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Copeau e os laboratórios da infância:
as brincadeiras de seus filhos, ou,
melhor dizendo, le tout rond
Rodrigo Cardoso Scalari
Para citar este artigo:
SCALARI, Rodrigo Cardoso. Copeau e os laboratórios da infância: as
brincadeiras de seus filhos, ou, melhor dizendo, le tout rond.
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.
2, n. 44, set. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102442022e0210
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Florianópolis, v.2, n.44, p.1-23, set. 2022
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Copeau e os laboratórios da infância: as brincadeiras de seus filhos, ou, melhor
dizendo, le tout rond
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Rodrigo Cardoso Scalari
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Resumo
O projeto pedagógico de Jacques Copeau para a renovação da arte do ator e do teatro
inspirou-se de diferentes fontes. Uma das mais importantes foi a infância, verdadeiro
objeto de observação e de experimentação em pelo menos quatro ocasiões que aqui são
designadas como “laboratórios da infância”. Neste texto, busca-se colocar em evidência
o primeiro desses laboratórios, aquele que se refere ao conjunto de brincadeiras e jogos
inventados pelos três filhos de Copeau e nomeado pelos mesmos como le tout rond.
Constata-se então a importância do círculo familiar de Jacques Copeau em sua
empreitada teatral, podendo-se observar uma rica dinâmica retroalimentativa entre vida
e arte no contexto aqui retratado.
Palavras-Chave: Jacques Copeau. Infância. Brincadeira. Jogo Infantil. Pedagogia Teatral.
Copeau and the laboratories of childhood: the games of his children, or rather, le
tout rond
Abstract
Jacques Copeau's pedagogical project for the renewal of the art of the actor and the
theatre drew inspiration from different sources. One of the most important was the
childhood, true object of observation and experimentation in at least four occasions
which are here designated as "childhood laboratories". In this text, the purpose is to
highlight the first of these laboratories, the one that refers to the set of plays and games
invented by the three children of Copeau and named by them as le tout rond. The
importance of Jacques Copeau's family circle in his theatrical enterprise is evident, and a
rich feedback dynamic between life and art can be observed in the context portrayed
here.
Keywords: Jacques Copeau. Childhood. Play. Game. Theatrical Pedagogy.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Rodrigo Monteiro. Licenciado em Letras - Português/Inglês pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2007). Bacharel em Comunicação Social - Habilitação Realização Audiovisual, com
Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade (2008). E Mestre em Artes Cênicas na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (2011). http://lattes.cnpq.br/7379695337614127
2
Doutorado em Estudos Teatrais pela Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle. Mestrado em Teatro pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Graduado em Licenciatura em Teatro, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
rscalari@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3449140497011229 https://orcid.org/0000-0001-6163-1744
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Copeau y los laboratorios de la infancia: los juegos de sus hijos, o mejor dicho, le
tout rond
Resumen
El proyecto pedagógico de Jacques Copeau para la renovación del arte del actor y del
teatro se inspiró en diferentes fuentes. Uno de los más importantes fue la infancia,
verdadero objeto de observación y experimentación en al menos cuatro ocasiones que
aquí se designan como "laboratorios de la infancia". En este texto, tratamos de destacar
el primero de estos laboratorios, el que se refiere al conjunto de juegos inventados por
los tres hijos de Copeau y denominado por ellos como le tout rond. La importancia del
círculo familiar de Jacques Copeau en sus esfuerzos teatrales es evidente, y se puede
observar una rica dinámica de retroalimentación entre la vida y el arte en el contexto aquí
retratado.
Palabras clave: Jacques Copeau. Infancia. Juego infantil. Juego. Pedagogía teatral.
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Introdução
Tenho experimentado o que os jovens podem fazer. Tenho visto crianças se
desenvolverem por conta própria. Não estou falando da escola, estou falando do
meio ambiente, estou falando de crianças livres em um certo ambiente artístico.
Estou falando do dom natural das crianças para a criação artística, um dom
considerável, muito maior do que o nosso. Quando jogam, elas inventam tudo.
Quando são bem conduzidas e felizes, sabem fazer tudo sozinhas
(Copeau, 1984, p.416).
3
Se a infância é uma referência para Jacques Copeau, ela não se sob a forma de um
clichê para "inspirar" seus atores ou a si mesmo. Copeau dedicou uma fina atenção à criança
em situação de jogo, que ele seja puramente lúdico ou inserido em uma prática teatral. Para
compreendermos a maneira pela qual a criança se transformou em um modelo para o ator
dentro da pedagogia teatral pesquisada por Jacques Copeau, é fundamental atentarmos para
as situações dentro das quais Copeau pôde observar e/ou experimentar jogos e brincadeiras de
e com crianças. Essas ocasiões, que aqui chamamos de “laboratórios da infância”, são,
principalmente, quatro, abaixo relacionadas:
1. Le tout Rond, nome dado ao universo de brincadeiras e jogos dos filhos de Jacques
Copeau e sua esposa Agnès Thomsen.
2. As observações do trabalho de Emile Jaques-Dalcroze com crianças, feitas por Copeau
em Genebra no ano de 1915.
