Espaços de subordinação da mulher na adaptação mineira de
A Tempestade
de William Shakespeare
Laura Ribeiro Araújo
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-17, abr. 2024
de discussões formadoras do pensamento pós-colonial e pós-patriarcal, mas é
notável como abordagens essencialmente feministas de
A Tempestade
são
relegadas na academia (Thompson, 1998; Slights, 2001; Rackin, 2005; Lara, 2007)
em favor de leituras que coloquem não só Miranda, mas também Sycorax e
Claribel — personagens apenas referenciadas ao longo do texto — como
meramente acessórias em suas análises. Assim, quando Ann Thompson nos
pergunta sobre a relevância do gênero de Miranda para a peça, podemos pensar,
também, sobre o modo como o isolamento de seu gênero também contribui para
essa invisibilização do feminino nas leituras d’
A Tempestade
.
A trama desse drama romântico6 (ou cômico, a depender da classificação
utilizada) nos traz Próspero, traído, deposto e exilado de seu ducado em Milão, e
Miranda, sua filha, habitando uma misteriosa ilha no Mediterrâneo. Ambos
sobrevivem ao mar com o auxílio de Gonzalo, conselheiro do rei, que se apieda da
dupla e lhes envia para a morte com alimentos, roupas e livros. É graças a esses
livros que Próspero aperfeiçoa sua magia e toma controle não só da terra, mas
também de seus habitantes, como meio de preparar sua vingança contra os
responsáveis por sua deposição. Para além da questão do feminino, a peça,
recheada de elementos que hoje chamaríamos fantásticos, é prato cheio para
pensarmos também sobre brasilidades: em sua tese de doutorado, José Carlos
Marques Volcato (2007) aponta para os traços de Brasil possíveis de serem
detectados na composição da peça, mas que passam despercebidos como sendo
inspirados pela cultura, história ou geografia brasileira — algo que o autor apelida
de “invisibilidade brasileira no exterior”. Assim, tomando em consideração essas
“pistas de brasilidade” presentes na peça, não é surpresa que
A Tempestade
de
Shakespeare
convide adaptações e apropriações centradas em aspectos
particulares à cultura de nosso país.
É nesse cenário que surge
O Toró
, peça adaptada e encenada pela Trupe de
Teatro e Pesquisa que estreou em Belo Horizonte em outubro de 2023. Partindo
do texto em inglês de
A Tempestade
, a trupe traz ao palco um Coronel Próspero
6 A partir do século XIX a categoria de “romance”, em inglês, passou a ser utilizada para designar o gênero
dramático adotado nas quatro peças do período tardio de Shakespeare:
Péricles, Cimbelino, Conto de
Inverno
e
A Tempestade
. Sem me aprofundar nas especificidades desse processo, sugiro a leitura de
“Shakespeare and Romance” (2004), de Darlene Greenhalgh, para uma visão geral do tema.