Um romance frenético em cena:
O casamento
pela Cia. Os Fodidos Privilegiados
Paula Sandroni
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-17, dez. 2023
informações: — ‘Portaria do Ministério da Justiça proibindo a venda de
O
Casamento
em todo o Brasil!’. Por um momento, eu não soube o que
pensar, nem soube o que dizer. […] O texto do Ministério é, acima de tudo,
burríssimo. Diz que o livro é contra a instituição do casamento. É falso.
Podia sê-lo, e daí? Qualquer um pode discutir o matrimônio, o celibatário,
o adultério, a castidade e a viuvez. Acontece, porém, que o meu romance
é anterior ao casamento. A mocinha se casa no último capítulo. E se casa
de véu, grinalda, no civil e religioso. O casamento termina com os noivos
na sacristia recebendo os cumprimentos. Sim, antes dos salgadinhos e
do guaraná. Vejam bem: eu me dou o direito de ser contra quaisquer
usos, costumes, instituições, ideias, cultos. Penso como quero e não
admito, nem aceito, que me ponham limites nos meus pontos de vista.
Mas insisto: não há, nas minhas trezentas páginas, uma única e vaga
objeção ao matrimônio. Um dos personagens chega a dizer, de fronte
erguida: — ‘Um casamento não se adia’. Nem se adia, vejam bem, nem
se adia”(Capelozi, 2016, p.40).
O narrador do romance é um narrador-onisciente, que narra a história em
terceira pessoa, como um narrador observador, mas que é capaz de, num mesmo
parágrafo, passar a narrar em primeira pessoa. Vamos destacar duas passagens
do capítulo 12 em que o narrador passa com tranquilidade da terceira para a
primeira pessoa: “Graças a Deus, vinha Sabino. Glorinha tinha medo e asco, um
certo asco de bêbado. Papai quase não bebe, bebe pouquíssimo” (Rodrigues, 1975,
p. 107); “Glorinha parou, confusa e dilacerada. Teve uma brusca vontade de chorar.
Não ouvira o próprio riso. Papai, onde está papai? Não vejo papai” (Rodrigues, 1975,
p. 109). Note-se que esta mudança— do texto da narração em terceira pessoa,
para um texto que seria o “pensamento” da personagem,— que se dá em vários
momentos do romance, poderia ser destacado pelo autor com simples sinais
ortográficos como aspas ou travessão. Porém Rodrigues opta por não diferenciar
seu texto, preferindo jogar com as palavras para tornar mais rica a experiência da
leitura. Há ainda a intromissão do narrador na história, emitindo opiniões como
“não sei o que”, que é destacado pela dissertação de Laís Capelozi (2016, p.42):
Contando com melodrama e o tom folhetinesco,
O Casamento
é narrado
em terceira pessoa, por um narrador onisciente. O interessante é que o
narrador, muitas vezes, brinca com o leitor, jogando muitas informações
para que este faça conclusões por si só. O narrador onisciente de
O
casamento
faz-se presente em todo o texto — apesar de simular
objetividade, escondendo-se na “terceira pessoa” — e se intromete
arbitrariamente na narrativa, principalmente por meio do uso de
parêntese ou da presença dos dêiticos, como nesse exemplo: “Graças a
Deus, Sabino não estava, que sorte. Eudóxia apanhou não sei o que
debaixo de um móvel”. Note-se que esse “não sei o que” denuncia a