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Práticas teatrais e pessoas idosas:
em busca de ressignificações
Sidmar Silveira Gomes
André Luís Rosa
Edna Cristina da Silva Batista
Para citar este artigo:
GOMES, Sidmar Silveira; ROSA, André Luís; BATISTA, Edna
Cristina da Silva. Práticas teatrais e pessoas idosas: em
busca de ressignificações.
Urdimento
Revista de Estudos
em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 51, jul. 2024.
DOI: 10.5965/1414573102512024e0202
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Práticas teatrais e pessoas idosas: em busca de ressignificações
Sidmar Silveira Gomes | André Luís Rosa | Edna Cristina da Silva Batista
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-25, jul. 2024
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Práticas teatrais e pessoas idosas: em busca de ressignificações1
Sidmar Silveira Gomes2
André Luís Rosa3
Edna Cristina da Silva Batista4
Resumo
Ao pesquisar a articulação entre práticas teatrais e pessoas idosas, a primeira parte desta pesquisa
encontrou uma discursividade reiterativa do teatro como instrumento para a melhoria da qualidade de
vida das pessoas idosas. Intentando problematizar isso, buscou-se diálogo teórico com Denis Guénoun
(2004) e suas urgências para o teatro contemporâneo; e Michel Foucault (2010), no que tange às suas
noções de norma. Na segunda parte da pesquisa, a partir da proposição de uma ação artístico-
pedagógica, refletiu-se sobre as pessoas idosas em ação cênica como possibilidade para a melhoria
da “qualidade de vida” do teatro contemporâneo, resultando em deslocamentos e ressignificações
múltiplas.
Palavras-chave
: Idosos/as. Pedagogia do teatro. Dramaturgia. Biopolítica.
Theater practices and elderly people: in search of resignification
Abstract
By focusing on the articulation between theatrical practices and elderly people, the first part of this
research found a reiterative discursiveness of theater as an instrument for improving the quality of life
of the elderly. Trying to problematize this, a theoretical dialogue was sought with Denis Guénoun (2004)
and his urgencies for contemporary theater; and Michel Foucault (2010), regarding his notions of norm.
In the second part of the research, through the proposition of an artistic-pedagogical practice, a
reflection was made on the elderly in scenic action as a possibility for improving the “quality of life” of
contemporary theater, resulting in multiple displacements and resignifications.
Keywords:
Elderly. Theater pedagogy. Dramaturgy. Biopolitics.
Prácticas teatrales y personas mayores: en busca de nuevos significados
Resumen
Al enfocarse en la articulación entre las prácticas teatrales y las personas ancianas, la primera parte
de esta investigación encontró una discursividad reiterativa del teatro como instrumento para mejorar
la calidad de vida de las personas ancianas. Tratando de problematizar esto, buscamos un diálogo
teórico con Denis Guénoun (2004) y sus urgencias para el teatro contemporáneo; y Michel Foucault
(2010), en cuanto a sus nociones de norma. En la segunda parte de la investigación, a través de la
proposición de una práctica artístico-pedagógica, se reflexionó sobre las personas ancianas en la acción
escénica como posibilidad de mejora de la “calidad de vida” del teatro contemporáneo, resultando en
múltiples desplazamientos y resignificaciones.
Palabras clave:
Ancianos. Pedagogía teatral. Dramaturgia. Biopolítica.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Thiago Henrique Ramari, doutor em Letras pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
2 Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Teatro (USP). Licenciatura Plena
em Artes Cênicas (USP). Prof. Adjunto do Dept. de Música e Artes Cênicas da Universidade Estadual de
Maringá (UEM), Paraná. sidmar.gomes@uol.com.br
https://orcid.org/0000-0003-4177-2464 http://lattes.cnpq.br/4340498790826970
3 Doutorado em Estudos Artísticos Teatrais e Performativos pela Universidade de Coimbra/Portugal.
Mestrado em Artes Cênicas (UFBA). Licenciatura Plena em Artes Cênicas (UNESP). Prof. Adjunto do Dept. de
Música e Artes Cênicas da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Paraná. alrosa@uem.br
https://orcid.org/0000-0002-4932-2858 http://lattes.cnpq.br/9501085544751356
4 Discente do curso de Artes Cênicas - Licenciatura em Teatro da Universidade Estadual de Maringá.
ra122417@uem.br
https://orcid.org/0009-0006-4610-0148 http://lattes.cnpq.br/9498122652437592
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Ponto de Partida
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)5, promulgada em 10 de
dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), afirma que os
direitos são universais, indivisíveis e interdependentes, pois se aplicam a todas as
pessoas, sejam elas crianças, jovens, adultas ou idosas.
Visivelmente inspirado na DUDH, o Estatuto da Pessoa Idosa6, Lei Federal
10.741, de 1º de outubro de 2003, apresenta em seu artigo 27º que
I) Todo o homem tem o direito de participar livremente da vida cultural
da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e
de fruir de seus benefícios. II) Todo homem tem direito à proteção dos
interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica, literária ou artística da qual seja autor [...].
Em seu artigo 20º, o estatuto diz que “[...] a pessoa idosa tem direito à
educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que
respeitem sua peculiar condição de idade”.
São infinitas as possibilidades de inserção e participação de pessoas idosas
na sociedade, tornando-se as práticas artísticas grandes aliadas para a melhoria
da qualidade de vida, da dignidade e da garantia de proteção para essa população,
grupo que cada vez mais cresce não no Brasil, mas na população mundial como
um todo.
Segundo a ONU, estima-se que em 2050 a população idosa chegará a 30%
da população mundial. Sabemos que muitas vezes nossa sociedade contribui para
que o processo de envelhecimento seja encarado como algo indesejado, espécie
de fim. Seja por imaginar que a pessoa idosa é algo descartável, economicamente
improdutivo da perspectiva de uma lógica capitalista; seja por conta das
vulnerabilidades de saúde que acometem as pessoas idosas, tornando-as,
consequentemente, mais dependentes, tais estigmas são limitadores, pois, além
de padronizarem os processos de envelhecimento, desmotivam a pessoa idosa a
5 Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf.
Acesso em: 01 mar. 2023.
6 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm.Acesso em: 01 mar. 2023.
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querer procurar ou participar de algo que faça com que o processo de envelhecer
seja o contrário disso, agradável e satisfatório. Não se pretende aqui romantizar
as velhices, mas também não se seguirá pelos caminhos de sua estigmatização.
