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Perspectivas sobre a cena acessível a partir da
análise do espetáculo
Birita Procura-se
Sidnei Mauro de Melo Junior
Marcia Berselli
Vinicius Rodrigues de Souza
Para citar este artigo:
MELO JUNIOR, Sidnei Mauro de; BERSELLI, Marcia; SOUZA,
Vinicius Rodrigues de. Perspectivas sobre a cena acessível
a partir da análise do espetáculo
Birita Procura-se
.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 50, abr. 2024.
DOI: 10.5965/1414573101502024e0207
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Perspectivas sobre a cena acessível a partir da análise do espetáculo
Birita Procura-se
Sidinei Mauro de Melo Junior | Marcia Berselli | Vinicius Rodrigues de Souza
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-25, abr. 2024
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Perspectivas sobre a cena acessível a partir da análise do
espetáculo1
Birita Procura-se2
Sidnei Mauro de Melo Junior3
Marcia Berselli4
Vinicius Rodrigues de Souza5
Resumo
O artigo apresenta a análise do espetáculo
Birita Procura-se
, criação de
Ariadne Antico e Ésio Magalhães. Com enfoque na perspectiva da
acessibilidade, o estudo busca observar como a atuação da palhaça,
especialmente com o uso do
flop
, recurso específico da palhaçaria, favorece
o estabelecimento de uma cena acessível, na qual os marcadores de
deficiência são revisitados a partir do deslocamento do parâmetro de
normalidade. Como abordagem metodológica, utiliza-se a audiodescrição
(AD) e o questionário apresentado por Pavis na obra
A análise dos espetáculos
(2003). A AD, por operar transversalmente no estudo, é destacada e
exemplificada.
Palavras-chave
: Análise de espetáculos. Cena acessível. Palhaçaria. Teatro.
Acessibilidade.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Camila Steinhorst, mestra em Letras pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
2 Trabalho resultante de pesquisa financiada pelo CNPq e pela FAPERGS.
3 Graduado em Artes Cênicas - Bacharelado com ênfase em Direção pela Universidade de Santa Maria (UFSM).
Graduando em Artes Cênicas - Bacharelado com ênfase em Atuação na UFSM. Bolsista PROBIC/FAPERGS
junto ao Grupo de Pesquisa Teatro Flexível: práticas cênicas e acessibilidade (CNPq/UFSM).
sidneijunioroficial@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3166707080136532 https://orcid.org/0000-0002-4744-1423
4 Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio do Grande do Sul (UFGRS). Mestre em Artes
Cênicas pela UFRGS. Bacharel em Artes Cênicas pela UFRGS. Profa. Adjunta Dept. Artes Cênicas da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). marcia.berselli@ufsm.br
http://lattes.cnpq.br/0739122615811316 https://orcid.org/0000-0002-2731-1373
5 Graduando em Artes Cênicas - Bacharelado com ênfase em Atuação na Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Bolsista PIBIC-AF/CNPq junto ao Grupo de Pesquisa Teatro Flexível: práticas cênicas e acessibilidade
(CNPq/UFSM). vinicius.rodrigues@acad.ufsm.br
https://lattes.cnpq.br/6387842076939086 https://orcid.org/0009-0002-3288-3189
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Perspectives on accessibility in performance based on the analysis of
Birita Procura-se
Abstract
The article presents an analysis of
Birita Procura-se
created by Ariadne Antico
and Ésio Magalhães. Focusing on the perspective of accessibility, the study
seeks to observe how the clown's performance, especially with the use of the
flop, a specific clowning resource, favors the establishment of an accessible
scene in which markers of disability are revisited through the displacement
of the parameter of normality. As a methodological approach are used audio
description (AD) and the questionnaire presented by Pavis in the book
A
análise de espetáculos
(2003). The audio description is highlighted and
exemplified once that it operates transversally in the study.
Keywords:
Performance analysis. Accessible scene. Clown. Theater.
Accessibility.
Perspectivas sobre la escena accesible desde el análisis del
espectáculo
Birita Procura-se
Resumen
El artículo presenta un análisis del espectáculo
Birita Procura-se
, creado por
Ariadne Antico y Ésio Magalhães. Centrándose en la perspectiva de la
accesibilidad, el estudio pretende observar cómo la actuación de la payasa,
especialmente con el uso del
flop
, recurso específico en la payasería,
favorece el establecimiento de una escena accesible en el que los
marcadores de la discapacidad son revisitados a través del desplazamiento
del parámetro de normalidad. Como aproximación metodológica se utiliza la
audiodescripción y el cuestionario presentado por Pavis en la obra
A análise
de espetáculos
(2003). Se destaca y ejemplifica la audiodescripción una vez
que opera transversalmente en el estudio.
Palabras clave
: Análisis de espectáculos. Escena accesible. Payasería. Teatro.
Accesibilidad.
Perspectivas sobre a cena acessível a partir da análise do espetáculo
Birita Procura-se
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O artigo apresenta um recorte de pesquisa desenvolvida pelo Grupo de
Pesquisa Teatro Flexível: práticas cênicas e acessibilidade (CNPq) junto à
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O projeto
Práticas cênicas acessíveis:
dimensões, abordagens e poéticas na cena contemporânea6
tem como um de
seus objetivos a análise de espetáculos desenvolvidos por artistas com deficiência.
O referido grupo é formado por pessoas com e sem deficiência, buscando
desenvolver ações voltadas ao teatro e à acessibilidade. O
Teatro Flexível
possui
como principais objetivos produzir, provocar, divulgar e fortalecer práticas teatrais
acessíveis a todos os corpos.7
O recorte específico que apresentamos se vincula à análise de espetáculos.
Para a análise, foi determinado um espetáculo com a atuação de uma artista com
deficiência, intitulado
Birita Procura-se
, da atriz Ariadne Antico com direção de Ésio
Magalhães. Enquanto procedimento metodológico, a análise foi pautada na
descrição de imagens - também chamada audiodescrição, recurso de
acessibilidade que apresenta imagens através de palavras - e no questionário
apresentado por Patrice Pavis na obra
A análise dos espetáculos
(2003). Para tanto,
foi desenvolvido um estudo sobre o livro que apresenta os principais componentes
da encenação, fornecendo ao(à) leitor(a) ferramentas para se analisar espetáculos,
reconhecendo e refletindo sobre a importância de cada componente na
compreensão poética, estética e técnica do espetáculo.
O espetáculo
Birita Procura-se
apresenta a saga da palhaça Birita na procura
de um emprego. Na trama, a palhaça ocupa diferentes profissões, como garçonete,
radialista e enfermeira, no entanto em nenhuma delas consegue se estabelecer.
