Na rua, no hospital, por debaixo da máscara: palhaçaria como potência transformadora
Vitoria Carine da Silva
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-14, abr. 2023
produzidos ao longo deste ano, revivo o que os mestres sempre nos apontam
sobre essa máscara: ela é sempre o presente. Sempre. Existe sempre algo naquele
instante que pode ser tocado, transformado, sensibilizado, revelado. Ainda que no
passado (mesmo que 10 segundos atrás) o presente estava coberto de angústia,
dúvida, desprezo. O presente, esse que a palhaçaria traz, pode ser uma outra coisa.
E acreditar na potência de que os momentos podem ser outra coisa é o que faz a
palhaçaria ser transformadora.
É preciso, no entanto, tomar cuidado com os dias em que “deus me tira a
poesia, olho pedra vejo pedra mesmo” (Prado, 2021, p. 146 [1991]) e perdemos a
dimensão do presente. Enquanto palhaças e palhaços precisamos treinar nosso
olhar para que a gente sempre encontre poesia no cotidiano e a pedra nunca seja
só uma pedra.
Observar, por exemplo, uma folha pequenininha enroladinha se abrir um
pouquinho a cada dia até virar gigante. Observar o mundo com o nariz - a inocência
- e permitir que o mundo nos ensine. As plantas, por exemplo, diferente da escola,
me ensinaram que crescer leva tempo. Que o tempo tem o tempo que o tempo
tem. Que crescer é para todos os lados, inclusive para dentro. Que na mesma raiz
que nasce folha nova, também morre outra. E é assim que a gente cresce:
deixando vir coisa nova que precisa vir e deixando cair o que não cabe mais. Para
abrir a porta de um quarto ou pisar num palco, é preciso estar no presente.
Aprendi que o cérebro é um órgão com plasticidade, diferente do coração
que é rígido. E entendi a convergência entre medicina e palhaçaria: ama com
plasticidade quem ama usando a razão, não o coração. A rua e o hospital foram
os espaços onde cresci e amei como palhaça, onde fui amada, onde fui coragem
e potência. Onde fui mola. Para ser palhaça, é preciso plasticidade.
Aprendi que não tem como ensaiar o momento certo de entrar e sair de cena,
mas tem como treinar nosso olhar a saber o momento certo para que o presente
deixe rastros, fendas, rasgos, desejos, dúvidas, revolta. Meu desejo é que todos os
espaços sejam ocupados pela subversão: que voltemos a ocupar a vida e fazer
com que a cidade e os espaços públicos se tornem novamente um lugar perigoso
do encontro, do debate, da diversidade e do amor. Fazer o medo mudar de lado