Dito isto, esta reflexão, fruto de uma pesquisa de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq-FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA-UEM), debruça-se sobre a articulação entre
as práticas teatrais e as vivências das pessoas idosas, com o fito de analisar,
primeiro, como tem sido pensado esse tema e, segundo, quais as outras formas
de pensá-lo e/ou praticá-lo ainda passíveis de serem inventadas. Interessou
investigar esse tema não apenas pela perspectiva das contribuições das práticas
teatrais para a qualidade de vida das pessoas idosas, mas, sobretudo, da
contribuição das vivências e das experiências das pessoas idosas para a invenção
de novos caminhos éticos e estéticos possíveis à pedagogia do teatro. Assim, o
trabalho foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi proposto um levantamento
bibliográfico acerca do tema de investigação, por meio da pesquisa de fontes que
refletem sobre o tema das práticas teatrais direcionadas às pessoas idosas. Feito
esse alicerce inicial, a partir do que nele foi encontrado, partiu-se para a segunda
etapa da proposta, a realização de uma oficina de teatro destinada a pessoas
idosas e que objetivou investigar possíveis caminhos metodológicos para a criação
cênica com esse público específico.
Sobre as práticas teatrais e as pessoas idosas: um
levantamento temático
A seguir, apresentam-se alguns trabalhos realizados sobre a temática do
teatro e das pessoas idosas. Trata-se de artigos científicos, livros, capítulos de
livros, trabalhos de conclusão de curso, resumos expandidos etc.; uma espécie de
estado da arte do tema que aqui nos interessa.
Inspirados/as nos percursos da pesquisa institucional “As Potencialidades da
Noção de Arquivo para Investigações no Campo da Pedagogia do Teatro”
(CNPq/UEM), realizamos a pesquisa dos textos de interesse para esta investigação,
que foram lidos e catalogados em tabela analítica organizada em quatro colunas:
1) referências do texto; 2) categoria; 3) Palavras e ideias-chave; 4) trechos-chave.
Cumprida essa etapa, partiu-se para a organização do mapeamento abaixo
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apresentado.
No artigo “O corpo como espaço de aprendizagem", de autoria de Evany
Almeida, Anna Azevedo-Martins e Viviane Nunes (2013), relata-se a vivência de um
grupo de teatro formado por adultos/as na maturidade. A pesquisa etnográfica de
observação participante traz a relação do corpo de cada um/a desses/as
participantes com os dos/as outros/as e consigo mesmo/a. Foram
entrevistados/as no âmbito de tal investigação 13 mulheres e dois homens com
idades entre 60 e 85 anos. As autoras relatam que as práticas vividas por essas
pessoas, além de valorizarem a expressão corporal em si, estimularam e
contribuíram para a criatividade, o estímulo de cooperação e o fortalecimento da
malha de relações sociais, favorecendo o aprendizado em todos os sentidos.
Segundo as pesquisadoras, as pessoas idosas participantes obtiveram novos
saberes por meio dos processos de aprendizagem e, em consequência, foram
capazes de desenvolver conhecimentos que transformaram suas vivências.
Terminam as autoras alertando que atividades que envolvam pessoas idosas “[...]
não devem ser pensadas somente para preencher seu tempo livre, mas também
para desenvolver ou fazer aflorar habilidades como a criatividade, a capacidade
de enfrentar e superar desafios" (Almeida; Azevedo; Nunes, 2013, p. 214).
No artigo “Teatro Renascer: da pedagogia à poética da cena”, de Carmela
Soares (2011), a pesquisadora se debruçou sobre as histórias de vidas e os
fragmentos de memórias de pessoas idosas como principal material dramático
usado em cena. Trabalhou-se a consciência corporal, o bem-estar psicológico, a
valorização das experiências e o sentimento da pertença à comunidade ativa. Foi
formado um grupo de estudos com mulheres de 60 a 80 anos de idade no interior
de um projeto de extensão universitária na Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (Unirio), no ano de 2005. Ressalta Soares que a pesquisa teve como
base dois interesses: responder positivamente ao que vinha acontecendo no grupo
de ioga do qual essas idosas faziam parte, além de partilhar o material recolhido
nas vivências dos/as idosos/as nas comunidades, o qual poderia ser aproveitado
no palco oportunamente. O objetivo do trabalho foi o de fazer as pessoas idosas
participantes entenderem a importância dos pés durante todo o tempo de suas
vidas, visto que cada integrante era diferente e contava também histórias
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diferentes, revelando assim as possibilidades da ação teatral contida em seus pés,
os quais marcavam cada história de forma singular.
A pesquisa intitulada “Breve dramaturgia da memória: oficina de teatro com
idosos”, feita por Beatriz Venâncio (2008), reflete sobre o processo de trabalho
desenvolvido com um grupo de teatro formado por idosos/as, no âmbito de um
programa de extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF). Nesse processo,
a linguagem teatral foi utilizada como um recurso para a compreensão das
subjetividades desses/as idosos/as, partindo da teatralização de suas lembranças.
Foi criado um arquivo no qual foram inseridos os sonhos, os casamentos e os
desejos que nunca foram realizados pelos/as participantes. As histórias que
nasceram a partir desse arquivo foram reconstruções do passado e histórias e
lembranças pertencentes a todas as pessoas participantes. Esse grupo era
composto por cerca de 25 mulheres e quatro homens, moradores de Niterói, Rio
de Janeiro e seus arredores. As histórias de vida coletadas foram transformadas
em fontes e textos dramatúrgicos que, posteriormente, compuseram a montagem
de um espetáculo.
Outra reflexão que merece menção é o texto “Projeto movimento teatral
FEEVALE”, encontrado no caderno de resumos do Salão de Extensão Universitária
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), edição 2013. De autoria de
Cristiane Saraiva (2013), esse texto apresenta o trabalho do grupo “Movimento
Teatral, Ousadia na Terceira Idade”, uma oficina de teatro para pessoas idosas
vinculada ao projeto de extensão “Movimento Teatral”, mantido pelo Curso de
Artes Visuais do Instituto de Ciências Letras e Artes e pela Pró-reitora de Extensão
da Universidade FEEVALE. A oficina teve como objetivos estimular tanto a
memorização quanto a consciência corporal, a criatividade, a valorização e a
transmissão dos conhecimentos antigos e, com isso, ensinar às gerações futuras
os conhecimentos ancestrais por meio dos espetáculos criados. As montagens e
as intervenções teatrais resultaram dos assuntos abordados no grupo: por meio
destes, os/as participantes puderam transmitir suas experiências de vida, as quais,
após trabalhadas nas oficinas, geraram cenas e intervenções artísticas que foram
apresentadas e expostas em vários lugares. A autora destaca que nesse grupo as
atividades teatrais tiveram como inspiração metodológica as técnicas teatrais
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desenvolvidas por Augusto Boal (1999) e Viola Spolin (2001), as quais foram usadas
para, além de tornar os corpos dos/as participantes menos mecanizados,
proporcionar o protagonismo por meio de suas próprias histórias.