Em (quase) todas as cenas, há uma interjeição de uma voz que sempre diz
“Birita,
você não serve para isso”
. A realidade parece mudar quando ela encontra um
emprego em uma multinacional que promete reconhecimento, valorização,
6 O projeto conta com o apoio institucional de Bolsas de Iniciação Científica, tais como o Fundo de Incentivo
à Pesquisa (FIPE/CAL/UFSM), o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) e o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - Ações Afirmativas (PIBIC-AF/CNPq). Aproveitamos
para destacar a contribuição dos(as) demais integrantes do Grupo de Pesquisa no desenvolvimento deste
estudo.
7 Materiais produzidos pelo Grupo de Pesquisa podem ser acessados através do site
https://www.teatroflexivel.com.br/jogos-e-exercicios/. Acesso em: 05 out. 2023.
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ascensão no mercado de trabalho, visibilidade e respeito. Porém, com o desenrolar
da história, observamos que, na realidade, a empresa estava usando Birita para
promover a imagem de empresa acessível, pois investia em práticas capacitistas,
como limitar Birita a um espaço físico bem específico e colocá-la frente a atitudes
preconceituosas. Com isso, Birita é impedida de desenvolver suas habilidades, as
quais poderiam colaborar para seu crescimento profissional e para a própria
empresa.
Birita é a palhaça criada por Ariadne em uma oficina facilitada pelo ator e
palhaço Márcio Douglas, em 2013, no interior de São Paulo. Segundo a atriz (ARTES
E ACESSIBILIDADE, 2022), foi nesse espaço que Birita nasceu, assim como sua
vivência com a palhaçaria.
Birita Procura-se
é o segundo trabalho solo de Ariadne
Antico na Companhia Casa das Lagartixas. Como não poderia ser diferente, a
palhaça e a Ariadne compartilham um mesmo corpo que nasceu com uma
paralisia cerebral do tipo coreoatetóide global de etiologia não esclarecida,
apresentando fala disártrica e provocando movimentos involuntários. Tal
característica não é colocada aqui somente como uma informação qualquer para
o(a) leitor(a), mas sim para destacar que é a partir e junto dela que o espetáculo
Birita Procura-se
é concebido.
Para realizar a análise, o primeiro passo foi assistir ao espetáculo
Birita
Procura-se
através de registro em vídeo disponível no
YouTube
.8 Na sequência,
iniciaram-se os estudos de material teórico, com a leitura do artigo
Clowning but
Not: A Clown’s Approach to Drama for People with Intellectual and Physical
Disabilities
(2020), escrito por Sue Proctor. Após esse primeiro contato com o
espetáculo e com a palhaçaria com pessoas com deficiência por meio dos textos,
passou-se ao estudo do material de Pavis (2003). Nesses dois primeiros
momentos, a análise estava iniciando com a produção de anotações, reflexões e
8 A análise a partir do vídeo como recurso principal justifica-se pela localização geográfica do Grupo de
Pesquisa, vinculado a uma universidade do interior do estado do Rio Grande do Sul. Dada a localização
geográfica, longe do eixo central brasileiro de circulação de espetáculos e, também, distante da capital do
estado, o acesso a espetáculos é restrito. Assim, sem contar com o recurso das gravações de espetáculo,
as possibilidades de análise pelo Grupo e, especialmente, pelos(as) estudantes, seriam bastante limitadas e
a inserção dos(as) integrantes na cena brasileira da pesquisa sobre acessibilidade, quase impossível.
Espetáculos que dialogam com a cena acessível, seja pelo amplo uso dos recursos de tecnologia assistiva,
seja pela presença de artistas com deficiência, enfrentam problemáticas particulares de circulação, que se
ampliam quando pensamos no interior do estado. Tais problemáticas e a questão do acesso desses
espetáculos nos circuitos teatrais brasileiros não serão objeto de análise no presente artigo. Para adentrar
essa discussão, sugerimos consultar Carmo (2020).
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um fichamento dos materiais teóricos. Apresentações e palestras de Antico em
eventos (ARTES E ACESSIBILIDADE, 2021; 2022) também serviram de suporte para
o estudo.
De posse do suporte teórico e metodológico, uma das cenas do espetáculo
foi selecionada para análise. Neste escrito, será analisado um trecho do
espetáculo, referente à última cena, na qual a palhaça Birita consegue um emprego
que aparenta reconhecê-la como uma efetiva colaboradora, o que no decorrer da
cena vai sendo revelado como uma fachada da empresa. A cena se desenvolve
com Birita reconhecendo o capacitismo. Tal escolha se deu pela importância do
momento de reconhecimento e desfecho do espetáculo por parte de Birita.
Após a seleção, a versão gravada da cena foi assistida várias vezes, sendo
posteriormente descrita utilizando como procedimento um recurso de
acessibilidade: a descrição de imagens ou audiodescrição (AD). Essa ferramenta é
prioritariamente voltada às pessoas cegas ou com baixa visão e tem como
principal objetivo a tradução de materiais audiovisuais e imagéticos em
informações verbais, como programas de televisão, filmes, fotos, pinturas,
esculturas, gráficos e espetáculos de teatro e dança (Silva; Barros, 2017, p. 160).
Para Santos e Cavalcante (2021), não se trata de uma descrição qualquer, mas da
busca pelo acesso à informação de forma ampla, pois:
a audiodescrição implica em oferecer aos usuários desse serviço as
condições de igualdade e oportunidade de acesso ao mundo das
imagens, garantindo-lhes o direito de concluírem por si mesmos o que
tais imagens significam, a partir de suas experiências, de seu
conhecimento de mundo e de sua cognição (Lima; Lima; Vieira, 2009, p.3
apud Santos; Cavalcante, 2021, p. 89-90).
A descrição de imagem ou AD foi a metodologia que estruturou a análise da
cena, partindo de sua concepção como recurso de acessibilidade e se
desdobrando em um recurso de análise de uma cena acessível que tratava da
mesma temática. Para utilização da AD, na análise do espetáculo
Birita Procura-
se
, contamos com o repertório já desenvolvido pelo primeiro autor deste artigo no
ano anterior, quando atuou como bolsista de Extensão no
Teatro Flexível
,
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desenvolvendo a descrição de imagem dos materiais produzidos pelo grupo.9
Nesse período, ele reconheceu na descrição de imagem uma ferramenta de
sistematização dos elementos concretos da cena para pessoas com e sem
deficiência.
Em seu livro, Patrice Pavis (2003) discorre um tópico sobre a descrição da
cena como um recurso que auxilia o reconhecimento dos elementos concretos do
espetáculo, embora não use essa ferramenta a partir do seu caráter acessível,
como nós nos propusemos a fazer. Segundo Pavis,
[a]o descrever um espetáculo, nós escolhemos algumas propriedades
que julgamos notáveis para outrem, não tentamos ressaltar tudo para
nós mesmos, avaliamos o que interessará a nosso próximo e a nós
mesmos. Toda análise descritiva se efetua em função de um projeto de
sentido que consideramos para um observador externo, como se
precisássemos convencê-lo da pertinência de nossas observações (Pavis,
2003, p. 28).