3. Um curso de teatro e ginástica rítmica efetuado com um grupo de crianças no Clube
de Ginástica Rítmica da Rua Vaugirard, em Paris, entre 1915 e 1916, por cerca de 6
meses. Quadro no qual Jacques Copeau e sua principal assistente, Suzanne Bing, se
iniciam na atividade pedagógica e experimentam exercícios teatrais inovadores, que
após seriam retomados com os alunos adultos da Escola do Vieux Colombier e com os
membros da trupe dos Copiaus.
3
J’ai eu l’expérience de ce que les jeunes peuvent faire. J’ai vu des enfants se développant par eux-mêmes. Je ne parle pas
d’école, je parle de l’environnement, je parle d’enfants libres dans un certain environnement artistique. Je parle du don
naturel des enfants pour la création artistique, un don considérable, beaucoup plus important que le nôtre. Quand ils jouent,
ils inventent tout. Quand ils sont bien menés et qu’ils sont heureux, ils savent tout faire par eux-mêmes. (Tradução nossa)
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4. Uma experiência na Children’s School em Nova Iorque, escola infantil montessoriana,
dirigida por Margaret Naumburg, dentro da qual Suzanne Bing se engaja como
professora de teatro, experimentando exercícios com crianças e aprendendo os
preceitos da pedagogia de Maria Montessori.
4
Neste artigo, abordarei o primeiro destes quatro “laboratórios da infância”, àquele que
concerne o conjunto de jogos e brincadeiras dos filhos de Jacques Copeau e Agnès Thomsen,
nomeado pelas próprias crianças de le tout rond, cuja tradução para o português seria algo
como “o grande redondo”, “o todo redondo”, “o círculo” ou “a esfera”. O tout rond é de fato
um conceito criado pelos próprios filhos de Copeau e guarda a ideia de uma “bolha lúdica”
apartada ou protegida da realidade. Guardarei aqui a expressão em francês, por ela se
caracterizar como um conceito cunhado pelos filhos de Copeau e verdadeiramente difícil de se
traduzir sem sacrificar camadas importantes de sentido ao arbitrariamente privilegiar uma
tradução em detrimento de outra possível. O que é importante ter em mente é essa ideia de
“bolha lúdica”, um espaço-tempo extracoditiano composto pelo conjunto das brincadeiras e
dos jogos criados e brincados pelos filhos de Copeau durante sua infância. Veremos então como
o contexto familiar de Jacques Copeau contribui para o desenvolvimento de um de seus
principais campos de ação para a renovação da arte do ator por ele pretendida, isto é, o campo
da pedagogia teatral e da formação de um novo tipo de ator.
Este artigo é um desdobramento da minha tese de doutorado, intitulada L’enfant comme
modèle dans la pédagogie théâtrale. Dans les approches de Jacques Copeau, Jacques Lecoq et
Philippe Gaulier
5
, defendida em janeiro de 2021 na Université Paris 3 Sorbonne Nouvelle, sob
orientação de Josette Féral, e financiada pelo Programa de Doutorado Pleno no Exterior da
CAPES. Nessa pesquisa, tratei de investigar a maneira pela qual a criança se transforma em um
modelo, entendido como um “instrumento especulativo” (Black, 1962), a partir do qual três
pedagogos teatrais Jacques Copeau, Jacques Lecoq e Philippe Gaulier - repensam a arte do
ator e formulam novas questões em relação à formação deste último. Tratou-se de uma
pesquisa de recorte etnográfico, contando com uma ida à campo a partir da formação prática
4
Publiquei recentemente um artigo sobre esta experiência específica. Ver: Scalari, 2021.
5
A criança como modelo na pedagogia teatral. Nas abordagens de Jacques Copeau, Jacques Lecoq e Philippe Gaulier. (Tradução
nossa)
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do autor na École Philippe Gaulier, beneficiando igualmente de uma larga pesquisa documental
efetuada em material inédito preservado no Fonds Copeau da Bibliothèque Nationale de France,
de pesquisa bibliográfica extensa e de entrevistas com personalidades envolvidas com as
pedagogias dos três pedagogos teatrais presentes no corpus da investigação.
A importância de Agnes Thomsen na formação de um quadro
para observação da infância
Figura 1 - Agnès Thomsen, esposa de Jacques Copeau, com os três filhos: Hedwig,
Marie-Hélène e Pascal (da esquerda para a direita)
A história do teatro exalta muitas vezes o nome de grandes homens do teatro passando
sob silêncio a importância de grandes mulheres que, direta ou indiretamente, tiveram papel
essencial nos empreendimentos teatrais destes mesmos homens. Uma dessas grandes
mulheres é Agnès Thomsen, esposa de Jacques Copeau e figura fundamental em diversos
momentos da vida teatral do diretor francês.