O artigo “Fotografia e memória de gestos cênicos: estudos sobre velhice e
linguagem teatral”, de autoria de Beatriz Venâncio (2016), tem como ponto de
partida as histórias vividas e contadas pelas pessoas idosas participantes. Foi um
projeto de extensão que teve como meta analisar o impacto da prática teatral na
vida de pessoas idosas. A investigação procurou ressaltar o papel que essas
pessoas ocupam na sociedade e sua importância de forma geral. A metodologia
de trabalho interessou-se pelo teatro colaborativo, fazendo uso dos jogos
dramáticos de Augusto Boal (1999) como principal fonte. Durante a pesquisa,
foram utilizadas práticas que oportunizaram a vivência lúdica e investigativa da
linguagem teatral, possibilitando aos/às participantes o conhecimento dessa
linguagem e estimulando a expressividade corporal e verbal para que criassem
formas de contar suas próprias histórias e memórias. De acordo com a
pesquisadora, foi possível observar nesse grupo a figura do/a idoso/a oprimido/a
e marginalizado/a. O anseio de serem ouvidos/as era unânime, o sentimento de
ser um fardo para a sociedade levou muitos deles/as a se isolarem e se
acomodarem, ocasionando, muitas vezes, o agravo de doenças, entre elas a
depressão e a ansiedade. Venâncio (2016) expõe que o projeto não se interessou
apenas pela ocupação da cabeça de pessoas idosas em suas horas ociosas, mas
tornou-se uma forma delas poderem reconhecer a si mesmas e a realidade a sua
volta, fomentando meios possíveis para transformar a realidade, portanto,
conferindo a elas status de protagonistas de suas vidas. Ao longo do projeto, foi
elaborado um arquivo de vida com fragmentos das memórias. Esse arquivo foi
usado como material bruto, lapidado e transformado em material dramatúrgico.
Montou-se, assim, um grande arquivo de histórias que posteriormente resultou na
criação de espetáculos teatrais encenados por idosos/as.
o texto “Teatro e pandemia da Covid-19: repercussões nas relações
sociofamiliares de atores e atrizes idoso(a)s da USP 60+” é resultado de um estudo
feito com um grupo, com o objetivo de investigar as consequências da pandemia
Covid-19 na vida social e dos/as familiares de um coletivo de idosos/as que faziam
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curso de teatro na Universidade de São Paulo (USP). Nessa pesquisa foi utilizada
a entrevista com roteiros semiestruturados. Além dos/as idosos/as, também
participaram seus/suas familiares. De acordo com os/as pesquisadores/as Alice
Rosa, Deusivania Falcão, Bibiana Graeff, Robson Camargo e Rosa Chubaci (2020),
os principais resultados indicaram situações desfavoráveis à saúde e ao bem-
estar, facilitados pelo distanciamento social dos/as idosos/as que fizeram parte
da pesquisa. A investigação levou em consideração o trabalho desenvolvido pelo
programa Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI) da Escola de Artes,
Ciências e Humanidades (EACH) da USP, iniciativa interessada em possibilitar à
pessoa idosa aprofundar conhecimentos na área de seu interesse e trocar
experiências com outros/as idosos/as e jovens estudantes universitários/as.
Nessas oficinas de teatro foram propostos jogos teatrais e a criação de textos,
falas e cenas curtas, respeitando as especificidades dos/as participantes
envolvidos/as.
O projeto de teatro na terceira idade é uma das maneiras de manifestar
o melhor da arte no desenvolvimento social do ser humano e, assim,
potencializar pessoas sensíveis, reflexivas, espontâneas, e que sejam
capazes de se colocar no lugar do outro, utilizando das suas lentes para
observar, interpretar e experienciar a atividade e a vida cotidiana
individual e coletiva (Rosa; Falcão; Graeff; Camargo; Chubaci, 2020, p.
649).
Partindo desse pressuposto, de acordo com os/as autores/as, desenvolver a
expressão artística para o autoconhecimento e a compreensão da própria velhice
torna-se um caminho profícuo e instigante. No transcorrer da pandemia da Covid-
19, foi necessária a paralisação das atividades presenciais das oficinas. O objetivo
seguinte foi o de analisar as consequências desse distanciamento nas relações
sociais e familiares de seus/suas integrantes, tendo em vista encontrar subsídios
e propostas que interviessem e fortalecessem os vínculos afetivos e de bem-estar
social dessas pessoas. Para a entrevista semiestruturada, foram enviadas
perguntas via WhatsApp, as quais foram respondidas pelos/as idosos/as
participantes tanto de forma escrita quanto por meio de áudio. Os/As autores/as
indicam que os resultados da pesquisa estão presentes nas falas dos/as
próprios/as participantes, ao relacionarem o distanciamento social com os
seguintes sentimentos e emoções: “[...] tristeza, ansiedade, frustração, sensação
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de aprisionamento, sentimento de impotência, sentimento de falta de amigos, do
teatro, de se divertir, distrair, da troca de aprendizado no grupo” (Rosa; Falcão;
Graeff; Camargo; Chubaci, 2020, p. 653).
O significado do conceito “envelhecimento ativo” é problematizado no artigo
“Envelhecimento Ativo em Questão: Reflexões a partir de uma Oficina de Teatro
com Pessoas Idosas”, de autoria de Cinthia Siqueira e João Martins (2019). A autora
e o autor dizem que esse conceito, por carregar certa subjetividade sobre o
envelhecer, precisa ser reavaliado. Assim, ele se configura como uma palavra de
ordem, pois é perpassado por prescrições sobre o que seria um envelhecimento
bem-sucedido, criando a pessoa idosa-modelo, descartando a possibilidade de
dissensos e singularidades. Como forma de superar isso, trazem à baila vivências
de teatro interessadas em proporcionar às pessoas idosas uma forma de vida
inusitada, na qual tenham a oportunidade de novas experimentações e linguagens.
Segundo Siqueira e Martins, o teatro é um dos meios pelos quais se pode
transgredir as linguagens existentes na sociedade, proporcionando que seus/suas
participantes se vejam como sujeitos e agentes de suas próprias criações
artísticas. A autora e o autor defendem que esse conceito de “envelhecimento
ativo” pode esconder futuros problemas, pois a romantização que lhe ronda faz
com que as pessoas idosas se sintam incapazes, por não atingirem a expectativa
que a sociedade espera delas.
Diferentemente deste ideário, nosso texto busca oferecer outra visão
sobre o processo de envelhecimento. Uma abordagem que não disfarce
os sofrimentos inerentes às pessoas que envelhecem, mas faça deles
potências de existir. Em vez de pautar-nos na compensação do que falta,
e almejar o afamado envelhecimento ativo e saudável, sugerimos
fomentar as potencialidades da velhice, a partir da liberação das pessoas
idosas para o acontecimento vital em sua plenitude (Siqueira; Martins,
2019, p. 156).
