Corpo, espaço arquitetônico e cidade: experiências performativas no Centro Cultural São Paulo
Laila Renardini Padovan
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-34, dez. 2022
amplamente frequentados, um universo obscuro e vazio começou a ser desvelado nessas
andanças sem rumo. Nos dois níveis de subsolos, além dos teatros, da folhetaria, da
biblioteca e das salas de ensaio, que são normalmente ocupados por artistas e
frequentadores, há um amplo espaço fechado ao público, onde alguns funcionários
eventualmente circulam e trabalham, mas que em boa parte de sua extensão permanece
inabitado e sem uso. Trata-se de várias pequenas salas separadas por divisórias, como
almoxarifado, gráfica, zeladoria, e outras tantas abandonadas ou com função
desconhecida, interligadas por corredores estreitos e inóspitos que chegam em espaços
vazios, amplos, escuros e esquecidos, ao lado de depósitos de materiais, de um acervo e
de um grande espaço onde se amontoam restos de exposições. Esses espaços obscuros
e pouco habitados se estendem horizontalmente pelo subsolo e pelo porão, ocupando
uma larga área subterrânea do prédio, uma espécie de inconsciente da arquitetura, um
espaço indeterminado com características que se relacionam ao espaço opaco de Milton
Santos (2017); ou seja, um espaço indeterminado “do corpo a corpo, da tentativa, da
cegueira ou do tato, do conhecimento cego” (Jacques, 2014, p.291), espaços que estão
mais abertos a formas criativas e subversivas de ocupação. Esses
espaços opacos
se
contrapõem ao
espaço luminoso
, “espaço hegemônico da mercadoria, do espetáculo, da
imagem” (Jacques, 2014, p 291).
O convite ao fluxo e à passagem, presente nos andares superiores (de acesso livre
ao público), se repete nos subsolos, mas agora em uma espécie de labirinto, onde era fácil
perder-se ou desorientar-se em meio ao emaranhado de caminhos e becos escuros.
Muitas foram as vezes em que algum dos participantes se perdia e passava um bom
tempo tentando se localizar e encontrar o caminho de volta até nosso ponto de encontro.
Essas desorientações não foram encaradas como erro, mas vividas como parte da
pesquisa, levando à experimentação de uma relação de não domínio do espaço e do
tempo.
Perder-se significa que entre nós e o espaço não existe somente uma
relação de domínio, de controle por parte do sujeito, mas também a
possibilidade de o espaço nos dominar. São momentos da vida em que
aprendemos a aprender do espaço que nos circunda […], já não somos
capazes de atribuir um valor, um significado à possibilidade de perder-
nos. Modificar lugares, confrontar-se com mundos diversos, ser forçados
a recriar continuamente os pontos de referência é regenerante a nível
psíquico, mas hoje ninguém aconselha uma tal experiência. Nas culturas
primitivas, pelo contrário, se alguém não se perdia, não se tornava grande.
E esse percurso era brandido no deserto, na floresta; os lugares eram
uma espécie de máquina através da qual se adquiriam outros estados de
consciência (La Cecla apud Careri, 2013, p. 48).