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Nascida na Dinamarca, Agnès Thomsen, chegou em Paris em 1896, aos 24 anos, para
estudar francês. Em 13 de março daquele ano, ela conheceu Jacques Copeau, então, com 17
anos, na casa de amigos em comum. Foi um encontro decisivo para ambos, e, apenas três dias
depois, eles trocariam juras de amor no Jardim de Luxembourg. Tendo partido para a Dinamarca
em abril de 1896, Agnès retornou a Paris apenas em 1899, onde ficou por três meses, e seu
relacionamento com Copeau se tornou mais sério durante essa nova estadia. Após a troca de
inúmeras cartas, em 1901, Agnès aceitou a proposta de casamento de Copeau, contra a vontade
da mãe dele, que estava incomodada tanto pela protestante de Agnès quanto pela diferença
de idade entre eles. Em 1902, nasceu Marie-Hélène, a primogênita que Copeau mais tarde
engajou em seu empreendimento teatral. Depois vieram Hedwig, em 1905, e Pascal, em 1908,
completando o círculo familiar de Copeau e Thomsen.
Esta mulher dinamarquesa foi um pilar essencial para o diretor, cuja carreira teatral
muitas vezes entrelaçou assuntos profissionais e pessoais. Coube a Agnès ouvir os dramas
íntimos de Copeau e suas ambições teatrais. Ela também serviu como uma espécie de régua
com a qual Copeau media sua própria moralidade, que muitas vezes era desvirtuada por casos
extraconjugais de Copeau, o que frequentemente gerava conflitos entre eles. Entretanto, Agnès
Thomsen, que era uma mulher bastante progressista para seu tempo, não apenas assumiu a
opção de continuar ao lado de Copeau, mas também criou as condições necessárias para aquilo
que, como aponta Marco Consolini (2016), foi um dos “grandes segredos da tentativa de
reforma teatral de Copeau”
6
, os jogos dos filhos de Copeau e Thomsen.
Estes jogos, cujos protagonistas são Maiène, Edi
7
e Pascal, devem-se em grande parte à
educação libertária que Agnès Thomsen promovia na casa da família Copeau. Recusando-se a
morar em Paris, ela se estabeleceu em Limon
8
com seus filhos entre 1910 e 1914, permitindo-
lhes um contato intenso com a natureza e uma liberdade moral que era atípica para a época.
As escolhas relativas à educação das crianças não foram isentas de conflitos com a mãe de
Copeau, contra a qual Agnès lutava para impor suas convicções. Como nos lembra Marie-Hélène
6
secrets majeurs de la tentative de réforme théâtrale lancée par Copeau. (Tradução nossa)
7
Maiène e Edi são os apelidos pelos familiares de Marie-Hélène e Hedwig respectivamente. Esses apelidos as acompanhariam
durante toda a vida e extrapolam mesmo as fronteiras do círculo familiar.
8
Limon é uma pequena cidade rural a cerca de 250 km ao sul de Paris.
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(2007), a Sra. Copeau
9
ficou constrangida quando os viu correndo nus no jardim depois de um
banho ao ar livre, por exemplo. Apesar de sua protestante, Agnes não impunha dogmas
religiosos a seus filhos e se opunha às contínuas tentativas de sua sogra de influenciar a
educação deles e de impor-lhes o catecismo. Sem excluir uma “cultura religiosa” (M-H Dasté
10
,
2007, p. 10), uma vez que ela lia passagens bíblicas em dinamarquês para seus filhos, Agnès
estimulava a imaginação deles lendo romances como A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson
através da Suécia, de Selma Lagerlöf, e Histoires comme ça, de Rudyard Kipling. Além da
liberdade do corpo e do estímulo da imaginação, Agnès dava grande importância às
brincadeiras de seus filhos, permitindo que seus jogos se desenvolvessem livremente ou até
mesmo implicando-se, a sua revelia, com eles, como testemunha Marie-Hélène (2007, p.21):
Mamãe sempre observava nossos jogos à distância com grande discrição e os
interrompia em caso de necessidade urgente. As vezes ela desempenhava o papel de
uma figurante, como também o manequim que ela usava para costura, que nós
tínhamos agregado aos nossos jogos para desempenhar o papel de uma certa "tia
Justine".
11
No entanto, essa liberdade tinha seus limites. Catherine Dasté (2014, p.79), neta de
Copeau, recorda as regras impostas às crianças por sua avó a fim de proteger “o patrão”
12
de
perturbações cotidianas: áreas específicas para brincar, badaladas de sino para lavar as mãos,
silêncio à mesa até que as crianças fossem abordadas etc. Consolini assinala que estas regras
estavam em vigor muito antes do nascimento da neta de Copeau e salienta que os filhos do
patrão “são criados de uma forma muito livre e, ao mesmo tempo, muito rígida, muito
enquadrada”
13
(Consolini, 2016) por regras que “foram obviamente experimentadas por eles
9
Mãe de Jacques Copeau, nascida Helène Josephine Verdier, atendendo pelo nome de Sra. Copeau após seu casamento com
Victor Joseph Copeau, pai de Jacques Copeau.
10
Apresentamos neste artigo trechos de escritos e falas tanto de Marie-Hélène Dasté quanto de sua filha Catherine Dasté. A
fim de evitar confusões ao referenciar as mesmas, utilizarei as abreviações M-H Dasté para Marie-Hélène e C Dasté para
Catherine.