Assim, concluem que
[...] no lugar de uma vivência que preconiza saúde e instrução,
recomendamos que é preciso liberar as pessoas idosas das mesmices e
opressões propagadas abdicar da tutela, da monitoria de suas vidas,
para potencializá-las, a fim de que possam se emancipar do
conhecimento e das tecnologias criadas para gerir suas vidas (Siqueira;
Martins, 2019, p. 169).
O ensino do teatro para idosos periféricos da cidade de Santa Maria (RS) foi
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assunto do artigo “O ensino de teatro para idosas na periferia de Santa Maria/RS”,
de autoria de Laís Marques (2020). A pesquisa teve como foco um grupo de
mulheres de 30 a 80 anos, em sua maioria trabalhadoras com grau de
escolaridade baixo e sem acesso à cultura. Os encontros aconteceram na
frequência de duas noites por semana, nas quais foram trabalhados alongamentos
e jogos dramáticos. O objetivo foi demonstrar para as participantes os seus vícios
de movimento, os quais restringiam a fluidez de seus movimentos cotidianos.
Segundo a autora, a partir desse trabalho foi possível proporcionar a essas
mulheres a possibilidade de conhecer a potência criativa de suas histórias e
trajetórias, além da realização de ações culturais por todo o bairro. A autora
complementa chamando a atenção para o fato de que seria evidente “[...] a falta
de local de fala para idosos e o próprio desconhecimento de suas histórias e
trajetórias, o que torna a relação entre idosos-jovens, a cada dia, mais distante e
com maior necessidade de incentivo” (Marques, 2020, p. 297). Marques destaca
que pôde constatar que a rigidez contida no grupo não dizia respeito somente aos
corpos, mas também estava presente nos preceitos e posições políticas vividas
pelo grupo.
No texto “Maturidade (Em) Cena: arte e qualidade de vida na terceira idade”,
de autoria de Renata Silva, Lais Oliveira e Jadyla Sousa (2021), relata-se as
experiências desenvolvidas por um projeto de extensão promovido pelo curso de
Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Tal projeto
oferece oficinas de teatro a grupos de idosos/as na cidade de Palmas e, debruçado
sobre práticas que articulam arte e saúde, objetiva promover a qualidade de vida
e o envelhecimento ativo dos/as integrantes, incluindo a discussão e a realização,
durante a pandemia da Covid-19, de ações no formato remoto. As oficinas de
teatro, pensadas inicialmente para acontecerem de forma presencial, foram
adaptadas para a forma remota por volta de agosto de 2020, data a partir da qual
o grupo passou a se encontrar remotamente uma vez por semana, em encontros
com duração de uma hora. Destacam as autoras que foi possível, ainda que de
forma remota, a realização de alguns exercícios, tais como os de relaxamento,
alongamento, respiração e consciência corporal e até jogos e dinâmicas que
estimulavam a atenção, envolvendo a todos/as. A partir do compartilhamento das
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histórias das pessoas idosas participantes, foi criado um experimento cênico
chamado “Prosa na Janela”, por meio do qual essas pessoas exploraram as janelas
de suas casas como possibilidades de abertura para o mundo. Concluem as
autoras que
[...] o projeto promove o protagonismo do idoso em suas ações e para
tanto desenvolve seu trabalho a partir da criação coletiva e colaborativa
entre jovens e idosos, incentivando a intergeracionalidade na prática
extensionista. Depreende-se como consequência que o projeto tem sido
uma ação positiva tanto para os idosos atendidos, quanto para os jovens
bolsistas que atuam como monitores junto à professora coordenadora
(Silva; Oliveira; Sousa, 2021, p. 68).
O próximo texto contempla um Trabalho de Conclusão de Curso intitulado
“Teatro na Terceira Idade: Costurando vidas em cena”, de autoria de Amanda
Figueiredo (2017) e apresentado à Universidade Federal do Pará (UFP), no âmbito
do curso de Licenciatura Plena em Teatro. A pesquisadora se interessou por
meio de cinco cartas pessoais nas quais relata suas experiências como bolsista e
estagiária do Projeto de Extensão “Teatro, Memória, Música e Poesia na Melhor
Idade” por apresentar considerações sobre a inserção da pessoa idosa no
universo teatral, tendo como material as memórias das pessoas participantes,
convocadas a exercerem seus protagonismos. A partir de uma oficina de teatro
com idosos/as, embasada em jogos dramáticos de Augusto Boal (1999), o processo
culminou em uma montagem teatral. Figueiredo segue dizendo que não somente
uma história foi levada para a cena, mas várias histórias se entrelaçaram e,
criativamente, formaram a grande colcha de retalhos das memórias vivas que ali
estiveram durante todo o projeto.
A pesquisa que segue, intitulada “Teatro como uma ferramenta tecnológica
para a promoção da saúde dos idosos”, de Deoclécio Barbosa, Juliana Brito, Ana
Paula Soares, Manuela Coelho e Rachel Barbosa (2017), teve como objetivo
incentivar o conhecimento em saúde do/a idoso/a, visando seu fortalecimento no
aspecto da enfermagem. O estudo se interessou pela utilização do teatro como
ferramenta, aliada à enfermagem, na promoção da vida das pessoas idosas. O
trabalho se deu em uma associação beneficente na cidade de Fortaleza, Ceará,
que atende a cerca de 130 idosos/as. As oficinas teatrais realizadas seguiram o
caminho do estímulo à memória e à abordagem de assuntos pertinentes ao
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envelhecer. Desses estímulos, foram coletados dados em forma de questionários
autoaplicáveis, antes e após a encenação teatral realizada ao final da proposta. O
autor e as autoras relatam que foram elaborados nas dinâmicas e oficinas jogos
que permitiram a participação de todo o grupo, sendo possível questionar e
discutir as propostas apresentadas. Após alguns encontros, foi criada uma peça
teatral, intitulada “Páginas da Vida”. Nela foram abordadas questões como a
violência familiar para com o/a idoso/a, o preconceito, o tabagismo, a sexualidade
e a qualidade de vida das pessoas de idade avançada. Concluem dizendo que:
“[...] o teatro apresentou-se como uma ferramenta tecnológica de promoção da
saúde bastante efetiva que tem repercussão nas diferentes esferas do indivíduo,
em especial, a social e psíquica (Barbosa; Brito; Soares; Coelho; Barbosa, 2017, p.
2232).
