Fissuras urbanas: a atuação das sedes Luz do Faroeste e Teatro de Contêiner no território da Luz
Sara Fagundes Oliveira
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-20, dez. 2022
momento começava a se construir – o
impeachment
da presidenta Dilma Roussef
consolidado em 31 de agosto de 2016. O grupo, que temia ser tomado por um
estado de completa apatia e desesperança, buscava razões para continuar sua
trajetória artística. E por fim, desejavam colocar fim ao ciclo de pagamentos de
aluguéis, saindo “desse mercado em que a gente pega recurso público
e entrega
direto para o dono do imóvel, direto para o capital” (Oliveira, 2019).
Com tais inquietações e com o desejo de se deslocarem para “um lugar mais
ativista da cidade” `o grupo juntou o caixa que havia formado, com os até então
oito anos da companhia, e começou a investigar a região buscando nos vazios
urbanos e nas áreas subutilizadas um terreno para a implantação do teatro. Tendo
em vista a burocracia necessária para uma Parceria Público Privada, em que o
município concederia o terreno e a companhia arcaria com a construção do
edifício, o grupo propôs para a prefeitura a concessão do lote por dois meses para
abrigar um festival de performance chamado “Arquiteturando a Cidade”. Durante
esses dois meses o teatro foi erguido e após o término da concessão a Mungunzá
comunicou a prefeitura que com a edificação construída no local eles não
desocupariam o terreno
.
Essa concessão do lote e a não desocupação do terreno pelo grupo é um
ponto importante de se abordar, pois revela os privilégios materiais e simbólicos
concedidos a branquitude que reforçam as estruturas hegemônicas:
um grupo de artistas em sua maioria homens, todos brancos, graduados
e pós-graduados, então do tipo, estar aqui desenvolvendo o que a gente
está só é possível por causa do nosso lugar de privilégio, então a gente
também precisa dar os créditos ao nosso lugar de privilégio fazendo uma
A lei de fomento ao teatro de São Paulo, na qual a companhia foi inúmeras vezes contemplada, prevê que
30% do orçamento destinados aos projetos deve ser gasto com o espaço de trabalho das companhias. É
por isso que o ator se refere ao gasto de verba pública no pagamento dos aluguéis.
O edifício teatral é composto por onze contêineres agrupados em dois pavimentos. Os contêineres formam
em planta uma área quadrada. No centro deste quadrado se localiza a área de cena que pode assumir
diferentes configurações como frontal, bilateral, arena e semi arena, uma vez que os assentos não são fixos
e não há elevação no piso. Ainda sobre o primeiro pavimento, nas fachadas leste e oeste existe um
fechamento em vidro, o que torna a caixa cênica visualmente permeável, criando uma relação direta entre
o que acontece dentro do espaço e fora dele. Há ainda neste nível um banheiro – público e sem distinção
de gênero –, um café e uma sala para reuniões e oficinas. No andar superior há um mezanino em U que
circunda a área de cena. As paredes do mezanino guardam os refletores. Ainda no segundo pavimento existe
um camarim, que diferentemente dos espaços tradicionais destinados para este fim, possui fechamento
em vidro, sendo possível de fora do teatro observar os atores se transformando para os espetáculos. À
época da inauguração do teatro a área construída abarcava 40% da área do terreno. Na área externa, nos
60% restantes, além da área verde criou-se um playground feito com galões metálicos, um duomo geodésico
e uma horta coletiva.