersão e vivência sensível em que a observação não é qualitativa ou
quantitativa e tão pouco distanciada. Os lugares escolhidos não são tratados como
“objetos de pesquisa” e não estamos ali com nehuma intenção documental ou
naturalista-realista, e sim sensorial. Portanto, não vamos aos locais escolhidos
para coleta de dados, anotação de impressões ou registro das manifestações que
ali nos interessam, mas vamos com o corpo aberto para a apreensão sensível de
todo e qualquer atravessamento.
Também não se trata de uma pesquisa no campo da etnocenologia8
embora muitos aspectos desta estejam presentes no tipo de pesquisa em dança
que desenvolvo como, por exemplo, os aspectos epistemológicos da
etnocenologia definidos por Armindo Bião (2007, p.34), tais quais: alteridade,
teatralidade e espetacularidade, estados de corpo e estados alterados de
consciencia e transculturação e matrizes estéticas. Embora esses aspectos não
sejam profundamente tratados neste texto -uma vez que não é o tema deste
artigo enfatizo que eles contribuem com o pensamento e com a prática contidas
nesta pesquisa, tendo sido estudados por mim para a construção do processo
criativo que aqui descrevo.
Na experiência corpóreo-sensível o que nos interessa são os
atravessamentos subjetivos vivenciados pelo dançarino em campo. Esses
8 A Etnocenologia pode ser compreendida como o estudo das práticas e comportamentos humanos
espetaculares organizados, que tem por objetivo o estudo das artes do espetáculo, os ritos espetaculares e
as interações sociais de determinados povos ou etnias (Camargo, 2007, p.77).
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atravessamentos podem acontecer a partir da dança propriamente dita, mas
podem ocorrer por meio de uma criança que apareceu e ficou assistindo a dança
conosco e que nos chamou atenção. Pode ser pela música que entra em nossa
mente e vai conosco para casa. Pode ser a partir do cheiro do incenso ou da
comida, que nos lembra nossa infância. Pode ser por meio daquela dançarina que
desenhou o espaço com seu corpo de modo hipnotizante.
Figura 1 - Yákamokeno- Jonatas Moreira (Ya)
Foto: Gabriela Salvador
A experiência sensível em locais da cultura popular ou tradicional nos leva a
experienciarmos com todo nosso corpo aquele local que é sempre repleto de
imagens, sensações, ancestralidade, valores, cosmovisões e epistemologias
especiais. Falamos aqui de experiência pessoal, da expressão subjetiva individual
de cada pesquisador-dançarino que se propõe a estar nos locais escolhidos e
vivenciar aquela cultura de modo sensível.
Adailton Santos nos esclarece que:
Nestes termos é fácil perceber que as artes tem seus métodos, as
religiões tem seus métodos, as filosofias tem seus métodos, assim como
as ciências os tem, e que cada saber foi forjando o seu caminho em
função de suas ações, o que não torna a metodologia em geral
especificidade de nenhum dos grandes ramos de saber humano, muito
menos propriedade de nenhum deles em particular, como nos faz crer
hoje a hegemonia da metodologia científica, como imagem dominante de
método, em nossa cultura (Santos, 2007, p.59).
A partir dessas considerações, esclareço que chamo este tipo de pesquisa de
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“corpóreo-sensível”, assumindo que ela é subjetiva, mas que também é resultado
de estudos e experiências advindas de diversos campos de conhecimento,
incluindo aqueles desenvolvidos por outros artistas pesquisadores que praticam
algo semelhante e que me ensinaram e me inspiram a realizar pesquisas deste
modo.
Na experiência corpóreo-sensível não existe regra para o que o campo de
pesquisa vai nos oferecer; o corpo do artista-pesquisador é aberto, poroso,
dilatado, atento aos mínimos e máximos detalhes que movem seu olhar, seu corpo
e suas sensações.
Nesta primeira etapa, fui apresenta à aldeia e à familia de Ya e pude participar
da festividade ocorrida na aldeia em comemoração ao dia dos povos indígenas (dia
19 de abril), quando pude assistir às danças Terena9 - uma delas dançada também
por Ya. Nesta etapa ele conversou diversas vezes com seus parentes e com seus
mais velhos para entender suas experiências pessoais espirituais, seus sonhos e
presságios e investigar mais profundamente a cultura e a cosmovisão de seu povo.
Ele sempre compartilhou tudo isso comigo em muitas conversas que tivemos
sobre esses temas e nos laboratórios de dança, onde esses aspectos apareceram
em forma de movimento expressivo.