Em “A prática da dança-teatro na maturidade”, de Selma Vieira, Kerolyn
Garcia, Dyego Henrique e Margô Kanikowski (2018), buscou-se a integração dos/as
idosos/as com a dança, por meio da sensibilização corporal, com a finalidade de
se resgatar valores de memórias por meio da criatividade, do equilíbrio, da
flexibilidade e da autoestima. Foram criados exercícios de corpo e voz, além de
técnicas de dança contemporânea e teatro, em encontros duas vezes por semana,
cada um com duração de duas horas. Durante o percurso, foram desenvolvidos
dois trabalhos: “Cidadãos Anônimos e suas Palhaçarias”, no qual foram expostas
cenas com enfoque no descaso sofrido pelos/as idosos/as; e “Como se Fosse
Sofia”, que dizia respeito às histórias e memórias das pessoas participantes,
valorizando o itinerário percorrido por cada uma durante sua vida. Os/as
autores/as ressaltam, por meio dessa reflexão, a importância das práticas de Artes
Cênicas para uma maior autonomia e expressividade da pessoa de idade
avançada.
A seguir nos debruçamos sobre outro trabalho de conclusão de curso, esse
de autoria do discente Matheus Martins de Souza (2019). Intitulado “Jogos Teatrais
e consciência corporal na vida adulta tardia: uma motivação para que o idoso
brinque e crie”, o trabalho diz trazer como enfoque o bem-estar do corpo da
pessoa idosa a partir da sensibilização e do resgate de seu equilíbrio e autoestima.
A pesquisa qualitativa teve como caminhos duas intervenções em um grupo de
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teatro para idosos/as numa unidade do Serviço Social do Comércio (SESC) do
Distrito Federal. Segundo o autor, foram trabalhados ao longo desse processo os
jogos teatrais de Viola Spolin (2001) unidos a conceitos e práticas da Educação
Física, estratégia que possibilitou ao pesquisador avaliar a importância que essas
duas práticas, quando aliadas, podem ter na vida do/a idoso/a no que tange aos
aspectos psicológicos e à relação com a sociedade na qual estão inseridos/as.
Ressalta o autor que, enquanto a Educação Física se preocupa com o bem-estar
do corpo, as práticas teatrais abordam sentimentos e emoções explorados por
meio de jogos cênicos e brincadeiras, daí a pertinência de se aliar essas duas
práticas. Foi montada uma peça como conclusão do trabalho. Ao finalizar o texto,
Souza relata que: “[...] além de resgatar brincadeiras da infância e das novas
variações, a Educação Física unida aos Jogos Teatrais se mostrou um importante
enriquecedor como recurso social, afetivo e emocional” (Souza, 2019, p. 44).
Como pode-se observar, guardadas as devidas especificidades de cada texto,
e pelo recorte dos trabalhos aqui escrutinados, as pesquisas tomam as práticas
teatrais, quando seu público-alvo são as pessoas idosas, como uma espécie de
ferramenta tecnológica de promoção da saúde e do bem-estar, pela qual seria
garantido a esse público o aflorar de suas habilidades sociais, expressivas,
criativas, corporais, de memória etc. Servem de contexto para as práticas teatrais
com pessoas idosas desde projetos de extensão universitária, até trabalhos e
serviços ofertados por centros de convivência, ONGs e instituições culturais.
Publicizadas como experiências profícuas no que tange à intergeracionalidade,
fundamental para a troca de saberes e experiências por parte de pessoas de
idades diferentes, as investigações acima relatadas, ao procurarem não
estigmatizar as velhices, escolheram como metodologias de trabalho com as
linguagens cênicas, sobretudo, os caminhos propostos pelos jogos dramáticos de
Augusto Boal e os jogos teatrais de Viola Spolin. no que tange aos caminhos
metodológicos das pesquisas, opta-se, em grande parte, por entrevistas e
questionários como método para o recolhimento de dados e a avaliação dos
percursos investigativos. Às vezes nomeados/as como adultos/as na maturidade,
às vezes como idosos/as ou pessoas na terceira idade, os/as participantes desses
processos, em sua maioria não atores/atrizes, contribuíram com as construções
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cênicas descritas a partir de suas memórias e experiências de vida,
desempenhando, dessa forma, de acordo com os/as autores/as desses trabalhos,
a capacidade de envelhecerem de forma ativa, produtiva e, portanto, exercendo
seus protagonismos. Disso tudo, logo, é inegável que todos esses trabalhos
convergem no sentido de refletirem sobre as práticas teatrais como instrumento
para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar das pessoas idosas. A questão
que daí emerge é: seria possível pensarmos em outra chave quando temos como
foco as pessoas idosas e as práticas teatrais? E se invertêssemos essa lógica,
propondo-nos a refletir sobre as pessoas idosas em ação cênica como
possibilidade para a melhoria da “qualidade de vida” do teatro contemporâneo,
este sim, não raro, caduco dada à previsibilidade de seus caminhos de criação,
reflexão, proposições éticas e estéticas? Estas perguntas inspiram a prática
relatada a seguir.
Entre necessidade e norma
O livro “O Teatro é Necessário?”, do artista e professor franco-argelino Denis
Guénoun (2004), traz em seu contexto discussões relativas à necessidade do
teatro na contemporaneidade, dando enfoque ao papel do/a espectador/a. O autor
reflete sobre como o cinema teria usurpado do teatro a fantasia do/a
espectador/a, já que daria conta, de forma eficaz, da necessidade de identificação
por parte dele/a com as personagens e as situações acompanhadas, enfatizando
que essa identificação, por meio da ilusão, permitiria tanto a atores/atrizes quanto
a espectadores/as “[...] experimentar sensações, cometer ações, assumir um ser”
(Guénoun, 2004, p. 79). Dessa forma, segundo o autor, o cinema teria se apoderado
do imaginário do/a espectador/a e da ilusão a ele atrelada. Na cinematografia,
ator/atriz e personagem se tornaram uníssonos/as, mesmo que na imaginação
do/a espectador/a. Além disso, adverte o autor que “[...] o teatro está em crise
devido ao divórcio, a separação entre a atividade de fazer e a de ver. Ambas
existem em condições que se deem simultaneamente” (Guénoun, 2004, p. 14).
Assim, a que necessidade responderia o teatro no contexto da cena
contemporânea?
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Defendendo a tese de que a necessidade do teatro se inscreve nas
experiências do humano, tanto em sua constituição física, quanto em sua
organização comunitária, Guénoun apresenta que, atualmente, poder-se-ia
observar que, no palco, o jogo restrito entre os/as atores/atrizes e os efeitos
adicionais que diriam respeito aos papéis por eles/elas representados não
garantiriam mais a originalidade dessa linguagem. Hoje, o que se vê no palco seria
a não concordância do discurso com o jogo teatral.
