“esta” visão, este passo, esta vibração do som, etc.), mas das sobreposições que
descrevemos anteriormente. Assim sendo, na dança, surge uma percepção direta
do tempo, sincronizada no fluxo dos corpos em movimento e, com ela, o
sentimento, em movimento, de que o passado e o presente coagulam em uma
experiência de simultaneamente única mas já sentida. Assim, podemos afirmar,
finalmente, que, na criação e técnica inventiva do xondaro, ocorre não apenas o
exercício de uma individualidade encontrada com o sagrado (seja em
contemplação ou revelação), mas um acontecimento incorpóreo, evidenciado
quando o presente da relação deixa de ser pessoal ou objetivo. Nomeamos
incorpóreo, porque se refere à força que antecede e modula o gesto. O corpo que
dança nos alcança.
Adriana Moreira explica a importância da precisão da técnica para que isso
ocorra:
É ter esse cuidado de fazer o passinhos tudo igual, sempre juntinhas, sem
um pra lá outro pra cá, às vezes dá vontade de ir lá pra frente, mas que
a gente vá todo mundo junto, então isso é a força da mulher né, isso é a
força feminina mesmo, então eu acho que dá pra gente conseguir isso
né... a gente não cansa, porque a gente tá ali uma concentrada na outra,
então a gente divide a força, divide o cansaço com outra e vai indo...
Ganha mais força porque a gente tá ali grudadinha uma na outra então...
Na verdade não pode desistir, é porque dai na verdade né que é o círculo
das mulheres né não pode se quebrar na verdade, na verdade tem que
pular até cair, nem que caia, enquanto puder pular pula porque isso é
bonito, aí no momento que você se entrega pra aquilo que tá te
impedindo você quebra, é porque é uma corrente né, é uma corrente...
tem que ser forte por isso que é treinado pra isso que ela diz assim, tem
que praticar, tem que nheemboe, nheemboe é quando a gente tem que
aprender pra fazer isso... Na verdade é cada um tem o seu jeito de dançar,
mas a verdadeira a gente nunca sabe né, então é bem o segredo né,
assim, é o mistério que acontece no momento da cerimônia do ritual
então por isso que a gente tem que prestar atenção porque cada
cerimônia, cada acontecimento é diferente, então é o segredo.
Adriana Moreira Keretchu (informação verbal8)
Na dança, nos movimentos na Casa de Rezo, ativa-se uma instância do real,
um mundo que é pura experiência, atividade, mas que não se encerra nem em
uma memória abstrata, nem em pragmáticas funcionalistas de um cotidiano
imediato. O que produz-se ali então? Como reconhecer e atribuir valor a tais