Entre todas essas experiências corpóreo-sensíveis vividas, sabemos o que
o local, a cultura ou o aspecto escolhido para o trabalho nos deu de material
poético quando vamos para a segunda etapa do processo criativo: a improvisação
em dança a partir da memória corporal.
A partir de uma metodologia especifica10 usada neste processo, acionamos
as memórias e os registros que o corpo traz dessa experiência sensível,
transformando-as em movimentos expressivos de dança. Esse processo, como já
foi dito, é pautado em estados expandidos de consciência e são acionados pelo
corpo em movimento e em estado de improvisação. Destacamos que o corpo em
improvisação dançada, pode acionar o inconsciente do dançarino ou da dançarina,
9 A dança feminina Terena é chamada “Siputerena” e a dança masculina é chamada “Dança da Ema” ou “Bate-
Pau” ambas são dançadas nas festividades da aldeia, em especial no dia dos povos indígenas.
10 Toda essa metodologia está minuciosamente detalhada em: Gabriela D.D. Santinho O corpo mitológico na
dança. Curitiba: CRV, 2019.
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que, por sua vez, libera imagens e movimentos que expressam os registros
sensíveis da experiência vivida.
Assim, aquela música, aquele cheiro, aquela dança, aquela dançarina ou
aquela criança vista e vivenciada na primeira etapa do processo podem surgir na
forma de movimento expressivo e revelar o que a experiência sensível ofereceu
de material poético ao dançarino.
Esse processo criativo é longo, pois se trada de um “processo” e, como tal,
deve ser minucioso, deve levar tempo, deve ser composto por erros e acertos e
deve, acima de tudo, ser degustado. Além disso, por se pautar no inconsciente e
em memórias sensíveis-corporais significativas, pode mexer profundamente com
as emoções do dançarino e isso requer um cuidado muito especial. Não podemos
ser levianos com essas memórias, com esses conteúdos corporais que se revelam
na dança e, principalmente, não podemos ser levianos com os locais e com as
pessoas que nos oferecem essas experiências sensíveis.
Portanto, a devolutiva ao local onde foi realizada a experiência corpóreo-
sensível deve ocorrer sempre (normalmente, levamos o trabalho coreográfico para
ser apresentado e discutido no local) e deve ser igualmente sensível e cuidadosa
para que não ocorra nenhuma interpretação equivocada, mas sim, o que
chamamos de tradução poética do campo sem cairmos em equívocos, como,
por exemplo, na temida “apropriação cultural”, com a qual nos importamos muito
e tomamos todo o cuidado para não realizar.
Sempre nos colocamos na pesquisa a partir de uma postura de respeito e,
principalmente, artística, ou seja: aqueles locais e aquelas pessoas onde buscamos
inspirações poéticas nos ajudam a criar, são parte da criação e jamais serão
objetos de pesquisa. Por isso, estar com o Ya, chamá-lo para participar de todas
as decisões e ações e colocá-lo para dançar suas experiências foi tão importante
neste trabalho e por isso a importância do diálogo estabelecido entre nós dois.
Finalizamos a descrição desta etapa prática da pesquisa esclarecendo que
ela foi realizada com toda a preparação para a ativação do estado corporal
desejado e logo o dançarino realizou movimentos que trouxeram para a cena sua
história pessoal como, por exemplo, sua vida na aldeia, a terra vermelha e a roça
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de seu pai. Ele me relatou que, em laboratórios de dança, sentiu seu corpo dançar
na terra batida da roça, enquanto seu pai observava sua dança, sentado embaixo
de uma árvore. Essa imagem apareceu muitas vezes para ele e integrou-se na
coreografia final.
Ainda neste laboratório os primeiros sinais do tema central da composição já
começaram a aparecer: sua relação espiritual com os pássaros de sua aldeia.
Dançando ele me mostrou em seu corpo que olhos de pássaros o observavam:
ora ele era um pássaro, ora ouvia e sentia a presença de um pombo. Em um
determinado momento do laboratório, o som do canto do juriti da mata11 surgiu
em sua memória e foi ficando cada vez mais alto, o que lhe causou medo, pois
este é um pássaro que traz maus presságios para os habitantes de sua aldeia12.
Figura 2-Yákamokeno- Jonatas Moreira (Ya)
Foto: Gabriela Salvador
11 Juriti é um pássaro columbiforme da família Columbida, é muito presente em Mato Grosso do Sul e tem
um canto típico, fácil de reconhecer.