Hoje, o sentido do jogo é o jogo. Não nos apressemos em deduzir que o
jogo não tem sentido algum: sob o pretexto de que o sentido de um ente
qualquer se desdobra fora de sua mesmidade em relação a si mesmo,
fora de seu fechamento identitário, e que, portanto, a perda do exterior
atestaria o esgotamento do sentido (Guénoun, 2004, p.138).
Dessa forma, defende Guénoun que seria necessário repensar as formas de
atuação do teatro a partir da superação das formas obsoletas que provocaram a
prostração de seus mecanismos. Ressalta que com isso não se reivindicaria a
morte do teatro, mas uma nova qualidade para sua vida, capaz de trazer ao/à
espectador/a e a todos/as os/as demais envolvidos/as muito prazer, diversão e
emoção. Defende que, para as práticas teatrais na contemporaneidade
reafirmarem sua vocação para o jogo, para o fazer compartilhado entre
atores/atrizes e espectadores/as, capaz de articular de modo produtivo a estética,
a ética e a política, faz-se fundamental que tais práticas se abram aos fluxos das
vidas que as rodeiam, absorvendo os/as chamados/as não artistas ou não
atores/atrizes, pois, segundo sua linha de raciocínio, a arte precisa dos/as não
artistas para que seus espasmos possam afetar e se somar às práticas da cena.
E a atividade do teatro deve ser medida, e conduzida segundo o
imperativo desta visibilidade comum. Não se trata de preconizar que os
teatros se transformem em motéis administrados por um gerente de
locações que aceita qualquer um que chegue. Trata-se de propor que
equipes profissionais, grupos de artistas e operários concebam,
organizem, programem e conduzam a atividade de espaços que
proporcionem a outros além deles as mais rigorosas possibilidades de
sua exibição (Guénoun, 2004, p. 159).
Continua o autor expondo que o teatro deve
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[...] abrir-se ao espaço prático e material, trazer os homens para a cena,
sua singularidade e seus grupos vivos que estão do lado de fora. Estes
jogadores conhecem regras que ainda estão por traduzir, espetáculos
desajustados, transpassados pelo não teatro, cenas que se abram ao
clamor e poemas do mundo à sua volta (Guénoun, 2004, p. 157).
Neste ponto cabe articular, a partir do eixo temático de interesse desta
pesquisa, o que propõe Guénoun às reflexões acerca das noções de sociedade de
normalização encabeçadas pelo pensador francês Michel Foucault. Na ótica deste,
“[...] o conceito de normalização refere-se a esse processo de regulação da vida
dos indivíduos e das populações” (Castro, 2016, p. 309). Apresenta Foucault que a
norma é algo que pode ser aplicado tanto a um corpo que se pretende disciplinar,
quanto a uma população que se deseja regulamentar.
A sociedade de normalização é uma sociedade em que se cruzam,
conforme uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e a norma da
regulamentação. Dizer que o poder, no século XIX, incumbiu-se da vida,
é dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do
orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o jogo duplo das
tecnologias da disciplina, de uma parte, e das tecnologias da
regulamentação, de outra (Foucault, 2010, p. 213).
Dessa forma, passam a ser mecanismos em função de uma sociedade de
normalização práticas como a visibilidade incessante, pessoas colocadas sob o
julgo de classificações permanentes, a hierarquização, a qualificação, o
estabelecimento de limites, a exigência de diagnósticos. Pela norma as pessoas
são divididas. Nesse contexto, saberes como a Medicina, a Psiquiatria, a
Psicanálise, a Psicologia e, não raro, até mesmo as Artes, entre outros,
desempenham assumidamente papéis de normalização, ao classificarem,
qualificarem, hierarquizarem, limitarem e lançarem diagnósticos sobre, por
exemplo, sujeitos infantis, jovens, adultos, idosos etc. Dessa forma, estaria sob o
escrutínio da norma tudo o que diria respeito ao sujeito, tais como seus desejos,
visões de mundo, modos de estruturar as condutas de si e dos/as outros/as,
relações interpessoais, sensibilidades e até mesmo suas formas de criar e se
expressar.
Ainda com Foucault, a definição dos/as normais, entre outros motivos,
operaria em razão de uma biopolítica (Foucault, 2010), forma pela qual, do século
XVIII em diante, buscou-se racionalizar os processos biológicos ou
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biossociológicos das massas humanas, ou seja, das populações. Trata-se, assim,
de uma tecnologia política interessada no governo das populações, a qual leva em
consideração fenômenos coletivos, de longa duração: a proporção de nascimentos
e óbitos; as taxas de reprodução, enfermidades e pandemias; as velhices; as
relações com o meio ambiente etc. Interessaria à biopolítica intervir para fazer
viver, ocupando-se das maneiras de se viver, dos “comos” da vida. Dessa forma, o
poder operaria interessado em ampliar a vida, controlando acidentes,
enfermidades, deficiências e tudo que pudesse levar à morte tida como o limite,
o extremo do poder.
Isso posto, os artigos temáticos apresentados no início deste texto,
mobilizadores e constituintes de saberes sobre as populações idosas e suas
individualidades, ao concordarem em uníssono com a discursividade regular do
teatro como instrumento eficaz para a melhoria da qualidade de vida e do bem-
estar das pessoas idosas, não evidenciariam e, ao mesmo tempo, reiterariam as
normas que incidem sobre o corpo idoso e as biopolíticas daí decorrentes?
Assim, inspirada pelas reflexões de Guénoun, em diálogo com o pensamento
de Foucault acerca da sociedade de normalização, esta investigação intenta
tensionar práticas normalizadas acerca das relações entre o teatro e as pessoas
idosas, a partir da invenção de formas outras de criação e fruição cênicas, abertas
aos fluxos dos jogos das vidas que as rodeiam, capazes de articular, de modo
efetivo, estética, ética e política. No limite, almeja-se com isso o encontro de
ressignificações tanto para as práticas do teatro, quanto, na mesma medida, para
as noções de senescência (Santos, 2019) das pessoas envolvidas com esse
processo.
O relato de uma experiência
Nesta parte da reflexão são compartilhados os encontros da oficina de teatro
“Ressignificando Vivências, Memórias e Afetos”, realizada com pessoas idosas em
uma unidade do Centro Municipal de Acolhimento da Cidade de Maringá, Paraná.