11
Maman observait toujours nos jeux à distance avec une grande discrétion et ne les aurait interrompus que dans le cas d’une
urgente nécessité. Parfois, elle tenait le rôle d’une figurante, à l’égal du mannequin dont elle se servait pour les besoins de la
couture et que nous avions annexé pour figurer le rôle d’une certaine ‘Tante Justine’. (Tradução nossa)
12
Patrão era o apelido de Jacques Copeau na trupe do Vieux Colombier.
13
sont donc élevés à la fois de manière très libre, et très stricte, très encadrée. (Tradução nossa)
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como regras do jogo. Como mais tarde, as impostas pelo patrão aos Copiaus”
14
(Consolini,
2016).
Agnès Thomsen soube equilibrar disciplina e liberdade na educação de seus filhos,
protegendo-os das incontáveis instabilidades vindas de fora. Ela é objeto de relatos idílicos de
Marie-Hélène Dasté
15
em suas memórias de infância, em que descreveu sua mãe como uma
pessoa alegre, alguém que amava rir e cantar e que aparecia às crianças como “rodeada por
uma auréola de poesia romanesca” (2007, p.11)
16
. Foi, nesta infância em Limon, que Agnès
Thomsen criou as condições necessárias para que a vida destas crianças florescesse “como um
grande jogo dentro dos altos muros do nosso jardim”
17
, lembra Marie-Hélène (2007, p.1). Foi
esse grande jogo que Copeau observou com paixão, alternando o afeto paternal com o olhar
atento do pesquisador interessado em aproveitá-lo ao máximo para o teatro.
O Primeiro laboratório da infância: le tout rond
Figura 2 - Marie-Hélène, Pascal e Hedwig Copeau.
No barco Le Chicago, novembro de 1917
14
étaient vécues manifestement comme des règles du jeu. Tout comme plus tard, celles imposées par le patron aux Copiaus.
(Tradução nossa)
15
Nascida Marie-Hélène Copeau, a primogênita de Copeau adota o sobrenome do marido, Jean Dasté, na ocasião de seu
casamento. Ela será então conhecida como Marie-Hélène Dasté no meio teatral francês. Como sua filha se chama Catherine
Dasté, sempre utilizaremos o nome completo desta última para evitar confusões com o nome de sua mãe.
16
entourée d’un halo de poésie romanesque. (Tradução nossa)
17
comme un grand jeu entre les hauts murs de notre Jardin. (Tradução nossa)
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Éramos habitados por uma espécie de invenção perpétua, encorajada por meu pai,
e que para ele era como a lei, o segredo da educação de um ator (MH Dasté apud
Freixe, 2014, p. 26).
18
A epígrafe acima tem como protagonistas os três filhos de Copeau: Marie-Hélène, Hedwig
e Pascal, nascidos respectivamente em 1902, 1905 e 1908. Eles constituem, por assim dizer, o
primeiro laboratório onde Copeau foi capaz de discernir a importância do jogo infantil para o
ator. Copeau não se implicou profundamente com a educação de seus filhos, em relação à qual
permaneceu, em ampla medida, um observador externo, uma testemunha da educação
efetuada por sua esposa Agnès Thomsen. O contato intenso com Agnès não foi isento de
consequências, e os filhos de Copeau, fluentes tanto em francês quanto em dinamarquês,
adotaram esta última língua como a "língua de seus jogos" (Consolini, 2016).
18
Nous étions habités par une espèce d’invention perpétuelle, encouragée par mon père, et qui d’ailleurs pour lui était comme
la loi, le secret de l’éducation d’un acteur. (Tradução nossa)
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Este núcleo de experiências formado pelos três filhos de Copeau se beneficiou de
condições bastante especiais. Marie-Hélène nos lembra um deles: "Nossos pais queriam, com
ou sem razão, manter-nos longe da educação escolar o máximo de tempo possível" (MH Dasté,
2007, p.36)
19
. Consequentemente, foi somente aos 12 anos de idade que Marie-Hélène, a mais
velha, entrou numa escola formal. Até cerca de 1915, os filhos de Copeau eram educados
através de lições dadas por babás dinamarquesas, leituras feitas por Agnès e, especialmente,
através de jogos inventados por eles mesmos. Como diz Guy Freixe, “Copeau não quis enviar
seus três filhos à escola, pois preferiu que eles recebessem todas as instruções de seus jogos”
(Freixe, 2014, p.26)
20
. Embora Copeau não estivesse tão envolvido na educação das crianças,
ele sentiu a virtude pedagógica dos jogos muito cedo e os encorajou em seus filhos.
Neste ambiente propício aos seus jogos, as crianças de Copeau criaram um mundo
paralelo à realidade, o mundo lúdico que chamaram de Tout Rond, pois, como aponta Catherine
Dasté, em seu mundo, "nada poderia ou deveria perturbar a quietude de seu refúgio"
21
(C.
Dasté in M-H Dasté, 2006, p.37). Por outro lado, esta quietude, como afirma Marie-Hélène, foi
muitas vezes invadida pelo olhar investigativo de seu pai que, ao mesmo tempo em que iniciou
seu empreendimento teatral, reconheceu o potencial pedagógico desses jogos não para o
desenvolvimento de seus próprios filhos, mas também para a formação do ator.
