Reorientando fundamentos teatrais nas encenações
site-specific
José Jackson Silva
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-17, dez. 2022
O encenador ressalta que seu grupo estabeleceu uma transformação nas
relações entre cena e público ao fazer uma apresentação em um café, onde as
pessoas/espectadores bebiam, comiam e ouviam música, constituindo uma
realidade autêntica, viva, em oposição a um público passivo, neutro, estacionado
em assentos dos teatros oficiais.
Nessa passagem, de certa forma, Kantor sequestrou o espectador da sua
condição tradicional de espectador ao colocá-lo em situações incomuns,
perturbadoras, referente ao espaço vivo de apresentação, nos diz Denis Bablet
(2008), e, desse clima de instabilidade, surge a participação do público, como
assume Kantor (2008, p.106):
[…] a copresença analítica e contemplativa torna-se uma copresença
fluida e quase ativa, nesse campo da realidade viva. A exposição perde
sua função habitual, torna-se uma ambiência ativa conduzindo o
espectador em peripécias e emboscadas, recusando-lhe não
satisfazendo sua razão de existir enquanto espectador, observador e
visitante.
No teatro
site-specific
, portanto, se oferece ao espectador uma grande
parcela do evento cênico, ao solicitar que este faça sua jornada através do espaço
da encenação e, partindo dessa experiência, possa decodificar a obra, ciente de
que o espaço não é apenas uma simples ordenação estética, ou plataforma de
exposição, mas parte indivisível daquela experiência cênica, na qual ele pode
intervir, se desejar.
De modo semelhante, essa vivência comunal em um espaço-tempo
compartilhado entre atores e público, num ambiente alheio ao teatro de sala, onde
todos os agentes do evento são estranhos àquele lugar, seria mais uma
característica destas encenações, uma vez que todos nós (atores, espectadores,
cenógrafos, iluminadores, maquiadores, figurinista, etc.) somos “convidados” do
espaço, sentencia Lehmann: “todos são estrangeiros no universo de uma fábrica,
de uma central elétrica, de uma oficina de montagem” (Lehmann, 2008, p. 282).
Acontece que, ao abdicar do seu lugar de conforto (o edifício teatral) e ocupar
lugares insólitos e ordinários do cotidiano como espaço cênico, instaurando neles