Essa oficina aconteceu ao longo de oito encontros, de 07/02 a 04/04/2023, com
duas horas de atividades semanais, e foi conduzida pela artista-educadora Edna
Cristina, com orientação do professor Sidmar Gomes e co-orientação do professor
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André Rosa. A iniciativa teve como objetivos: aproximar as pessoas idosas
participantes dos elementos da linguagem teatral; ressignificar relações entre as
práticas teatrais e as pessoas idosas; romper com estigmas relacionados às
pessoas idosas; e, por fim, desenvolver as capacidades expressivas, criativas e
sociais das pessoas envolvidas. Tivemos como caminhos metodológicos
atividades inspiradas nos jogos teatrais de Viola Spolin (2001), e em jogos
tradicionais, além de dinâmicas criadas pela condutora do processo, a partir das
especificidades do grupo, como se verá.
As atividades desenvolvidas não buscaram a formação profissional de
atores/atrizes. As práticas teatrais funcionaram como recurso para a
compreensão das subjetividades das pessoas participantes, por meio de
lembranças e encenações propostas, as quais intentaram valorizar a autonomia
de cada participante e o acolhimento de suas vivências e ideias, dando a cada
um/a oportunidade de se expressar.
Assim, fatos e acontecimentos do passado, retomados e encenados,
puderam ser ressignificados, o que possibilitou a cada participante dar um final à
sua história, como gostaria que de fato ela tivesse acontecido, revelando o caráter
prazeroso e recriador da existência. Nesse caminho, pôde-se perceber que
muitos/as desses/as idosos/as reivindicavam por espaços, autonomia e
fortalecimento de intelecto, instâncias que na vida cotidiana lhes eram negadas.
Como uma das primeiras atividades desenvolvidas, foi pedido para que os/as
participantes falassem sobre suas profissões e seus talentos. Foi impressionante
saber que aquelas pessoas idosas haviam desempenhado profissões como:
boiadeiro/a, enólogo/a, modelo, abanador/a de café. Dando prosseguimento ao
encontro, evidenciou-se como gestos considerados simples pelas gerações mais
jovens podem tornar-se complexos para pessoas de idade avançada. As
limitações físicas que a idade impõe impossibilitaram dinâmicas comuns às
práticas do teatro, como jogos de caminhada pelo espaço e exercícios de
alongamento, fato que demandou adaptação das atividades inicialmente
pensadas. Por outro lado, ainda que na maioria do tempo dos encontros os/as
integrantes permanecessem sentados/as em confortáveis poltronas dispostas em
círculo, o grupo tinha escuta e atenção apuradas, dificilmente encontradas em
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gerações jovens, geralmente de corpos ágeis e inquietos.
As lembranças de quando esses idosos e idosas eram crianças emergiam
com constância nas dinâmicas vivenciadas. Lembravam que quando crianças as
brincadeiras faziam parte de suas rotinas com os/as irmãos/ãs, primos/as e
amigos/as e, com isso, ficavam felizes pela oportunidade de deixar aflorar essas
lembranças.
Se, de acordo com Guénoun, um dos caminhos para que as práticas do teatro
possam se reoxigenar, fugindo das normas, é dando lugar também a não
atores/atrizes, pensamos que as pessoas idosas devem ser incluídas nesse grupo,
pois, além de terem muitas histórias e memórias para serem exploradas, seus
modos de vida e visões de mundo podem causar significativos pasmos nas
gerações mais novas. Remetemo-nos à ideia de pasmo, e sobre ela nos deteremos
nas próximas linhas, uma vez que essa foi uma sensação sentida com frequência
ao longo desse encontro de gerações. Segundo o dicionário Houaiss, pasmo é um
substantivo masculino que denota “sentimento de espanto, surpresa diante de
algo que não se espera; admiração, assombro”7, ou seja, algo que foge da norma.
Vivenciando com esses/as idosos/as a experiência artístico-pedagógica aqui
relatada, por meio da observação de suas propostas criativas, expressivas e
reflexivas sobre o mundo, como dito, fomos tomados/as por pasmos, espasmos
diante de nossos modos corriqueiros de praticar e compreender as linguagens do
teatro. Debruçar-nos-emos sobre as propostas de três idosos/as, para sermos
mais exatos/as. Trata-se dos/as três integrantes do grupo que mais se soltaram
ao longo das propostas trabalhadas, mostrando-se bastante comunicativos/as e
expressivos/as.
O primeiro é o senhor Zezinho. Embora à primeira vista parecesse ser uma
das pessoas mais tímidas do grupo, ele se mostrou totalmente disposto a
mergulhar com profundidade em suas lembranças. Quando perguntado sobre o
que mais sentia saudades, Zezinho, por meio de uma resposta de generosidade
ímpar, disse que sentia saudades de sua infância, sobretudo das brincadeiras com
7 Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/corporativo/apps/uol_www/v6-1/html/index.php#1. Acesso em:
10 jul. 2023.
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sua irmã mais velha. Ambos brincavam de casinha, varriam embaixo da árvore e
faziam casinha de boneca com folhas, cascas e gravetos. Ele ressaltou que a parte
que mais gostava era quando sua irmã o deixava colocar a boneca para dormir.
Tal boneca se chamava Dorminhoca. Quando se remeteu a essas memórias,
enquanto as narrava verbalmente, estendeu seus braços com delicadeza e
precisão gestual, como se estivesse com um bebê no colo, balançando-o
carinhosamente para os lados, como se estivesse realmente fazendo um bebê
dormir. Continuou sua narrativa expondo que, quando a boneca “dormia”, era
colocada na caminha que eles tinham preparado, complementando que a boneca
era muito linda e, mais uma vez, que sentia muitas saudades desse tempo. Para
nós era improvável imaginar que o Zezinho, aparentemente tão sério, gostasse de
brincar de boneca com sua irmã, que hoje é falecida, dadas as normas e
construções sociais de gênero, também presentes quando o que temos em mente
são corpos de pessoas idosas, tão enraizadas em nossos modos de ser e estar e,
consequentemente, também em nossos modos de pensar e construir discursos
cênicos. O improviso realizado por Zezinho, o qual teve como disparador suas
memórias de infância, constituiu-se como um acontecimento cênico performático
capaz de tensionar caminhos éticos e estéticos previsíveis. Outro pasmo que ele
nos proporcionou foi quando estávamos contando histórias com animais. O grupo
de integrantes deveria fisicalizar (Spolin, 2001) os animais narrados. Em uma das
histórias estava presente uma cobra. Zezinho surpreendeu a todos/as quando
demonstrou com o seu corpo a sua expressão de cobra: sua cobra foi fisicalizada
por meio de um bote, partitura física na qual participou seu corpo inteiro, mas,
sobretudo, as suas mãos. Ou seja, Zezinho nos mostrou uma outra possibilidade
para a presentificação de uma cobra, diferente, por exemplo, da expressão
corriqueira de movimentos sinuosos com o corpo.