Ainda, apresenta em seu livro um questionário que direciona a análise do
espetáculo. Reconhecemos que a descrição de imagens facilitou a construção das
respostas ao questionário. Nele, o autor elenca uma série de perguntas específicas
sobre cada elemento que compõe a cena, passando pela dramaturgia, pela
maquiagem, pela iluminação, pelo cenário, pelos objetos, pelo figurino, pelo
trabalho corporal etc. Com a descrição da cena, foi possível responder a cada uma
das perguntas do questionário, sendo que as respostas nos auxiliaram na análise
dos elementos da cena isoladamente, mesmo percebendo as relações que se
apresentavam com a proximidade ou o distanciamento entre eles para a
compreensão da cena como a junção de todos os recursos. O livro oferece uma
série de ferramentas para a análise de espetáculos, incluindo uma metodologia
detalhada, exercícios práticos e exemplos de análises de espetáculos. Além disso,
o autor apresenta uma reflexão crítica sobre a importância da análise teatral para
o desenvolvimento da linguagem teatral e para o entendimento da nossa cultura
e sociedade.
9 Participação do autor como bolsista no Programa de Extensão Práticas cênicas, escola e acessibilidade,
contando com apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Extensão do Centro de Artes e Letras e da Pró-
reitora de Extensão da UFSM (FIEX-CAL/PRE/UFSM).
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Neste artigo, pretendemos apresentar o resultado da análise desenvolvida,
bem como as abordagens metodológicas utilizadas, as quais promovem um
diálogo entre aspectos da cena e dos recursos de acessibilidade ao investir na AD
como procedimento. Assim, reconhece-se a AD como recurso de acessibilidade e
de análise de espetáculos. Entre os aspectos analisados estão a atuação e a
corporalidade da atriz. A atuação de Ariadne Antico nos instiga a refletir sobre o
que vem a ser extracotidiano para o corpo de uma palhaça com deficiência e, à
vista disso, quais são os aspectos que favorecem a comicidade em uma
abordagem que investe na deficiência em uma perspectiva política.
Aqui, é importante destacar que esta análise se construiu a partir do registro
audiovisual da apresentação do espetáculo. O registro principal utilizado foi
apresentado no evento online
Festival Internacional de Circo (FIC) - 4.ª Edição10
.
Embora o uso desse recurso fosse necessário principalmente pela não
presencialidade dos autores no evento realizado durante o período de pandemia
de COVID-19, no ano de 2020, Pavis também traz em sua obra um subcapítulo
sobre a importância do registro audiovisual como ferramenta para o(a) analista.
Para o autor, o vídeo reconstitui as ações do espetáculo, respeitando o tempo
original e servindo como testemunha ocular do que foi apresentado em cena.
Mesmo feita com uma única câmera a partir de um ponto fixo, a gravação
em vídeo é um testemunho que reconstitui bem a espessura dos signos
e permite ao observador captar o estilo de representação e guardar a
lembrança dos encadeamentos e dos usos dos diversos materiais. Ele é
frequentemente usado pelo encenador para retornar ao espetáculo, para
garantir a sua promoção e venda junto aos teatros ou para conservar seu
registro (Pavis, 2003, p. 37-38).
O registro audiovisual nos possibilitou retornar para o espetáculo tantas vezes
quanto necessário para construir a análise. O espetáculo possui alguns registros
audiovisuais disponíveis na plataforma
YouTube
, vinculados ao período de
isolamento social por causa da pandemia de COVID-19.
10 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nyIvmnrikU8&t=2s. Acesso em: 05 out. 2023.
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A ausência do flop como um indicativo do capacitismo -
descrição e análise da cena
A seguir, será apresentada a descrição de imagem da cena analisada, de
modo a adentrarmos no universo da cena de Birita e, posteriormente, investir na
partilha da análise propriamente dita. Apesar de extensa, consideramos a
apresentação da descrição da cena fundamental tanto para explicitar a
metodologia utilizada, destacando a AD, quanto para ambientar e compartilhar
com o(a) leitor(a) a cena que foi analisada.
A cena se inicia no breu, com sons urbanos de carros, ritmados por um
triângulo. Aos poucos, um único foco de luz frontal levemente amarelada ao centro
revela Birita em lendo a seção de classificados de um jornal impresso. Birita é
uma palhaça de pele branca, tem cabelos cacheados curtos de cor avermelhada
presos no topo de sua cabeça com lacinho de flores azuis e verdes. Sua
maquiagem tem pigmento branco nas pálpebras até a sobrancelha e nariz
vermelho com a ponta projetada para frente. Ela usa óculos de grau com armação
preta arredondada. Birita veste um macacão laranja com detalhe no quadril e nos
bolsos e camiseta em um tom de laranja mais claro. Birita é uma pessoa com
deficiência que nasceu com uma paralisia cerebral do tipo coreoatetóide global de
etiologia não esclarecida, apresentando fala disártrica e movimentos involuntários,
esse é o padrão de normalidade de seu corpo. Folheando o jornal, Birita parece
encontrar um emprego; ela mostra ao público duas páginas com um grande
anúncio escrito em letra de imprensa “VAGA EXCLUSIVA”, ao lado do ícone que
indica pessoas com deficiência seguida de “MULTINACIONAL”.
No momento em que ela encontra a vaga, é tocada a música de
comemoração da
Fórmula 1
. Birita vira a página que possui a bandeira do Brasil. O
narrador reitera que ela finalmente encontrou uma vaga que merece, exclusiva
para ela, enquanto Birita se desloca pelo palco segurando as páginas do jornal com
a bandeira, as luzes acendem e apagam, piscando levemente. As luzes se
estabilizam, e o narrador descreve os benefícios trabalhistas que Birita terá direito.
Ela volta ao centro do palco à frente de uma mesa e uma cadeira de madeira sob
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uma escada branca aberta. Birita gesticula ilustrando corporalmente a narração
que interage com ela perguntando “Birita você ouviu isso? Eventos globais!” e
reforçando que esse emprego proporcionará visibilidade, respeito e crescimento
profissional. Retorna a música de
Fórmula 1
,
e as luzes piscam lentamente. Birita,
por sua vez, dá a volta por trás da escada indo para o lado direito dela e mostra o
crachá da empresa como uma medalha olímpica. a volta por trás da escada
novamente, posicionando-se no lado direito e dando uma mordida no crachá tal
qual uma medalhista olímpica.
