Nelson Rodrigues: um trágico à brasileira
Rodrigo Alves do Nascimento
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-13, dez. 2023
mais amplo das
tragédias modernas
, não seriam reconhecíveis por elementos
formais pré-estabelecidos, como a tragédia clássica, mas partiriam em alguma
medida de uma ética filosófica trágica, baseada no conflito oriundo do
rompimento/destruição/enfrentamento da norma. Isso significa que a tragédia
moderna pode ser feita da “união de características que podem ser,
eventualmente, paradoxais” (Medeiros, 2022, p. 95).
Para discutir tal hipótese, a pesquisadora se baseia essencialmente na peça
Senhora dos Afogados
, que seria marcada, segundo ela, pela fusão de elementos
da tragédia clássica com um sentido de trágico imanente à sociedade moderna.
Ali, o conflito advém especificamente da polaridade estabelecida entre o mundo
dos valores da família e do sexo disciplinado e o universo subjetivo da “liberação
dos desejos” (Medeiros, 2022, p. 105). Neste momento, delineiam-se análises
centrais para a sustentação da hipótese da autora: agora, o herói trágico está
imerso em um mundo mais particularizado, sem a possibilidade de expiação ou
redenção. Desamparado em um mundo povoado, cercado de relações corrosivas
mesmo no seio familiar, ele tende ao isolamento. Não mais “superior”, ele na
prática é “frágil e superficial”. Na mesma esteira, diferentemente da tragédia
clássica, as personagens não passam mais por um momento em que se
reconhecerão como agentes ou portadoras do mal – falta-lhes, portanto, uma
dimensão da consciência/reconhecimento antes fundamental. E mesmo o coro –
como o coro de vizinhos que corta as cenas de Senhora dos Afogados – não tem
mais função edificante ou de apresentação de uma consciência geral, pelo
contrário: bisbilhota, fofoca e insere aqui e ali falas de caráter abertamente
grotesco. Produz-se, assim, um tipo específico de trágico, baseado não só em
outra dinâmica de construção da intriga, das personagens e da coralidade, como
também atravessado por recursos cômicos que a um só tempo põem a nu as
personagens e suas representações de si, mas também ironizam os próprios
enquadramentos trágicos clássicos. A conclusão, segundo ela, é a de que, para
mostrar os paradoxos e questionamentos desse homem (brasileiro) moderno foi
necessária essa “estrutura igualmente paradoxal” (Medeiros, 2022, p. 150).
Por fim, o terceiro e último capítulo apresenta uma relevante contribuição:
ao analisar as peças
A falecida
e
O beijo no asfalto
, Medeiros opta por redefinir a