A transfobia como trauma e critério curatorial da cisnormatividade
Oliver Olívia Lagua de Oliveira Bellas Fernandes
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-17, abr. 2024
cisgeneridade e
ontologicamente inferior
a ela – como Eva, que, mesmo também
sendo humana no Éden, no fundo não passa de uma costela de Adão. Assim, o
golpe da cisnormatividade para garantir sua sobrevivência e perpetuação de seu
império colonizatório é através da violência onto-epistêmica de dizer o que a
transgeneridade é, mas sob seus próprios termos
.
Esse pequeno capítulo tem no título o jogo comparativo da genitália como
placebo da cisnormatividade porque, mesmo que a eleição do esquema
biologia/sexo/genitália como subterfúgio basal de imposição de sua supremacia
tenha diversas falhas argumentativas
passíveis de serem contestadas, é ainda
nesse mesmo conceito de “genitália” que a cisnormatividade se agarra
desesperadamente para adiar, ignorar, e/ou se iludir de que não acontecerá sua
auto experiência de morte. O conceito hegemônico de “genitália”, portanto, é um
placebo, pois ele conforta e parece funcionar para a cisnormatividade como
manutenção de sua vigorosidade, apesar do conceito em si
não significar nada
do
que se pressupõe a significar de fato,
ser vazio em sua potência substancial
.
Também, tal como um placebo, ele só funciona mediante a crença e insistência
invariável do paciente em sua eficácia, e daqui voltamos ao trauma: quanto mais
a cisnormatividade se dissolve pela expansão de
presenças e epistemologias trans
,
mais ela, em estado de negação regressiva, insiste em seus placebos para adiar o
seu fim.
Se há a marca cisgênera do capitalismo (capitaliCISmo), poderíamos
inferir que, da mesma forma que seria notadamente mais fácil imaginar
o fim do mundo do que o fim do capitalismo, seria também mais fácil
imaginar — e comercializar — o fim do mundo do que conceber — e
fabular — o fim da cisgeneridade? Não estaria a ideia de "fim de mundo”
tentando camuflar os verdadeiros fracassos coloniais? Assinalamos aqui
que, o tal de "fim de mundo” refere-se, antes, ao fim de um mundo: o
mundo da branquitude, o mundo da cisgeneridade, o mundo
adultocêntrico, o mundo capacitista, etc. (Leal, 2021, p. 5).
A conclusão, portanto, é de que a transfobia não é fruto de uma incapacidade
da cisnormatividade de
reconhecer de fato
um corpo trans – o que muito se
observa em discursos de pessoas cisgêneras como “é difícil para mim” ou “eu não
consigo entender” –, mas de uma necessidade traumática de
negar o momento
do reconhecimento
que – como coloca Hegel – é sucedido pela experiência da
morte, de sua dissolução. Os corpos não-cisnormativos, trans, enfim, talvez não