Antes que o céu volte a cair: o teatro latinofuturista imagina outros futuros?
André Felipe Costa Silva
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-29, set. 2022
nós mesmos, cidadãos do mundo globalizado, padronizado, saturado de
objetos inúteis, alimentado à custa de pesticidas e agrotóxicos e da
miséria alheia. Nós, cidadãos obesos de tanto consumir lixo e sufocados
de tanto produzir lixo. A gente invadiu a nós mesmos como se tivéssemos
nos travestido
de alienígenas que trataram todo o planeta como nós,
europeus, tratamos o Novo Mundo a partir de 1492 (Viveiros de Castro
apud Brum, 2014).
Ao colocar o homem (naturalmente branco, masculino, ocidental) em seu
centro, o projeto capitalista de progresso nos colocou contra nós mesmos, mas
principalmente contra “certa classe” de humanos. Há, portanto, uma demanda por
uma nova centralidade. “[O] mundo está cansado do humano”, escreve o Comitê
Invisível (2016, p.38). A perspectiva ameríndia nesse sentido dá um curto-circuito
na lógica ocidental justamente por experimentar uma miragem mais ampla,
incluindo também outras existências do mundo em par de igualdade com os
humanos (Costa Silva, 2021, p. 94).
Próxima a essa perspectiva, voltando às palavras que dão nome aos nossos
tempos, Donna Haraway propõe uma complicada terceira nomenclatura que não
nega as anteriores, mas propõe novas dobras, chamada de Chthuloceno. Tirando
a centralidade do
anthropos
, em seu pensamento tentacular que inclui desvios e
fabulações, Haraway inspira-se na figura da
Pimoa chthulhu
, uma aranha que vive
nas florestas ao sul da América do Norte:
Ao contrário do Antropoceno ou do Capitaloceno, o Chthuluceno é
especificamente constituído por histórias e práticas multiespécies
contínuas do “tornar-se com” em tempos que permanecem em jogo, em
tempos precários, em que o mundo não está acabado e o céu não caiu
– ainda. Estamos em jogo um para o outro. Ao contrário dos dramas
dominantes do discurso antropocênico e capitalocênico, os seres
humanos não são os únicos atores importantes no Chthuluceno, com
todos os outros seres capazes simplesmente de reagir
(Haraway, 2016,
p. 55).
A perspectiva adotada por esse artigo considera que, Viveiros de Castro utiliza o termo “travestido” de
maneira equivocada, pois traz a ele uma conotação pejorativa. Alternativamente, o termo poderia ser
substituído por “vestido” ou “fantasiado”.
Specifically, unlike either the Anthropocene or the Capitalocene, the Chthulucene is made up of ongoing
multispecies stories and practices of becoming-with in times that remain at stake, in precarious times, in
which the world is not finished and the sky has not fallen – yet. We are at stake to each other. Unlike the
dominant dramas of Anthropocene and Capitalocene discourse, human beings are not the only important
actors in the Chthulucene, with all other beings able simply to react. [Tradução nossa]