Perspectivas sobre a cena acessível a partir da análise do espetáculo
Birita Procura-se
Sidinei Mauro de Melo Junior | Marcia Berselli | Vinicius Rodrigues de Souza
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-25, abr. 2024
potencializá-las em cena como um aspecto cômico. A partir desse material, ela
percebe que, para grande parte da sociedade, o extracotidiano já está em seu
corpo, reconhecido como estranho pela falta de convivência das pessoas sem
deficiência com pessoas com deficiência. É aqui que reconhecemos a presença e
o uso do flop como um recurso específico.
Flop
, um termo da língua inglesa, em tradução livre significa “fracasso”. O flop
ou fracasso é um recurso muito utilizado na palhaçaria para rir dos erros
cometidos, de acontecimentos que, no dia a dia, fariam-nos sentir inferiores
perante a sociedade, mas que na palhaçaria se configuram como algo para se rir,
pois o jogo que se estabelece permite tal ação, o riso.11
Sue Proctor (2020) destaca que jogar com o
flop
é uma forma de aceitar
nossas capacidades, limitações e falhas. “No mundo da atuação do palhaço, tais
falhas são conhecidas como ‘o fracasso’; a intenção de trabalhar com ‘o flop’ é
praticar nossa capacidade de aceitar, jogar e compartilhar nossas limitações e
falhas” (Proctor, 2020, p. 30).12
Os palhaços falham irremediavelmente, imaginativamente, infelizmente,
triunfalmente, dolorosamente e por pouco – e se, por acaso, eles tiverem
sucesso, isso acontece por acidente ou desorientação. O sucesso do
palhaço em provocar o riso baseia-se em uma competência especial para
o fracasso, uma lição prática que permanece evidente nas rotinas
clássicas de Charlie Chaplin e Buster Keaton, nas travessuras televisivas
de Lucille Ball em I Love Lucy13 (Weitz apud Proctor, 2020, p. 30).
Através do jogo estabelecido pelo flop, o(a) palhaço(a) estabelece um campo
de vulnerabilidade com o(a) espectador(a), e através de tal vulnerabilidade, o(a)
espectador(a) consegue rir de convenções e códigos estabelecidos pela sociedade
que os(as) fariam se sentir inferiores. Nesse sentido, é importante destacar que
11 Essa reversão da falha em estímulo nos permite diferenciar a noção “flop” como recurso cômico da gíria
presente em contextos contemporâneos, especialmente nas redes sociais, utilizadas por grupos de jovens,
marcadamente da comunidade LGBT+ para designar situações ou ações que não obtiveram sucesso.
12 In the world of clown performance, such failures are known as ‘the flop’; the intention of working with ‘the
flop’ is to practise our ability to accept, play with, and share our limitations and failures". (Tradução de
Vinícius R. de Souza)
13 Clowns fail hopelessly, imaginatively, unluckily, triumphantly, heartbreakingly and barely—and if, perchance,
they succeed, it happens by accident or misdirection. The clown or clown-like performer’s success at
causing laughter bases itself upon a special competence for failure, a practical lesson that remains evident
in vintage routines by Charlie Chaplin and Buster Keaton, in the television antics of Lucille Ball in I Love Lucy.
(Tradução de Vinícius R. de Souza)