Encontros entre o Grupo Galpão, Eid Ribeiro e Nelson Rodrigues: a encenação de
Álbum de família
Rodrigo de Freitas Costa
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-27, dez. 2023
O convite do Galpão, em 1985, para o diretor acompanhar os ensaios de
Arlequim
é um dos índices da importância desse homem de teatro na cidade. A
generosidade com que ele se dirigiu para o grupo de jovens atores demonstra o
compromisso com as artes cênicas. Tal ação estava articulada ao clima cultural
da época, onde era importante ocupar os espaços públicos e produzir arte de
qualidade para um público que poderia fruir experiências cênicas críticas e
inovadoras.
Um traço importante do trabalho de direção de Eid que marcou o Galpão –
inclusive isso é lembrado no processo de rememoração de Moreira – é a dinâmica
desenvolvida pelo diretor ao reescrever os textos dramáticos no processo de
montagem. Essa é uma característica do seu trabalho, sempre focado no
momento em que o espetáculo está sendo produzido, assim como nas
potencialidades as quais os grupos de atores podem oferecer à proposta cênica e
no processo de recepção do público. Forjado no contexto das experiências
artísticas da segunda metade do século XX, importa pouco a ele o zelo absoluto
ao texto dramático, mas sim o respeito às ideias do dramaturgo em articulação
com o momento da montagem. É um encenador que conhece e valoriza a
importância da literatura dramática, mas atua como construtor de cenas. Seu
trabalho se localiza sob a chave da “teatralidade”, reforçando a arte do teatro como
ato (Sarrazac, 2021)6.
Luiz Carlos Garrocho, ao analisar o trabalho do encenador, ressalta a
importância da função do ator para a composição dos espetáculos:
Num dos planos de confecção da dramaturgia cênica, Eid perpassa
caminhos que vão da elaboração dos tipos às personas, de tal modo que
suas silhuetas sejam bem definidas e compostas pelo ator/atriz com
precisão, seguindo as diretrizes do encenador. Eid conhece muito bem as
artimanhas e os vícios que a cultura burguesa impõe sobre os corpos
quando em estado de atuação cênica. Se não formula uma metodologia
6 Na esteira de Bernard Dort e Roland Barthes, Jean-Pierre Sarrazac, especialmente no livro C
rítica do Teatro
I
, discute a potência do teatro crítico na segunda metade do século XX europeu voltando-se, entre outros
temas, para o trânsito entre o real e a cena. O autor, ao se dedicar à relação entre texto e cena, compreende
que o teatro incide sobre o real, por isso ele não se concretiza a partir de “uma identidade literária abstrata
e atemporal” (Sarrazac, 2021, p. 85), mas sim a partir de um “devir cênico” que ressalta e confronta os
elementos que fazem parte especificamente do teatro num movimento dialético. A “teatralidade” diz
respeito à relação entre os elementos que compõem a cena e o efeito sobre o real, assim ela valoriza o
teatro como ato, sem submissão à literatura dramática e capaz de intervir no real. Devido à sua formação,
Eid Ribeiro potencializa em seus projetos a dialética entre os elementos da ficção e a situação cênica que
deseja produzir.