Técnica, experiência e invenção no baile de dança de salão
Giancarlo Martins | Fernanda Goya Setubal
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-23, abr. 2024
espanhol Ortega y Gasset4 a respeito da técnica e de suas variações. Para o autor,
a técnica é
[...] a produção do supérfluo: hoje e na era paleolítica. É, certamente, o
meio para satisfazer as necessidades humanas. [...] Temos, pois, que
enquanto o simples viver é uma grandeza fixa (...) o bom viver ou bem-
estar é um termo sempre móvel, ilimitadamente variável. E como o
repertório de necessidades humanas é função dele, resultam estas não
menos variáveis, e como a técnica, é o repertório de atos provocados,
suscitados pelo e inspirados no sistema das necessidades, será também
uma realidade proteiforme, em constante mutação (Ortega y Gasset,
1963, n.p.)
Desse modo, torna-se ainda mais evidente que as técnicas se constroem ao
longo de uma temporalidade, através da repetição e/ou elaboração de
determinadas ações.
Ainda na intenção de delimitar o que se chama de
técnica
ao longo do
presente artigo, desta vez aproximando das especificidades da dança, toma-se
como referencial a dissertação em filosofia de Ana Rita Nicoliello Lara Leite, em
que ela aborda o Contato e Improvisação (CI) a partir das considerações filosóficas
de John Dewey. Nesse texto, entende-se que o CI é uma prática de dança coletiva
e argumenta-se que a técnica de dança é “um treinamento que conforma o corpo
a determinados padrões de movimento” (Leite, 2017, p. 151). Defende-se na tese
que tal prática de dança (CI), por não ser dotada de passos padronizados,
comporta-se menos como técnica e mais como “um treinamento da atividade
perceptiva sobre o próprio corpo, sobre o espaço-ambiente e sobre o corpo do
outro” (Leite, 2017, p. 151), no entanto, a concepção de técnica ali traçada pode ser
trazida para pensar as DS em aproximação com os conceitos do filósofo em
questão, uma vez que as DS, de fato, estabelece determinados padrões de
4 Para esse autor a técnica surge da necessidade de viver bem e de produzir coisas que não se encontram
previamente na natureza. Ele diz, em seu texto
Meditação sobre a técnica
: “[...] convém reparar na
significação que aqui tem o termo necessidade. Que quer dizer que o esquentar-se, alimentar-se, caminhar
são necessidades do homem? Sem dúvida que são elas condições naturalmente necessárias para viver. O
homem reconhece esta necessidade material ou objetiva e porque a reconhece a sente subjetivamente
como necessidade. Mas note-se que esta sua necessidade é puramente condicional [...]. Ora, já indicamos
que o homem vive porque quer. A necessidade de viver não lhe é imposta à força, como lhe é imposto à
matéria não poder aniquilar-se. [...] Se, por falta de incêndio ou de caverna, não pode exercer a atividade ou
fazer de esquentar-se, ou por falta de frutos, raízes, animais, a de alimentar-se, o homem põe em
movimento uma segunda linha de atividades: faz fogo, faz um edifício, faz agricultura ou caçada. [...] O
homem, ao contrário, dispara um novo tipo de fazer que consiste em produzir o que não estava aí na
natureza” (Ortega y Gasset, 1963, n.p.).