Uma Serpente operística – a encenação da última peça de Nelson Rodrigues
Andrea Renck
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-26, dez. 2023
Em entrevista concedida à imprensa e publicada15 na semana de estreia da
peça, o diretor apontou as características do texto:
A Serpente
está escrita de forma magistral, seus diálogos têm a concisão
e a força que caracterizam o autor, e ela contém também um grande
achado dramático: as árias, momentos em que os personagens solam o
que vai em suas almas, dirigindo suas confidências e seus sentimentos
mais íntimos diretamente ao público. É uma peça de clímax, um clímax
que perdura por todo o desenvolvimento da ação até o desfecho.
Nelson Rodrigues indicou, nas rubricas, falas que deveriam ser ditas na boca
de cena, “como o tenor na ária”16. Algumas rubricas especificam que essas falas
devem ser ditas “aos gritos” ou “berrando”. A indicação desses monólogos foi
incorporada pelo diretor e cenógrafo, que projetou um praticável que avançava no
proscênio no qual marcou as cenas em que os atores e as atrizes deram seu texto
de forma vigorosa, com pronúncia alta e exagerada. Flaksman afirmou17 que essas
falas
[...] eram discursos pessoais, que definiam os personagens. Foi um
cuidado que o Nelson teve com a humanização dos personagens. A
impostação da voz podia ser operística, mas o tratamento [da cena] era
feito para que o público reconhecesse aquelas pessoas como pessoas
comuns, com reações absolutamente comuns.
Essa opção cênica, comparada a uma ária de teatro lírico e aos coreutas do
teatro grego, é um procedimento introduzido por Nelson Rodrigues que marca a
dramaturgia de
A Serpente
. O autor indicou, em conversa reproduzida no programa
do espetáculo, que essas declamações deveriam ser violentas, para surpreender
e agredir o público, trazendo força à encenação. Flaksman afirmou18 que Nelson
Rodrigues gostaria que os monólogos tivessem sido ainda mais exacerbados do
que foram na montagem dirigida por ele. Em críticas sobre a estreia, Michalski
identificou um “humor infiltrado em cada descabelado berro trágico”19, enquanto
Marinho e Linhares ponderaram que “os monólogos interiores, aos berros”20 ou
15 Michalski, 1980; Cambará, 1980; Rios Neto, 1980.
16 Rodrigues, 2012, p.12.
17 Flaksman em entrevista concedida à Andréa Renck, 18 set. 2023.
18 Flaksman em entrevista concedida à Andréa Renck, 18 set. 2023.
19 Michalski, 10 mar. 1980.
20 Marinho, 07 mar. 1980.