Cidade e experiência estética: ocupar as ruas, para ocupar os currículos
Abimaelson Santos
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-30, dez. 2022
O local costuma estar em outro lugar. A mais célebre música cubana, o
dozón
, agora se ouve e se dança mais no México do que em cuba. [...]
Num concerto do grande jazzista argentino Mono Villegas, em plena
efervescência do nacionalismo folclórico dos anos sessenta, alguém do
público levantou a mão e perguntou: “por que você não toca alguma coisa
nossa?”. O Mono perguntou: “e você, compôs o quê?”. “Eu nada”. “Eu
também não, então como quer que eu toque alguma coisa nossa?”
(Canclini, 2008, p. 60).
Desse modo, se durante muito tempo os Festivais da Canção Popular (1965)
e o
Rock in Rio
(1985) foram as grandes referências brasileiras de festival de música
e diversidade cultural no país, há de se convir que os festivais se espalharam por
todo o território nacional fazendo interlocuções entre o dito local e o dito global.
Em São Luís – MA, por exemplo, o Festival de Música BR-135 transforma a ilha em
centro, o distante em abraço, o virtual em agito frente aos olhos, uma vez que “em
tempos da interdependência mundial, a pergunta não é como construir alfandegas
impenetráveis, mas sim, como utilizar os recursos tecnológico-culturais para
melhor atender às necessidades de diferentes grupos” (Canclini, 2008, p. 60).
No entanto, esse campo de experiência estética que se constrói por meio da
inserção de detritos visuais, composições corpóreas e diversas gravuras textuais e
sonoras não ocorre de forma harmônica, plana ou sem poros. Como pressupõe
Certeau (2014), as operações societárias na cidade, como as que advêm das
linguagens artísticas, por exemplo, são construídas quase sempre numa zona de
conflito, uma vez que antes de ser um lugar para a habitação das práticas do
sensível, as cidades são um projeto em prol de uma organização totalizante.
A cidade, à maneira de um nome próprio, oferece a capacidade de
conceber e construir o espaço a partir de um número finito de
propriedades estáveis, insoláveis e articuladas uma na outra. Neste lugar
organizado por operações “especulativas” e “classificatórias”, combinam-
se gestão e eliminação. De um lado, existem uma diferenciação e uma
redistribuição das partes em função da cidade, graças a inversões,
deslocamentos, acúmulos etc.; de outro lado, rejeita-se tudo aquilo que
não é tratável e constitui, portanto, os “detritos” de uma administração
funcionalista (anormalidade, desvio, doenças, morte etc.). Certamente, o
progresso permite reintroduzir uma proporção sempre maior de detritos
no circuito da gestão e transforma o próprio déficit (na saúde, na
seguridade social etc.) em meios de densificar as redes da ordem. Enfim,
a organização funcionalista, privilegiando o progresso (tempo), faz
esquecer a sua condição de possibilidade, o próprio espaço, que passa a
ser o não pensado de uma tecnologia científica e política [...]. A cidade se