A comemoração é interrompida pela sirene que indica o início do expediente
da empresa. Birita a volta por trás da escada para se colocar na sua mesa de
trabalho, mas antes ela um beijo em seu crachá, pega um baldinho e tira os
objetos de trabalho e os organiza. uma folha de papel com algo escrito, mas
que não é legível no registro audiovisual. Ao fundo, um som ambiente de
escritório, com ruído de telefone tocando e conversas. Birita senta sob a escada,
entusiasmada bom dia para os/as colegas de trabalho que chegam na empresa,
mas ninguém a responde, até que uma voz, que parece ser a responsável por ela,
lhe as orientações de segurança da empresa para pessoas com deficiência,
sendo a principal não poder subir as escadas. A voz finaliza dizendo que a empresa
ama Birita assim, “do jeito que ela é”. Birita parece lisonjeada.
Ela volta a limpar o seu espaço até uma voz pedir para alguém levar os papéis
de memorando para o andar de cima. Birita se prontifica a levá-los, mas ao indicar
que vai subir o primeiro degrau da escada, a voz a interrompe dizendo que eles
conseguem resolver no andar de cima e parabeniza Birita pelo trabalho. Birita fica
novamente lisonjeada e retorna à sua mesa. Ela se ocupa passando as folhas de
sulfite branca em dois buracos na sua mesa, um na extremidade direita e o outro
na esquerda, sugerindo talvez a impressão em uma copiadora. Começa a fazer
dobraduras em uma das folhas de papel, formando um origami Tsuru. Ela se
entretém com o origami até ouvir uma outra voz perguntando se alguém já levou
o café para o outro andar. Birita novamente se prontifica, pega uma jarra térmica
branca com tampa vermelha e vai em direção às escadas, porém é interrompida
pela voz que diz que outra pessoa pode levar e que Birita pode voltar a fazer suas
coisas, depois de dizer que Birita “é uma linda”. Birita retorna ao seu posto
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lisonjeada. Volta a se ocupar cantarolando, à medida que limpa sua mesa com o
borrifador e um paninho.
Uma voz envergonhada pede que alguém leve o papel higiênico para o andar
de cima. Birita se coloca à disposição, pega o papel higiênico e mais uma vez vai
em direção à escada até novamente ser interrompida pela voz dizendo que alguém
o ajudará no andar de cima e que Birita é “muito boazinha”. Ela retorna ao seu
espaço menos lisonjeada do que da última vez, guarda o papel higiênico e alinha
os papéis de sua mesa. Birita é surpreendida pelo toque de seu telefone, fica
animada, faz um aquecimento vocal rápido e ensaia seu atendimento com vozes
diferentes. Ela atende o telefone, mas outra voz diz que conseguiram atender
no outro andar. A voz responsável por Birita a parabeniza pela comemoração do
seu primeiro ano na empresa e pela 12ª vez escolhida a “Funcionária com
deficiência do mês”. Birita pega um apito de papel e puxa uma cordinha que faz
cair confetes sobre ela, enquanto a voz diz para ela “continuar assim” e que aquele
era “o seu lugar”. Ainda, pede a ela uma pose para a foto. sons de máquina
fotográfica ao passo que a iluminação simula flashes. As luzes se apagam, e a
sirene da empresa toca.
A luz retorna em
fade in
, Birita agora está em do lado direito da escada,
desanimada. Com o corpo levemente curvado, direciona-se à sua mesa. Segura
seu crachá o encarando e se senta. Organiza e limpa seu espaço de trabalho. Uma
voz mais impaciente pede o papel para memorando no andar de cima, Birita pega
o papel e levanta-se e logo a voz diz que já resolveram. Desanimada, Birita encara
o público e se senta novamente. Ela passa as folhas de sulfite pelos buracos da
sua mesa e faz sem vontade um origami Tsuru. Outra voz pede o café e Birita pega
a jarra térmica, levanta-se e a voz diz que alguém vai levar e que é para Birita
fazer “as coisas dela”. Ela se senta lentamente, mantendo contato visual com o
público. Birita pega o borrifador e espirra na direção do seu rosto. Mais uma vez, a
voz envergonhada pede o papel higiênico, novamente Birita se prontifica e é
interrompida ao se levantar. A voz diz para Birita não subir. Mais cabisbaixa, Birita
se senta lentamente. O telefone toca e Birita o pega para atender, porém é
interrompida por uma voz ríspida dizendo que já atenderam no outro andar. A voz
responsável por Birita a parabeniza pelos seus dois anos na empresa e pela 24ª
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vez escolhida a “Funcionária com deficiência do mês”. Birita pega o apito de papel
e assopra desanimada. A voz diz para Birita “continuar assim” e que aquele era “o
seu lugar, debaixo da escada”. A voz pede a pose para a foto; sons de câmera
fotográfica, e as luzes simulam flashes.
A sirene da empresa toca novamente, e as luzes se apagam. Quando as luzes
se acendem, Birita está no lado direito da escada, mais triste e desanimada,
caminha lentamente para sua mesa, ao chegar um suspiro angustiado. Ela se
senta com o corpo cansado e expressão triste, pega o borrifador e espirra na frente
da sua mesa. Uma voz pede rapidamente o papel para o memorando, Birita
levanta o braço segurando os papéis de memorando com a mão direita. A voz
responde “Você não!”. Birita joga os papéis para o alto, eles caem no chão. Outra
voz ríspida pede café, Birita indica pegar a jarra térmica e é interrompida pela voz
que diz “Você não sobe!”. Birita joga a jarra no chão e espera algo acontecer. A voz
que pede o papel higiênico está mais impaciente. Birita levanta o papel higiênico e
a voz a repreende. Birita joga o rolo para trás. O telefone toca, quando Birita o tira
do gancho para atender uma voz grita “NÃO!”. Birita coloca o telefone de volta no
gancho. Em seguida, a voz responsável por ela, sem brilho, os parabéns pelos
três anos na empresa e por ter sido pela 36ª vez escolhida como a “Funcionária
com deficiência do mês”.
As vozes da empresa se sobrepõem, durante o momento em que Birita joga
os objetos de escritório no chão, indignada e impaciente. Ela derruba a sua mesa
e a cadeira; escuta-se um grito interno, sua tensão e os áudios são ascendentes.
Birita a volta por trás da escada e a carrega pela parte dos degraus à sua
esquerda. O foco de luz se altera para frente do palco, onde Birita posiciona a
escada virada para o lado que se revela colorido. Os áudios continuam e vão
aumentando o ritmo. Birita se posiciona embaixo da escada e olha para cima.
uma luz dura a pino a iluminando. Birita a volta pela frente da escada e sobe
pelo lado direito, no mesmo instante em que as vozes dizem para ela não subir,
pois “não está autorizada”. Ela chega ao topo e se senta batendo as mãos no peito,
levanta os braços quando as vozes se calam e começa a tocar a música
Balada
do louco
, de Ney Matogrosso. Birita tira o crachá, jogando-o ao chão, faz careta e
mostra a língua enquanto é banhada por uma iluminação avermelhada. Birita se
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coloca como vencedora, levantando os braços e recebendo os aplausos até as
luzes se apagarem.
