Sim, mulher brinca mamulengo: narrativas de mulheres brincantes
Luanna Ferreira da Silva | Fabíola Resende I Rodrigo Matos-de-Souza
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-25, abr. 2024
Eu abri uma associação de mulheres, fazia recreação com orientação de
resgate de brincadeiras com as crianças trazendo lá de dentro do meu
universo. E depois só mais tarde, quando eu cheguei aqui em
Taguatinga, com os meus bonecos, com as minhas coisas, e com a
convivência com o pessoal já da arte que já estava despontando,
carroça de mamulengos
, pouco contato, mas já tinha um contato. Aí
tive contato com o Mestre Zezito12, ele tinha acabado de chegar do
Ceará; eu fui morar no P Sul e por um acaso ele foi morar vizinho de um
amigo meu, do Aroldo que era militante comigo no partido, e aí olha...
tem um homem com uns troços aqui que você precisa ver, precisa
chegar... e aí cheguei no Mestre Zezito e aí ele disse: olha, mas como
assim, isso é arte! [...]. Aí o mestre viu meus bonecos, minhas criações,
ele disse ‘nossa, que bacana’. Ele tava num processo de resgatar as
brincadeiras dele [...]. Aí ele disse: Nossa, Tetê, que bonitos os seus
bonecos! [...] aí eu disse, mestre deixa eu ficar perto de você só para
mim viver essas coisas e tal e eu fiquei perto do mestre e fiquei
discípula (Mestra Tetê Alcândida, 2022, Apêndice 5, p. 17).
Deste encontro com Mestre Zezito, com o reconhecimento da produção de
sua arte na criação de bonecos, eles passam a fazer teatro-escola e, a partir
disso, a conviverem com outras pessoas das artes. A mestra nos conta que eles
resolveram participar de um evento popular chamado “Temporadas populares”, o
qual era financiado pela Secretaria de Cultura do DF. Montaram o espetáculo
Romance do pavão misterioso
, uma história de cordel. Com a participação deste
espetáculo, a mestra Tetê Alcândida amplia seus contatos ainda mais, tais como
Aguinaldo Algodão, Chico Simões e Izabela Brochado:
A gente montou o espetáculo do
Romance do pavão misterioso,
que eu
comecei fazendo o teatro de sombras, que era uma coisa que me
encantava muito. [...] Eu fazia sombra, então assim, eu tenho a Isabela
Brochado, mulher, mestra, doutora, fez doutorado neste segmento, né...
é uma referência muito forte para mim, que até então não tinham
mulheres; eram poucas mulheres, atrizes, poucas mulheres brincantes,
e neste universo das bonecas eram pouquíssimas, tinha a Zete que era
anterior a gente, a Bela e as esposas dos mestres, mas essas não eram
nem citadas, né. O machismo deles não permitia. Agora, hoje já tem
mestres que agora já reconhece isso, ‘ah era o machismo da gente que
não deixava vocês despontarem’ (Mestra Tetê Alcândida, 2022, Apêndice
5, p. 18).
Quase não existiam mulheres brincantes no Distrito Federal. Segundo
12 Mestre Zezito foi o fundador do “Circo Boneco e Riso”, o mestre foi um dos primeiros brincantes do DF.
Transformou a vida de crianças e adolescentes em situação de risco e se tornou figura inesquecível para
o circo e para a cultura popular do DF. (Cultura Candanga, 2023).