Papai se interessava muito por nossos jogos, acreditando que eles eram a origem de
qualquer vocação dramática. Ele pensou que fomentar este tipo de imaginação em
crianças poderia ser a chave para um novo tipo de educação dramática que poderia
produzir resultados surpreendentes no desenvolvimento de um novo tipo de ator
criativo e improvisador. Ele nos levava para passear, seguido por nosso querido cão
Filou - e logo tirava um caderno do bolso para anotar o que estávamos dizendo. Nós
não gostávamos disso. Ficávamos calados sobre o que não queríamos dizer e
embelezávamos, para seu uso, o que decidíamos revelar, que de qualquer forma
continuava sendo nosso próprio negócio. Por outro lado, ele sabia bem, sem parecer,
como inspirar e estimular os dons que poderíamos ter tido, encorajando-os sem
forçá-los (M-H Dasté, 2007, p.21-22).
22
19
Nos parents ont voulu, à tort et à raison, nous tenir, le plus longtemps possible, à l’écart de l’enseignement. (Tradução nossa)
20
Copeau n’avait pas jugé bon d’envoyer ses trois enfants à l’école, car il préférait qu’ils tirent de leurs jeux toute leur
instruction. (Tradução nossa)
21
rien ne pouvait, ne devait venir troubler la quiétude de leur refuge. (Tradução nossa)
22
Papa s’intéressait beaucoup à nos jeux, croyant voir l’origine de toute vocation dramatique. Il pensait que favoriser ce
genre d’imagination chez des enfants doués pouvait être la clé d’une éducation dramatique nouvelle susceptible de donner
des résultats surprenants pour l’avènement d’un nouveau type de comédiens créateurs et improvisateurs. Il nous emmenait
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O constrangimento gerado pelo olhar escrutinador de Copeau sobre os jogos de seus
filhos também é contrabalançado por testemunhos nos quais Marie-Hélène enfatiza o papel
estimulante desses mesmos jogos, nos quais ele pode eventualmente ter sido jogador ativo.
Suzanne Maistre Saint-Denis, sobrinha de Copeau e contemporânea de seus filhos, descreve
seu tio como um adulto que era diferente dos
outros, que gostava de se divertir com as crianças
e que se misturava com elas, "ele era o único que
sabia falar conosco e brincar conosco" (Maistre
Saint-Denis in Mignon et al., 2000, pt. 1/4, 3'41'';
e 5'30'')
23
.
Por outro lado, ao mencionar esses mesmos
jogos, Suzanne Maistre compartilha a impressão
de Marie-Hélène sobre este olhar investigativo,
que certamente viu nestes jogos algo além da
simples diversão das crianças, "não podíamos
esconder nada dele". Ele via tudo" (Maistre
Saint-Denis in Mignon et al., 2000, pt. 1/4, 4'10'')
24
, acrescenta ela. Este envolvimento direto de
Copeau nos jogos das crianças não aparece nos depoimentos de Marie-Hélène. Não obstante,
podemos notar aqui o grande interesse de Copeau nesses jogos, nos quais ele projeta
simultaneamente seus sentimentos como pai e suas perguntas como pesquisador.
Figura 3 - Capa de Histoires de nos jeux, Livro no qual Marie-Hélène Dasté registra os principais jogos
realizados pelos 3 filhos de Copeau
en promenade, suivis de notre chien bien-aimé Filou et il sortait bientôt un calepin de sa poche pour noter ce que nous lui
racontions. Cela ne nous plaisait pas du tout. Nous taisions ce que nous ne voulions pas dire et enjolivions, à son usage, ce
que nous lui livrions et qui, de toute manière, demeurait notre propre affaire. Par contre, il savait bien, sans en avoir l’air,
inspirer et stimuler les dons que nous pouvions avoir, les encourager sans les forcer. (Tradução nossa)
23
il était le seul à savoir nous parler et à jouer avec nous. (Tradução nossa)
24
on ne pouvait rien lui cacher. Il voyait tout. (Tradução nossa)
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Mas, então, por que Copeau se interessou por este universo tão particular formado pelos
jogos de seus próprios filhos? Finalmente, quais são os "segredos" presentes nestas atividades
que tanto interessam ao homem de teatro? Para encontrar as respostas a estas perguntas,
devemos recorrer a alguns dos jogos propriamente ditos. Esses foram registrados por Marie-
Hélène Dasté em Éclats de Souvenirs, um livro de memórias de infância escrito na meia-idade,
e em Histoires de nos jeux, um verdadeiro inventário dos jogos dos filhos de Copeau, publicado
apenas em 2006, mas escrito a pedido de seu pai quando ela tinha 14 anos.
Esta encomenda de Copeau à sua primogênita não aconteceu sem motivações precisas.
O pedido, para que Marie-Hélène repertoriasse e registrasse por escrito as brincadeiras criadas
em parceria com seus dois irmãos, acontece por volta de 1916, justamente o momento em que
Copeau estava profundamente envolvido no projeto da École du Vieux Colombier e estava
mergulhando, por vários meios, na experiência da criança em situação de jogo, na brincadeira
infantil propriamente dita.