Nossa análise do espetáculo
Birita Procura-se
tem como foco a atuação de
Ariadne Antico, buscando reconhecer o que é extracotidiano para sua palhaça e
como ela desenvolve a comicidade a partir disso. Um dos aspectos centrais na
análise da atuação diz respeito à corporalidade da atriz, considerando seus
movimentos involuntários e sua fala disártrica. Tomamos conhecimento da
especificidade corporal de Ariadne a partir do momento em que ela entra em cena.
a definição de sua deficiência é apresentada pela própria atriz, no início do
espetáculo, por meio de um cartaz e da narração.
Essa apresentação contribui para estabelecer o contexto narrativo, uma vez
que a explicação da deficiência nos faz compreender que um movimento
instável no corpo de Ariadne/Birita. A movimentação involuntária leva a palhaça a
ter dificuldades com algumas profissões que exigem um refinamento de
movimento. A narrativa ficcional nos mostra essa dificuldade por meio da
comicidade. Nesse sentido, a construção da narrativa tem como referência a
corporalidade da Birita. Essa escolha dramatúrgica indica uma abordagem que
assume, desde o início, a deficiência como potência para a cena. Desse modo, a
deficiência de Ariadne não é suprimida ou escondida durante o espetáculo, mas
sim potencializada como recurso cênico para a poética do espetáculo. Esse
aspecto é evidenciado no prólogo, em que são apresentadas as características do
corpo de Birita como seu padrão de normalidade, estabelecendo, assim, um
parâmetro inicial para a comicidade produzida pela palhaça. Há um outro aspecto
importante, que é o fato de a corporalidade da atriz não ser escondida em prol da
personagem. Ou seja, não uma tentativa de minimizar os trejeitos e as
características da atriz de modo a construir uma personagem ficcional. Pelo
contrário, o corpo fenomenal, corpo concreto, é assumido como recurso central
para a construção da personagem. Vem daí, inclusive, o nome da palhaça. Ariadne
conta que o nome de Birita está vinculado à relação comumente feita entre seu
modo de deslocar, caracterizado pela marcha atáxica, e o movimento de pessoas
sob o efeito de álcool. Segundo a atriz:
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Birita Procura-se
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Birita surgiu em uma das oficinas de palhaço que no jogo, na brincadeira,
ela surgiu, me chamaram de Birita e fez total sentido, primeiro porque eu
realmente gosto de uma birita, adoro, me convidem, inclusive estou no
nordeste, se alguém tiver por aqui por perto e quiser me convidar pra um
botequinho pra tomar uma cachaça eu super topo! E tem o lance do
meu andar né? Várias e várias vezes pessoas me perguntando, achando
que eu estava bêbada, e eu não tinha bebido nada, por conta do meu
andar e da fala disártrica. Então é isso, é uma coisa que associou a outra,
e aí Birita surgiu e ficou Birita mesmo, inevitavelmente, e faz total sentido
né? (ARTES E ACESSIBILIDADE, 2021, 01h05m55seg).
Ariadne Antico relata que o processo de criação da palhaça Birita foi através
de uma oficina que seu amigo, o ator Márcio Douglas, convidou-a para participar.
Quando foi convidada, Ariadne dizia que nunca conseguiria subir em um palco,
pois tinha vergonha de falar em público (ARTES E ACESSIBILIDADE, 2022). Mas seu
amigo a encorajou a ir assistir a um encontro, e ela acabou participando. Ela diz
que se apaixonou pela palhaçaria e pela arte, nunca mais deixando de estudar a
palhaçaria.
Ariadne cria a palhaça Birita a partir dessa oficina. Para o processo de criação
de Birita Procura-se, a atriz buscou reconhecer sua corporalidade como pessoa
com deficiência, fazendo uso de gravações de seu cotidiano. Dessa forma, Ariadne
descobre que o que torna seu corpo extracotidiano é o entendimento de uma
sociedade que estabelece seus padrões de normalidade, partindo de corpos sem
deficiência. Se este seria um padrão normalizador opressivo, Ariadne opera uma
reversão destacando que seu padrão de normalidade parte das características de
seu próprio corpo. Logo no início do espetáculo Birita mostra uma faixa com o
nome da sua deficiência, após notar a dificuldade do narrador em dizer que a
palhaça “nasceu com uma paralisia cerebral do tipo coreoatetóide global de
etiologia não esclarecida apresentando fala disártrica” (FIC, 2020, 1m45seg).
Com a partilha dessa informação em cena, podemos reconhecer a presença
da diferença como um marcador social. O marcador social distingue as pessoas e
as posiciona em categorias. Segundo Goffman (1988, p. 4),
[a] sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de
atributos considerados como comuns e naturais para os membros de
cada uma dessas categorias: Os ambientes sociais estabelecem as
categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles
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encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos
nos permitem um relacionamento com “outras pessoas” previstas sem
atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é
apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria
e os seus atributos, a sua “identidade social” - para usar um termo melhor
do que “status social”, que nele se incluem atributos como
“honestidade”, da mesma forma que atributos estruturais, como
“ocupação”.
Baseando-nos nessas pré-concepções, nós as transformamos em
expectativas normativas, em exigências apresentadas de modo rigoroso.
É nesse sentido que Goffman vai apresentar o conceito de estigma, quando
a pessoa apresenta algum atributo que a torna diferente, que a faz se distanciar
do esperado. Assim, o estigma se coloca como um atributo negativo que, em
termos de valor social, diminui a pessoa perante as demais.
Quando a corporeidade de Birita nos é apresentada em cena, inicialmente,
podemos nos questionar sobre as características serem uma construção ficcional,
uma dramaturgia corporal construída pela atriz para dar forma à personagem. No
entanto, quando temos a apresentação da descrição da deficiência de Ariadne,
recebemos uma informação que nos faz mesclar atriz e personagem colocando
uma camada de um novo marcador, qual seja: a deficiência. Em face da estrutura
social na qual estamos inseridas, em que pese a normalidade como fator
determinante, o atributo da deficiência poderia ser lido e categorizado como algo
negativo: o estigma. É preciso reconhecer que a construção social da deficiência
que está em operação pelo padrão da normalidade ainda marginaliza as pessoas
com deficiência, tidas como inferiores, faltosas.
