
 
A encenação de contos de "A vida como ela é..." de Nelson Rodrigues  
Luis Artur Nunes 
 
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-21, dez. 2023   
 
 
ele havia colecionado: as histórias da  coluna “A vida como ela é...”, publicadas de 
1950  a  1961  no  jornal 
Ultima  Hora
,  que,  muito  tempo  mais  tarde,  haviam  sido  
republicadas  na  revista  Manchete.  Já  havia  ouvido  falar  na  famosa  coluna  de 
Nelson,  mas, por morar em Porto Alegre, naquela época era difícil ter acesso ao 
que  aparecia  na  imprensa  carioca.  Por  incrível  que  pareça,  eu,  o  “especialista”, 
não conhecia NADA da obra jornalística de Nelson Rodrigues: nem seus contos, 
nem  as  crônicas,  nem  os    folhetins.  Muitas  das  páginas  mais  brilhantes  da 
moderna  literatura  brasileira  estavam  ali!  Agora  estão  todas  publicadas  por 
importantes  editoras,  entre  as  quais  a    Companhia  das  Letras,  sob  a  
competente curadoria de Ruy Castro. Mas na época me eram inacessíveis. 
Foram aquelas páginas  arrancadas à  revista Manchete que me abriram  as 
portas  para esse novo  território, e lendo os  contos de “A vida  como ela é...” a 
paixão  –  ela  sempre  –  novamente  me  agarrou  pelo  gasnete.  Na  verdade,  eu 
reconhecia ali o universo que me era tão familiar: o mundo dos subúrbios com 
sua  tipologia,    suas  obsessões,  seu  moralismo,  seu  melodrama.  A  prevalência 
total  da  paixão  (quantas  vezes  esta  palavra  vai  aparecer  aqui?),  os  gestos 
descabelados,  a  atração  inescapável  pelo  abismo:  adultérios,    assassinatos, 
incestos,  suicídios...  E  na  técnica  narrativa,  as  reviravoltas  surpreendentes,  os 
clímaces  vertiginosos,  os  desenlaces  espetaculares.  O  que  havia  então  de 
diferente comparado com o teatro?  A forma  do conto, relato breve, conduzido 
por um narrador. Nas peças, a construção dramatúrgica gradual,  personagens de  
psicologia mais desenvolvida e uma sólida armação da ação  dramática facilitam 
a    naturalização  dos  excessos,  mas  no  conto  as  exorbitâncias    se  sucedem  a 
galope,  acumulam-se, atropelam-se, criando uma espetaculosidade do exagero,  
um tom quase operístico – de ópera-bufa, note-se. O que vemos é  uma espécie 
de 
grand-guignol
,  onde  bonecos  desmesurados  varrem  o  palco  com  sua  
gesticulação  desvairada  e    vociferação  tonitruante.  Em  poucas  palavras: 
teatralidade  pura,  nua  e  crua.  A  incongruência,  o  absurdo  se  tornam  tão 
chocantes que, por vezes – percebi com surpresa - chegam a provocar... o riso. 
Sem dúvida, em seu teatro, Nelson Rodrigues usa e abusa da ironia, da sátira, do 
deboche. O humorista está sempre presente em maior ou menor grau. Mas nos 
contos  ele  ganha  proeminência,  tanto  pelo  despudor  com  que    amontoa