12 Segundo relatos de Ya, para seu povo, quando o juriti canta alguma morte acontecerá na aldeia.
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O dançarino teve muitos sonhos e muitos presságios ao longo de nosso
trabalho e a cada um deles ele conversava com seus parentes e amigos, tentava
entendê-los a partir da cultura de seu povo, associando os mesmos com sua
cosmovisão e depois, nos laboratórios de dança, tudo se transformou em
movimentos dançados, acionados pelos estados expandidos de consciência.
Processos como este podem ser muito longos, pois o insconsciente possui
um potencial infinito. As minhas idas à aldeia e a experiência vivida com Ya nos
deram muito material poético, mas chega um momento em que todo esse
material precisa ser organizado e, então, adentramos na última etapa do trabalho:
a organização coreográfica das imagens, sensações e memórias trazidas à tona
nos laboratórios.
Essa última etapa é mais familiar dentro dos processos de criação em dança,
uma vez que consiste em selecionar momentos e movimentos surgidos em
laboratórios e organizá-los coreograficamente e dramaturgicamente, de acordo
com o que queremos expressar. Nesta etapa, a partir de muitos laboratórios
dançados por Ya, observados e dirigidos por mim, selecionamos os movimentos
expressivos que mais diziam sobre a cosmovisão Terena e a relação de Ya com
ela. Então, montamos o solo
Yakámokeno
(escuta!), que é em um grito de dança
que reinvidica seu lugar de fala, a valorização de sua cultura, seus direitos
enquanto cidadão brasileiro e também faz uma alusão poética aos sons dos
pássaros e aos mitos relacionados a eles segundo seu povo, e que também devem
ser ouvidos!
Concluindo: ou abrindo novos caminhos
Esclareço que não me ative a escrever com muitos detalhes sobre a
metodologia deste tipo de processo criativo, uma vez que ele foi descrito por
mim em inúmeros textos e artigos. O importante aqui é, também, destacar que o
processo em si é a etapa mais cara para mim. Muito me interessa a relação que o
corpo estabelece com as memórias e atravessamentos advindos da experiência
corpóreo-sensível nos locais que visitamos. Esse trânsito aberto e escancarado
entre corpo físico e o inconsciente nos um material imensamente rico de
trabalho para a expressividade em dança. É empolgante ver os corpos dos
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dançarinos e das dançarinas se transmutando em novos corpos e quando eu
realizo o processo em meu corpo, sinto um fluxo profundo de energia e de
expressividade, o que torna o processo um lugar de muita criatividade, novas
descobertas e muita potência de vida.
Ali, no momento do processo, eu entendo o que os autores indígenas falam
sobre o estado de sonho, sobre as percepções ampliadas do mundo e a potência
dessas sensações para que ocorram transformações significativas em suas vidas.
Posso arriscar dizer que uma das importantes diferenças entre este trabalho
cênico e o modo profundo como os indígenas lidam com esses estados de
consciência está no direcionamento da energia gerada e movida por eles. Sendo
uma artista não indígena, eu canalizo essa potência para o estado de criação em
dança e tento transformá-la em composições coreográficas, buscando aprender
e ensinar por meio da dança -portanto subjetivamente - os importantes valores
contidos nela.
Foi essa potência contida no processo criativo que me moveu no trabalho
com os indígenas Terena, suas danças, suas mitologias e cosmovisões: entender
onde meu corpo dialoga com o deles em um movimento profundo de alteridade
e respeito que vem sendo construído desde que cheguei em MS e que sinto ainda
ter muito caminho a trilhar e, depois, a dançar.
Os resultados deste processo, que não considero totalmente concluído
afinal, pesquisas que versam sobre corpo e as subjetividades das cosmovisões e
do inconsciente abrem mais portas do que fecham são reflexões teóricas, como
às aqui traçadas, e um estudo coreográfico potente, no qual o povo Terena e sua
cosmovisão são revelados. Porém, a composiçõo revela principalmente a pessoa
do Ya: um homem indígena Terena, professor de Arte, dançarino, ativista do
movimento indígena e um ser humano que tem em seu inconsciente (local e
universal) muita história que pode ser contada a partir da dança e que pode
contribuir significativamente com a educação brasileira.
Esse texto procurou mostrar que essa pesquisa não se finda aqui, abrindo
novos caminhos de prática e de reflexão em dança e mostrando que os Terena
têm muito a nos ensinar sobre sua cosmovisão, sua relação com a ecologia e com
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os estados expandidos de consciencia. Acredito que, ao levar esse trabalho cênico
para as escolas, poderemos reparar erros históricos e despertar interesse,
consciência e respeito aos saberes deste povo que tanto contribuiu e continua
contribuindo para a formação do estado de Mato Grosso do Sul.
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Recebido em: 12/02/2024
Aprovado em: 01/04/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br