Assim, quando em contato com a cena criada por artistas cegos/as ou
por qualquer outra pessoa que fuja da corponormatividade , todo
arsenal capacitista que cotidianamente assimilamos, produzimos e
reproduzimos são mobilizados no jogo. O mal-estar, o incômodo, o medo,
o desconforto, a surpresa, a piedade, a aversão, a repulsa, a curiosidade,
as fetichizações, a empatia exacerbada, a lembrança dos limites e
fragilidades próprias do nosso corpo sem deficiência e todas as
estigmatizações vinculadas e diariamente introjetadas na vida das
pessoas com deficiência acabam, desse modo, afetando o movimento da
recepção, as leituras de suas criações (Pinheiro, 2022, p. 292).
Entre os procedimentos de criação, a atriz se filmou no cotidiano para
entender o incômodo das pessoas ao seu modo de fazer as coisas e, assim,
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potencializá-las em cena como um aspecto cômico. A partir desse material, ela
percebe que, para grande parte da sociedade, o extracotidiano está em seu
corpo, reconhecido como estranho pela falta de convivência das pessoas sem
deficiência com pessoas com deficiência. É aqui que reconhecemos a presença e
o uso do flop como um recurso específico.
Flop
, um termo da língua inglesa, em tradução livre significa “fracasso”. O flop
ou fracasso é um recurso muito utilizado na palhaçaria para rir dos erros
cometidos, de acontecimentos que, no dia a dia, fariam-nos sentir inferiores
perante a sociedade, mas que na palhaçaria se configuram como algo para se rir,
pois o jogo que se estabelece permite tal ação, o riso.11
Sue Proctor (2020) destaca que jogar com o
flop
é uma forma de aceitar
nossas capacidades, limitações e falhas. “No mundo da atuação do palhaço, tais
falhas são conhecidas como ‘o fracasso’; a intenção de trabalhar com ‘o flop’ é
praticar nossa capacidade de aceitar, jogar e compartilhar nossas limitações e
falhas” (Proctor, 2020, p. 30).12
Os palhaços falham irremediavelmente, imaginativamente, infelizmente,
triunfalmente, dolorosamente e por pouco e se, por acaso, eles tiverem
sucesso, isso acontece por acidente ou desorientação. O sucesso do
palhaço em provocar o riso baseia-se em uma competência especial para
o fracasso, uma lição prática que permanece evidente nas rotinas
clássicas de Charlie Chaplin e Buster Keaton, nas travessuras televisivas
de Lucille Ball em I Love Lucy13 (Weitz apud Proctor, 2020, p. 30).
Através do jogo estabelecido pelo flop, o(a) palhaço(a) estabelece um campo
de vulnerabilidade com o(a) espectador(a), e através de tal vulnerabilidade, o(a)
espectador(a) consegue rir de convenções e códigos estabelecidos pela sociedade
que os(as) fariam se sentir inferiores. Nesse sentido, é importante destacar que
11 Essa reversão da falha em estímulo nos permite diferenciar a noção “flop” como recurso cômico da gíria
presente em contextos contemporâneos, especialmente nas redes sociais, utilizadas por grupos de jovens,
marcadamente da comunidade LGBT+ para designar situações ou ações que não obtiveram sucesso.
12 In the world of clown performance, such failures are known as ‘the flop’; the intention of working with ‘the
flop’ is to practise our ability to accept, play with, and share our limitations and failures". (Tradução de
Vinícius R. de Souza)
13 Clowns fail hopelessly, imaginatively, unluckily, triumphantly, heartbreakingly and barelyand if, perchance,
they succeed, it happens by accident or misdirection. The clown or clown-like performer’s success at
causing laughter bases itself upon a special competence for failure, a practical lesson that remains evident
in vintage routines by Charlie Chaplin and Buster Keaton, in the television antics of Lucille Ball in I Love Lucy.
(Tradução de Vinícius R. de Souza)
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espetáculos de palhaçaria tendem a ridicularizar, por meio do exagero, os desvios
do padrão corporal sem deficiência. Porém, no caso das pessoas com deficiência,
um elemento extra colocado em tensionamento: a deficiência e a construção
social atrelada a ela.
Proctor comenta, em seu artigo, como foi trabalhar com a técnica do flop na
Manitoba Developmental Center (MDC).14 Ela aponta que
[n]o MDC, sem maquiagem nem figurino, fiz o papel do palhaço indo
toda semana para apresentar uma nova forma de pensar e de ser. No
início, alguns membros da equipe não entenderam o que eu estava
tentando fazer, mas com o tempo eles viram os resultados dos
participantes engajados na expressão criativa e no jogo. A equipe redigiu
o programa em termos de benefícios físicos e clínicos para os
participantes, enquanto eu me questionava sobre a capacidade dos
participantes de se comunicarem não-verbalmente e na profundidade de
sua rica imaginação15 (Proctor, 2020, p. 32).
A essência de assumir, aprender e trabalhar com o erro ou flop foi algo
extremamente proveitoso no MDC. Conviver com o fracasso, segundo a autora, é
libertador e energeticamente animador para pessoas que são colocadas na
marginalidade social diariamente.
Ao assistir o espetáculo Birita Procura-se, conseguimos observar e analisar
muito dessa liberdade do riso que a própria atriz coloca em cena. Acabamos rindo
com ela, e não dela. Essa prática é libertadora tanto para o/a artista/performer
quanto para o público, que acaba se identificando e se vendo nas ações que a
sociedade julga serem imperfeitas. A dicotomia perfeição/imperfeição é posta em
questionamento.
O diretor teve que reconhecer as particularidades e os ritmos corporais da
palhaça criada por Ariadne, pois cada deficiência possui suas características
próprias, assim como qualquer outro corpo com ou sem deficiência. Para Pavis
14 Manitoba Developmental Center se localiza na cidade de Portage La Prairie, Canadá.
15 At MDC, without makeup or costume, I played the role of the clown by coming there every week to introduce
a new way of thinking and being. At first, some of the staff did not understand what I was trying to do, but
over time they saw the results of the participants engaging in creative expression and play. The staff wrote
up the program in terms of the physical, clinical benefits for participants, while I wondered at the
participants’ ability to communicate non-verbally and at the depth of their rich imaginations. (Tradução de
Marcia Berselli).
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(2003, p. 54):
É responsabilidade do encenador, mas também do ator, decidir quais
índices serão escolhidos. Só o ator sabe (mais ou menos) que escala tem
os seus índices gestuais, faciais ou vocais, se o espectador está em
condições de percebê-los e quais significações ele é suscetível de atribuir
a eles. Na “pose” de seus signos, é preciso que seja, ao mesmo tempo,
suficientemente claro para ser percebido, e sutil para ser diferenciado ou
ambíguo. Nesse sentido, a teoria do ator se inscreve em uma teoria da
encenação [...].