Após o término do nosso quarto encontro, Edna se despediu do grupo e
comentou que naquele final de semana iria à praia. Foi então que Maria revelou
um desejo inesperado. Essa integrante, de saúde visivelmente frágil, estava
sempre alegre, sorridente e perfumada. Durante as atividades daquele encontro,
quando perguntada do que mais sentia saudades, relembrou de seu esposo,
falecido. Complementou dizendo que juntos construíram uma família muito feliz.
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Depois, quando soube que Edna iria à praia, perguntou se ela poderia lhe trazer
uma garrafa pet com água do mar para que lavasse suas pernas com a água
salgada e, com isso, relembrasse a sensação de estar na praia. Disse que sentia
muitas saudades do litoral e que, naquele momento, após o acidente cerebral
vascular (AVC) sofrido, não conseguia mais ir até o mar. Então, se contentaria com
a garrafa de água da praia para lavar suas pernas e pés e sentir o cheiro da água
do mar novamente. Sensibilizada, Edna até tentou atender ao pedido feito, mas,
por conta de acidentes de percurso, não conseguiu trazer intacta a garrafa
desejada. No dia do encontro, havia sido trabalhado na oficina um jogo que se
chama “O quanto você lembra”. Entre todos/as os/as participantes do dia, três se
dispuseram a participar: um/a ouvinte e dois/duas falantes. O jogo iniciou com
um/a jogador/a falante contando uma história para o/a ouvinte. Passado um
minuto dessa primeira história, o/a outro/a falante começou a outra história do
lado oposto do/a primeiro/a. Ambos/as os/as falantes continuaram suas histórias
enquanto o/a ouvinte teve que prestar atenção nas duas histórias que lhe eram
simultaneamente contadas. Após, o/a ouvinte teve de relatar ao restante do grupo
o quanto ele/a se lembrava das histórias que ouviu. Acreditamos que esse jogo
tenha colaborado para que as lembranças de Maria viessem à tona.
O último pasmo causado em nossos encontros envolveu o participante
Norberto. Apesar de sua pouca visão e audição, Norberto sempre se mostrou
muito comunicativo nas ações realizadas. No início, pareceu tímido, disse que não
sabia brincar e nem contar histórias, mas quando se soltou foi muito participativo.
Norberto lembrou de um fato que aconteceu quando ele era criança, no interior
de Minas Gerais. Revelou que seu avô gostava de caçar Saci. Um dia os meninos
estavam brincando no terreiro e apareceu um redemoinho. Eles correram chamar
o avô, que veio com uma peneira na mão, jogou-a sobre o redemoinho e, quando
este cessou de rodar, perceberam que tinha algo embaixo da peneira. O avô e os
meninos foram ver o que tinham pegado e encontraram um gorro vermelho.
Então, o avô disse a eles que o Saci pego era velho, pois quando isso acontecia o
corpo se desintegrava, ficando somente seu gorro. Norberto afirmou com toda
convicção que essa história era verdadeira. Sempre ouvimos histórias de Saci, mas
dessa forma era novidade. A narrativa de Norberto surgiu após a proposta do dia
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de trabalhar a confiança e a importância de estar atento/a aos cuidados de
uns/umas para com os/as outros/as. Na dinâmica do/a guia e do/a cego/a, o grupo
foi dividido em duplas: um/a era o/a guia e o/a outro/a o/a cego/a. O/A cego/a,
vendado/a, deveria ser guiado/a pela sua dupla. O/A guiador/a deveria zelar pela
segurança do/a cego/a ao longo dos deslocamentos pelo espaço da sala.
Caminharam durante três minutos e, após, trocaram as funções. Por fim, cada
participante compartilhou sua experiência com todo o grupo.
Assim, a partir desses quatro pasmos, ou seja, da reunião dessas quatro
imagens do menino que brinca com a boneca “Dorminhoca”, da partitura
corporal da cobra que o bote, da água do mar derramada sobre as pernas como
forma de se reviver a sensação de se estar na praia e, por fim, da caça ao Saci
velho que se desintegra ao ser capturado –, desviantes das normas que tendiam
a direcionar nossas expectativas em relação às criações e expressões de pessoas
idosas, Edna se propôs a criar a dramaturgia de “Kabana”. Em linhas gerais, a
narrativa explora a relação sensível entre um neto e um avô, exemplos e apoios
recíprocos diante dos desafios impostos às extremidades etárias da vida. Essa
dramaturgia serviu de ponto de partida para a direção cênica da bolsista na
disciplina de Fundamentos da Direção Teatral, articulando de forma incisiva a
tríade artista-docente-pesquisadora.
Ressignificar?
A partir da investigação teórico-prática vivida, arrisca-se a dizer que práticas
teatrais com pessoas idosas podem além de proporcionar qualidade de vida e
bem-estar a elas, tornando-as saudáveis e participativas na vida social e
propiciando momentos de criatividade, imaginação e expressividade do corpo e
da voz –, em uma chave que pretende ir na contramão de mecanismos de
normatização e biopolítica (Foucault, 2010), proporcionar “a melhoria da qualidade
de vida” das práticas teatrais, por meio do encontro de respostas outras para
caminhos de criação e soluções cênico-estéticas e, consequentemente, reflexões
ético-políticas.
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Os alicerces do tripé que constitui as atribuições de uma artista-docente-
pesquisadora tornam-se evidentes na experiência aqui relatada. Ao articular
criação artística, docência, pesquisa e extensão universitária, essa experiência
possibilitou que a convivência com esse grupo de pessoas idosas, estimuladas a
se relacionarem com a vida a partir do corpo em jogo, dos sentidos despertados,
do trabalho coletivo e colaborativo, levasse a artista-docente-pesquisadora em
formação a alcançar territórios criativos outros, imprevisíveis e desviantes, aos
quais jamais teria acessado sem o contato com o grupo com o qual trabalhou.
“Kabana” é resultado dos pasmos desse encontro, resumidos em quatro fortes
imagens.
Assim, deslocados/as de seus lugares comuns, tanto os/as participantes
idosos/as, convidados/as a entrar em cena contaminando-a com os fluxos de suas
vidas singulares, quanto a artista-docente-pesquisadora, inicialmente tomada
pelas normatizações que incidem sobre as ideias e as imagens acerca das pessoas
idosas, puderam experimentar, a partir de uma prática artístico-pedagógica,
parafraseando Guénoun (2004), a tradução criativa de regras que aguardavam por
serem traduzidas. Uma vez experimentado em cena esse exercício de tradução,
impossível não o carregar para a vida como um todo, tenha-se a idade que se
tiver. É esse o nosso entendimento sobre a ideia de ressignificação.
Referências
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SANTOS, R. C. Coletivo de Teatro Bárbara Idade: engendramentos feministas na
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- Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2019.
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Recebido em: 24/10/2023
Aprovado em: 16/05/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
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