Entre as atividades lúdicas das crianças de Copeau encontram-se propostas comuns ao
universo infantil, brincadeiras que elas se apropriam de uma forma bastante particular. É assim
que, por exemplo, Marie-Hélène e Hedwig criam, a partir de seus desenhos, o personagem
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Kroni, um ser com uma cabeça grande e um corpo minúsculo, que muda de cor e forma de
acordo com seu ambiente e estado de espírito, originário de um país frio que os filhos de
Copeau visitam em frequentes "viagens" efetuadas atrás de um biombo. Os bonecos, que as
crianças consideram "seus filhos", também fazem parte desses jogos, e cada um dos três
pequenos é então o "chefe de família" de um clã de bonecos com seus próprios nomes e
personalidades. Essas atividades, marcadas por um forte caráter de fabulação, são frequentes
entre os jogos dos filhos de Copeau. Entretanto, pelo que podemos deduzir dos testemunhos
de Marie-Hélène, são os jogos cuja principal característica é a dramatização que predominam
durante sua infância. Este caráter dramático aparece nas oito brincadeiras registradas pela
primogênita de Copeau em Histoires de nos jeux, como podemos verificar no Jogo da Madame
Gide:
O jogo da Madame Gide era jogado no quarto das crianças, na rue Montaigne. Edi,
naturalmente, era Madame Gide, pois ela era quase sempre a pessoa principal nos
jogos, ou pelo menos a pessoa que dava nome ao jogo [...] Para ser Madame Gide,
Edi colocava um relógio de árvore de Natal ao redor de seu pescoço e levava seus
dois cachorros, Miquette e Vigie. Miquette era uma espécie de animal [...] ele parecia
algo entre um cão, um coelho e uma ovelha e ele foi montado em uma espécie de
fole de papel que gritava quando pressionado, mas o grito que ele produzia não era
o de um cão, nem de um coelho, nem de uma ovelha - em todo caso o fole estava
quebrado e não gritava mais (em nota no livro: Edi diz que nós até removemos o fole
para que ele fosse mais aku.), e para nós o animal se chamava Miquette. Vigie era
representado por outro animal muito grande, que devia ser um cão, mas que se
parecia muito com uma ovelha. [...] Ele não parecia feroz, mas era Vigie, por seu
tamanho. Madame Gide passeava seus dois cachorros em um carro verde. A babá
sempre perguntava a Madame Gide que horas eram, e não importava que horas
eram, a babá sempre dizia: "Ah, é a sua hora! "Sua hora" era o momento em que a
criança no carro verde seria colocada no penico... [...] A babá falava o tempo todo.
Madame Gide respondia educadamente - em poucas palavras. Às vezes Madame
Gide levava a babá para um passeio de carro - mas de repente viajávamos de uma
praça onde estávamos para Cuverville - como nos sonhos [...](M-H Dasté, 2006, p.9-
20).
25
25
Le jeu de Madame Gide se jouait rue Montaigne dans la chambre des enfants. Edi était naturellement Madame Gide, car elle
était presque toujours la personne principale dans les jeux ou du moins la personne qui donnait le nom au jeu […] Pour être
Mme Gide, Edi mettait autour de son cou une montre d’arbre de Noël et prenait ses deux chiens, Miquette et Vigie. Miquette
était une sorte d’animal […] il ressemblait à quelque chose entre un chien, un lapin et un mouton et il était monté sur une
espèce de soufflet en papier qui devait crier quand on l’appuyait, mais le cri qu’il produisait n’était ni celui d’un chien, ni celui
d’un lapin, ni celui d’un mouton en tous les cas le soufflet était cassé et ne criait plus (en note : Edi dit que nous avons
même enlevé le soufflet pour que ça soit plus aku.), et pour nous l’animal était Miquette. Vigie était représenté par un autre
animal très grand, qui devait être un chien, mais qui ressemblait énormément à un mouton. […] Il n’avait pas l’air féroce, mais
il était Vigie pour sa taille. Madame Gide promenait ses deux chiens dans une voiture verte. La nourrice demandait tout le
temps à Madame Gide quelle heure il était, et peu importe l’heure la nourrice disait toujours : « Ah, c’est son heure ! » « Son
heure » était le moment l’enfant de la voiture verte devait être mise sur le pot… […] La nourrice parlait tout le temps.
