Quem zomba de quem? Dos bufões de hoje às técnicas revisitadas
André de Paiva Cavalcanti Alencar | Ana Caldas Lewinsohn
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-19, abr. 2023
artistas, é importante o reconhecimento da origem dos bufões, como destaca
Gaulier. Para além desse estado descabido diante dos padrões, há uma postura
transgressora por parte de quem sente determinadas injustiças.
Nessa perspectiva, com um posicionamento provocativo, situando-se,
inclusive, na fronteira entre a vida e a arte, Leo Bassi (EUA/ESP)
é um ótimo
exemplo entre os artistas contemporâneos. Em entrevista ao pesquisador André
Ferreira
, Bassi conta como fundou a sua
Igreja Patólica
, depois das perseguições
e atentados que sofreu durante a temporada do espetáculo
La Revelación
e do
processo no qual foi acusado de “injustiça” e blasfêmia:
[…] descobri todo um nascer de coisas nesse momento. A primeira coisa
era a ignorância e a estupidez deste pequeno mundo da extrema direita.
E não só havia o perigo de lutar contra essa gente para a liberdade de
expressão, mas, por outro lado, era tão estúpido, uma luta inútil, era como
lutar com crianças porque seus argumentos são inexistentes. Então
comecei a pensar como posso argumentar seriamente com estas
pessoas quando seus argumentos não eram nada sérios, eram
totalmente irracionais. Então pensei que a melhor maneira de responder
isso era fazer uma coisa irracional eu também, e humorística. Então fazer
tudo que eles faziam... de sua intolerância... de usar a ideia de um pato
de plástico, utilizando então os mesmos argumentos, as mesmas
palavras… (Bassi apud Ferreira, 2018, p. 315).
Bassi é referenciado pela pesquisadora e professora Vanessa Bordin como
um dos “artivistas”, por adotarem “uma forma de vida condizente com aquilo que
pregam utilizando a arte como instrumento para provocar transformações sociais
a partir de suas convicções” (Bordin, 2013, p. 101). Em sua dissertação O
jogo do
bufão como ferramenta para o artivista
, ela recorre aos tipos bufônicos elencados
por Jacques Lecoq
: o bufão místico, ou profeta, como ela se refere, em que traz
como referência Reverend Billy (EUA), em que se “profana a imagem do
Nascido em uma família circense tradicional, Leo Bassi vive hoje na Espanha e se autodenomina bufão.
Desde a década de 1970, afastou-se dos picadeiros do circo e passou a desenvolver um trabalho autoral a
partir do jogo cômico. Dentre as suas principais obras estão
Instintos Ocu
ltos (2011),
Bassibus
(2004 a 2014),
La Revelación
(2006) e
Igreja Patólica
(2012).
A entrevista encontra-se anexa à dissertação de André Luiz Ferreira,
Bufonaria e política a partir de Leo Bassi
(2018).
Jacques Lecoq foi o fundador da
École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq
. Na obra O corpo poético
(2010), organizada a partir de entrevistas concedidas pelo professor, é possível acompanhar o trabalho
pedagógico realizado no curso, que atravessa da
mimodinâmica
à
geodramática
. No capítulo dedicado aos
bufões, Lecoq aponta para três territórios de onde eles surgem: o mistério, o grotesco e o fantástico.