Nesse âmbito, é notável o respeito a essas características no espetáculo
analisado, por exemplo, quanto ao tempo cômico específico do corpo de Ariadne.
Em Birita Procura-se, a deficiência de Ariadne provoca uma reorganização física,
estética, social e ética. A palhaça questiona ser o corpo com deficiência cômico
no senso comum, promovendo uma comicidade no destaque desse corpo em
cena. No entanto, a comicidade vem junto de uma dramaturgia que promove o
riso junto da palhaça, quando Birita nos conta sobre sua dificuldade com algumas
profissões que exigiam uma precisão e que, portanto, contrastavam com seus
espasmos corporais e sua fala disártrica.
As primeiras cenas do espetáculo parecem estar colocadas de modo a
contrastar com a última cena em diversos sentidos, mas vamos nos ater ao uso
do flop, pois é por ele que identificamos que a comicidade se expressa no
espetáculo. No primeiro emprego apresentado, Birita assume o cargo de
garçonete, todavia seus movimentos involuntários, causados por sua deficiência,
fazem com que a bandeja e os objetos sobre ela caiam constantemente. Em um
momento, sua solução é colar o vaso de flor na bandeja com o chiclete mascado.
Na cena seguinte, Birita tenta ser locutora de rádio; nessa experiência, o flop
parece estar ligado à fala disártrica, embora a cena apresente a palhaça
empolgada e se divertindo bastante sendo locutora, servindo um exagero cômico
com suas reações ao jogo de futebol que é narrado. O próximo cargo pretendido
é o de enfermeira, em que o
flop
é apresentado pela dificuldade de Birita em
manusear os objetos comuns de um ambiente hospitalar. Por conseguinte, o
desfecho da cena se dá quando a palhaça injeta acidentalmente uma agulha com
anestesia em seu pescoço e fica sonolenta.
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O
flop
é o principal recurso de comicidade utilizado por Birita durante o
espetáculo, no entanto ele não consegue ser efetivado na última cena, a qual é o
foco desta análise. Ao iniciar em um cargo em uma empresa multinacional, que
promete uma vaga específica e especial para a palhaça, o flop vai sendo
interrompido a cada indicação de passagem de tempo da cena, até que chega a
ficar inexistente ao final do espetáculo. Isso acontece, porque, no decorrer da cena,
Birita tem suas ações limitadas constantemente pela empresa independente de
suas habilidades e disponibilidade em executá-las. Desse modo, a situação
estabelecida nessa cena a torna antiflop e, consequentemente, sem uma
comicidade.
Para a criação do espetáculo, a atriz exprime em cena sua indignação com
situações que aconteceram com ela quando procurou por empregos que a
valorizassem em suas potencialidades. Desse modo, Ariadne assume sua
deficiência na cena, entendendo o que seu corpo tem a dizer ao provocar uma
reorganização física e social no espaço teatral. Seu corpo possui um status político,
que, mesmo falando sobre assuntos alheios à sua deficiência, produz um discurso.
Na relação entre dramaturgia textual e corporeidade, é interessante destacar
que grande parte do material textual do espetáculo é colocada em cena a partir
da narração ou de áudios pré-gravados. Na primeira parte da última cena, o
narrador reforça que Birita encontrou a tão procurada “vaga de emprego dos
sonhos” e apresenta os seus benefícios como uma grande conquista para a
palhaça. Birita, por sua vez, comemora como se estivesse sendo premiada como
uma campeã olímpica: coloca e beija seu crachá como uma medalha conquistada.
Aqui a presença de comicidade no jogo que se consolida na supervalorização
do emprego e na empolgação exagerada de Birita.
No decorrer da cena, são apresentados áudios que orientam Birita nesse novo
emprego e outros que representam colegas de trabalho. Os textos ditos por essa
segunda categoria de áudios solicitam alguma ajuda e, posteriormente,
repreendem-na ao tentar ajudar. Em resumo, a palhaça se mostra disponível e até
se desloca prontamente, mas sua ação é sempre interrompida pela voz externa.
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Posteriormente, as situações se repetem e Birita vai se cansando e as vozes
colocam o texto de forma cada vez mais ríspida. Enquanto as pessoas no ambiente
de trabalho ficam impacientes com a tentativa de agência de Birita, o flop vai
perdendo espaço, assim como a movimentação de Birita vai se restringindo a
poucos movimentos. Com o desânimo tomando conta do corpo de Birita, e a
rispidez cada vez mais presente nas vozes que interagem com a palhaça, o e a
espectadora acompanham o capacitismo se revelar, mesmo que ele tente ser
maquiado pelas pretensas “conquistas” de Birita no emprego, tal como o festejo
por ser escolhida a funcionária do mês. Conforme o recurso da repetição é
utilizado, vamos percebendo que quase toda a ação de Birita na empresa passa
pelo viés do capacitismo: ser impedida de fazer ações complexas, ser mantida em
um espaço específico embaixo da escada, ter seus movimentos controlados, ser
gratificada por simplesmente existir naquele local.
Para Itxi Guerra (2021), é preciso reconhecer a deficiência pelo modelo radical
para que se destaque o sistema opressivo que é o capacitismo e que tem suas
bases na própria ideia, consolidada socialmente, do que seja a deficiência.
O modelo radical considera a deficiência como um constructo social e,
portanto, como um sistema de opressão. Afirma que a deficiência é
definida pelo grupo opressor, ou seja, as pessoas sem deficiência. Por sua
vez, o vincula a outras opressões, criando uma ideia intersetorial de
deficiência. Afirma que todas as opressões (sexo, raça, orientação
sexual...) em algum momento da história também foram consideradas
deficiências. Está muito centrada na desconstrução da ideia de
normalidade, bem como na reivindicação de justiça, o que é chamado de
“disability justice” (Guerra, 2021, p. 15).
Para tanto, e voltando à dramaturgia da cena analisada que coloca em foco
o mercado de trabalho e as vivências de Birita na empresa multinacional, Guerra
(2021) defende que as bases do sistema capacitista são estabelecidas pela norma
que advém do sistema capitalista,
um sistema que vai destacar os corpos pelo seu viés produtivo e cada
indivíduo como um artefato produtivo ao sistema. Esse sistema é
pautado pela alta performance, uma vez que a quantidade do que é
produzido e o tempo de produção são para ele métricas de base. Assim
sendo, todo corpo que não atende às demandas da alta produtividade é
rotulado como incapaz, pois não pode fornecer a força de trabalho exigida
(Berselli, 2022, p. 16).
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A perspectiva da alta performance é também posta em questionamento por
Proctor, destacando a necessidade de mudança nos marcadores de sucesso, se
desejarmos concretizar a acessibilidade.