Madame Gide répondait poliment en peu de mots. Quelquefois Madame Gide emmenait la nourrice faire une promenade
en voiture mais alors on quittait tout à coup le square pour Cuverville comme dans les rêves. […] (Tradução nossa)
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Este jogo, criado por Marie-Hélène e Hedwig, expõe de forma sintética os potenciais
dramático e teatral antevisto por Copeau nas atividades de seus filhos. Como verdadeiros
atores-criadores, as duas crianças criam os papéis - Mme Gide e A babá - que querem jogar;
escolhem o acessório do figurino - um relógio de árvore de Natal - para reforçar a
caracterização; desviam o significado dos objetos - animais de pelúcia - para que participem
como cachorros na convenção de seu jogo; passeiam por espaços imaginários - até mesmo para
Cuverville - sem sair de seu próprio quarto de crianças; compõem diálogos; inventam regras do
jogo cujo significado lhes é completamente peculiar. Desta forma, Copeau enxerga nas
atividades de seus próprios filhos a polivalência digna do ator-criador, um ator não
demasiadamente especializado, capaz de colaborar nas diferentes camadas que constituem a
criação teatral, como bem sustenta Faleiro (2018, p.104):
Copeau não desejava criar atores isolados das realidades práticas da cena, dos
bastidores e do ateliê, mas sim seres polivalentes capazes de trabalhar, em equipes,
para a realização de todos os instrumentos de um espetáculo.
Nesses jogos ricos em elementos teatrais, a característica mais divertida para as crianças,
e, não por acaso, a mais apreciada por Copeau, era a possibilidade de encarnar personagens.
Imersas em seu mundo imaginário, os filhos de Copeau encarnavam intensamente os
personagens que criavam, até que a ficção tomasse conta de seus pensamentos, de seus corpos,
em suma, de todo o seu ser.
Quando chegávamos a um "estado", a uma identificação perfeita com os
personagens de nossos jogos, isso nos causava calafrios. Dizíamos então ao nosso
parceiro: "Jeg er kold i Ryggen" = tenho frio nas costas - e o outro respondia com
frequência: "Eu também". [...] Foi assim que o personagem de Kate Larsensen foi
introduzido no jogo de Ned e Bob Black (Kate ela própria vagamente inspirada pela
leitura de Stalky e de R. Kipling). Os personagens principais desse jogo são
encarnados respectivamente por Edi e Pascal com tal intensidade, continuidade e
veracidade que eles conservaram como seus apelidos os nomes desses dois meninos
estudantes ingleses desde a infância até suas mortes (M-H Dasté, 2007, p. 7).
26
26
Lorsque, incarnant les personnages de nos jeux, nous parvenions à un « état », à une identification parfaite, cela nous donnait
des frissons. Nous disions alors, tout bas, à notre partenaire : « Jeg er kold i Ryggen » = j’ai froid dans le dos et l’autre
répondait souvent : « Moi aussi ». […] Ainsi du personnage de Kate Larsensen introduit dans le jeu de Ned et Bob Black (lui-
même vaguement inspiré par la lecture de Stalky et de R. Kipling). Les personnages principaux de ce jeu sont incarnés
respectivement par Edi et Pascal avec une telle intensité, une telle continuité, une telle véracité qu’ils garderont toute leur
vie et jusqu’à leur mort, les noms de ces deux collégiens anglais issus de leur jeu d’enfants. (Tradução nossa)
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Temos aqui um jogo inspirado nas leituras de Agnès Thomsen, no qual os filhos de Copeau
representam uma história que ouviram, e onde, tão perto da ideia de Jouvet apreciada por
Copeau, a literatura lhes oferece "esboços, resumos, uma espécie de esqueletos da ação - que
o ator deve improvisar, animar e revestir de antemão" (Jouvet apud Copeau, 1979, p.334)
27
.
Talvez pudéssemos ser censurados por ligar esses "singelos jogos" diretamente a certos
aspectos do método projetado por Copeau, mas, ao abordarmos esses mesmos jogos,
encontramos elementos que desestabilizam sua aparente simplicidade. Nesse sentido, é
preciso observar que os jogos dos filhos de Copeau tinham seu próprio léxico, cujo objetivo era
classificar certos comportamentos e avaliar tanto os fenômenos ocorridos durante um jogo
quanto o desempenho dos próprios jogadores. Em Histoire de nos jeux, Marie-Hélène Dasté
(2006, p. 14-15) registra um pequeno glossário com oito palavras inventadas pelas crianças para
entender melhor o que estava acontecendo durante os jogos propriamente ditos. Assim, a
palavra Vimsa é usada para descrever algo artificial, inverossímil ou afetado; Kirgallop é alguém
que não tem medo e é o oposto de Vimsa; Hum-hum é o comentário sobre a realidade que, às
vezes, aparece e põe em perigo a ficção do jogo, "quando nos dizem que nossos filhos não
comem realmente, dizemos hum-hum"
28
, declara Marie-Hélène (2006, p.14); e Aku é quando o
desempenho de um jogador e/ou a situação jogada por ele é "exatamente como a verdade"
(M-H Dasté, 2006, p.14)
29
.
Desde muito tempo eu tenho ouvido as crianças nos seus jogos usando este termo:
aku (pronuncia-se acou). "ser aku", "você não é aku". Eu tenho a explicação. Aku é a
abreviação da palavra dinamarquesa akurat, que significa: completamente,
absolutamente. Ser Aku, na atuação, é fundir-se completamente com o personagem,
a coisa, o acontecimento que você quer representar, é ser um com sua atuação, é
tomá-la como realidade, experimentar seus sentimentos, mimetizar os gestos com
continuidade sem permitir aos outros, nem aos pais, nem a você mesmo, a noção de
uma brecha provisória. [...] Estou muito impressionado com este termo usado por
meus filhos, "ser akurat". Gostaria de falar um dia sobre o que eu chamo de
mimetismo do observador (Copeau, 1991, p. 557-558).