Percebi que se o drama e a performance fossem disponibilizados para
pessoas com deficiência em grande escala, seria necessário haver uma
mudança nas expectativas. Nem todos poderão entrar na indústria
cinematográfica ou atuar em peças profissionais, mas os residentes do
MDC eram perfeitamente capazes de atuar para outras pessoas ligadas
ao MDC. Os marcadores de sucesso simplesmente precisavam mudar. O
sucesso não estava relacionado com ganhar dinheiro ou obter
reconhecimento nacional, mas sim com aprender a comunicar
experiências partilhadas com outros através do teatro. No mundo da
palhaçaria, isso é possível porque o flop é integral16 (Proctor, 2020, p. 31).
Na última cena de Birita Procura-se, conseguimos acompanhar como os
marcadores de deficiência são colocados em operação de modo opressor ao se
pressupor um padrão de normalidade para responder às tarefas da empresa. Os
deslocamentos também são um aspecto que revela a opressão sofrida no espaço
de trabalho. Os trajetos se tornam cada vez menores ao longo da cena, podendo
representar a ascendente dominação e limitação provocada pela empresa no
corpo da palhaça. Dessa maneira, quem impõe essa limitação física ao corpo de
Birita é a própria empresa. Operando com o contraste, a corporalidade da atriz
revela os dois polos que estão presentes na cena: a empolgação pela conquista
do trabalho e o desânimo ao ter suas ações restritas e impedidas.
O corpo de Birita, em uma trajetória do início ao final da cena, vai ficando
cada vez menor, retraindo-se quando é reprimido pelas falas que delimitam suas
ações na empresa. A reviravolta ocorre quando a palhaça se rebela. O ápice se dá
quando a palhaça sobe até o último degrau da escada, rompendo com o ciclo de
opressão.
16 I realized that if drama and performance were to be made available for people with disabilities on a large
scale, there would need to be a shift in expectations. Not everyone will be able to enter the film industry or
act in a professional play, but the residents at MDC were perfectly capable of performing for other people
connected with MDC. The markers of success simply needed to change. Success was not connected with
making money, or getting national recognition, but instead with learning to communicate shared experiences
with others through theatre. In the realm of clowning, this is possible because the flop is integral. (Tradução
de Marcia Berselli)
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Considerações finais
Com a análise aqui apresentada, é possível identificar que em Birita Procura-
se temos uma cena que acolhe a deficiência e que, portanto, não opera na
exigência de uma adequação dos corpos, segundo parâmetros de normalidade
externos. Dramaturgia e atuação operam no sentido de mobilizar o riso por meio
de uma crítica social que tem seu ápice na transgressão das normas, quando Birita
não suporta mais a negativa. “Você não” é expressão emblemática do capacitismo,
destacada pela ativista Petra Kuppers, ao partilhar os momentos em que percebia
seu corpo como não desejado em determinados locais e atividades.
A deficiência é uma experiência individualizadora, na qual a diferença, em
suas muitas formas diferentes, torna-se experiencial como uma função
de categoria: VOCÊ NÃO. Você não pode jogar assim. Você não pode andar
aqui. Você vai se machucar se você se juntar a eles. Você será separado.
Deficiência e (sem itálico, sem inclinação) deficiência são ambas líricas:
individuação, análise, corte na palavra, na carne, um corte no campo
social17 (Kuppers, 2011, p. 97-8).
Se no início do espetáculo o flop está presente como estratégia para rirmos
junto com Birita, articulando aspectos da comicidade a partir de sua corporalidade
específica, como um fracasso libertador, no final percebemos um fracasso
opressor, que é da empresa e representa os limites externos impostos por um
sistema capacitista que nega aos corpos com deficiência o direito à expressão. Se
ele é presença constante no início do espetáculo, ao final observamos que ele vai
perdendo espaço, justamente quando o capacitismo passa a se fazer presente.
Antes, o corpo de Birita trazia o flop na imprecisão dos movimentos que levam ao
riso em ações vinculadas a determinadas profissões, existindo um riso pela
situação de desencaixe e pelo flop que advém da ação do corpo. ao final do
espetáculo, na cena analisada, não presença do flop. Isso porque a empresa
impede, com sua atitude capacitista, a ação de Birita. E, na falta de agência, não
17 Disability is an individuating experience, one in which difference, in its many different forms, becomes
experiential as a category function: NOT YOU. You cannot play like this. You cannot walk here. You will hurt
yourself if you join them. You will be separate. Disability and (non-italicized, non-slanted) disability are both
lyrical: individuating, parsing, a cut in the word, in the flesh, a cut in the social field. (Tradução de Marcia
Berselli).
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há como existir o
flop
.
Na reflexão acerca da interdependência entre os elementos cênicos e a
presença física e política da atriz Ariadne Antico no espetáculo Birita Procura-se, é
latente a potência dessa presença para a palhaçaria contemporânea, visto que o
corpo com deficiência e os seus discursos ocupam o centro criativo da obra,
produzindo o riso por vias anticapacitistas. Ou seja, Ariadne destaca, com sua cena,
que é possível proporcionar o riso por intermédio de uma palhaçaria acessível.
É necessário reforçar que o protagonismo da pessoa com deficiência não
deve ser limitado aos temas que orbitam a luta anticapacitista. A própria Ariadne
destacou, em 2021, durante o evento online Artes Cênicas e Acessibilidade Cultural,
que espera chegar a um momento em que sua criação artística não precise estar
vinculada à luta anticapacitista como tema central. O corpo de Ariadne é
discursivo e carrega significados marcados por pessoas sem deficiência e sua
presença na arte é um ato revolucionário que exige da sociedade capacitista uma
reorganização física, estética e política. A partir dessa reflexão, é pertinente trazer
mais uma fala de Ariadne no evento já mencionado, ao se referir que sua atitude
de resistência é estar presente em lugares que não esperam a sua presença
(ARTES E ACESSIBILIDADE, 2021).
Ariadne Antico assume um importante protagonismo na cena brasileira,
mobilizando não só práticas acessíveis, mas estudos e investigações teóricas que
atentem ao campo das artes da cena de modo mais diverso, plural e respeitoso
às diferenças. O campo de estudos sobre acessibilidade nas artes da cena vem se
consolidando nos últimos anos em território brasileiro, o que pode ser observado
nos núcleos de estudos universitários e nos palcos. Ainda muito a ser feito na
luta anticapacitista nas artes e esperamos que este estudo contribua para as
investigações e práticas futuras.
Referências
ARTES E ACESSIBILIDADE.
Artes Cênicas e Acessibilidade Cultural.
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24
ARTES E ACESSIBILIDADE.
III Encontro Artes Cênicas e Acessibilidade Cultural.
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so. Acesso em: 24 out. 2023.
Recebido em: 26/10/2023
Aprovado em: 30/03/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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