30
27
des canevas, des résumés, sortes de squelettes de l’action que l’acteur doit préalablement improviser, animer et habiller
par lui-même. (Tradução nossa)
28
quand on nous dit que nos enfants ne mangent pas vraiment on dit hum-hum. (Tradução nossa)
29
juste comme la vérité. (Tradução nossa)
30
Depuis assez longtemps j’entendais les enfants dans leurs jeux se servir de ce terme : aku (prononcez acou). « Être aku », « tu
n’es pas aku ». J’ai l’explication. Aku est l’abréviation du mot danois akurat qui veut dire : tout à fait, complètement. Être aku,
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Eis o ator que Copeau deseja formar, um ator que, desprovido de seu ego e das afetações
que envolvem a profissão, apaga sua personalidade para se render completamente às
exigências da peça e de seu personagem, um ator que é, como essas crianças, "aku", e que, em
vez de se perguntar o que fará com o personagem, se indaga sobre o que o personagem vai
fazer com ele: "o senhor diz de um ator que ele entra em um papel [...]. Parece-me que isso não
é verdade. É o personagem que se aproxima do ator [...] e que gradualmente o substitui em sua
pele" (2012, p.138)
31
, escreve Copeau em seu prefácio ao Paradoxo de Diderot.
O que marca as crianças de Copeau é sua capacidade de inventar tudo a partir da
realidade vivida. Como nos diz Catherine Dasté (2006, p.37), tendo mudado de lar várias vezes
e passado longos períodos com os amigos de Copeau
32
, as situações de instabilidade vividas por
essas crianças as inspiram a criar novos jogos, e seu mundo, o tout rond, também serve para
protegê-las dos imprevistos. Como que para filtrar o peso da realidade, as crianças de Copeau
davam novo sentido aos elementos difíceis de sua vida dentro de suas brincadeiras
33
.
Obviamente, pelo menos até certo ponto, essa necessidade de autoproteção teve influência
sobre essa capacidade de invenção presente em suas atividades lúdicas. Mas, certamente, essa
lógica criativa vai além da necessidade de superar o trauma, pois, como podemos verificar nos
escritos de Marie-Hélène, absolutamente tudo podia se transformar em pretexto para a
invenção de um novo jogo. Da leitura das histórias de Kipling, passando pelo encontro com
outras crianças e pela observação de atividades no mundo adulto, tudo se tornava jogo, como
é o caso da brincadeira intitulada Os Aprendizes:
Quando fomos morar em Limon, o senhor Lambain veio instalar a biblioteca no
pavilhão de papai, construir um galpão para nossos brinquedos e fazer muitas outras
coisas. Havia três aprendizes que achávamos maravilhosos; eles corriam com grandes
dans le jeu, c’est se confondre tout à fait avec le personnage, la chose, l’événement qu’on veut représenter, c’est faire corps
avec son jeu, le prendre pour la réalité, en éprouver les sentiments, en mimer les gestes avec continuité sans permettre aux
autres, aux parents ni à soi-même, la notion d’une feinte provisoire. […] Je suis très frappé par ce terme qu’emploient mes
enfants « être akurat ». Je voudrais parler un jour de ce que j’appelle le mimétisme de l’observateur. (Tradução nossa)
31
vous dites d’un comédien qu’il entre dans un rôle […] Il me semble que cela n’est pas exact. C’est le personnage qui s’approche
du comédien […] et qui peu à peu le remplace dans sa peau (Tradução nossa)
32
Como André Gide e Jean Schlumberger. Ver M-H Dasté, 2006, p. 37.
33
O jogo "meninas da escola", inventado quando Marie-Hélène e Edi entraram numa escola convencional, é um bom exemplo.
Ver M-H Dasté, 2007, p. 7.
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almofadas na cabeça, subiam no telhado do galpão, serravam, cortavam, bem,
faziam muitas coisas que pareciam muito difíceis e muito divertidas. Havia um
chamado Gaston que era o herói dos três. Ele pregava o teto do galpão e piscava
quando olhávamos para ele. No jogo, é claro, Edi era Gaston. O senhor Lambain era
eu, e Pascal era um aprendiz a quem chamávamos Michel, porque não sabíamos seu
verdadeiro nome, mas o aprendiz real se parecia com alguém que se chamasse
Michel. Para brincar de aprendizes, escalávamos o teto do galpão, pregávamos e Edi
piscava, ou ainda pregávamos tábuas umas sobre as outras (M-H Dasté, 2006, p.
23).
34
Eis acima algo próximo àquele “mimetismo do observador” sobre o qual Copeau desejava
pronunciar-se um dia, noção que mais tarde aparecerá bastante presente nas formulações
teóricas de Jacques Lecoq sobre sua própria pedagogia. Eis um exemplo de jogo que surgiu no
mítico jardim de Limon, onde, em 1913, Copeau trouxe sua jovem trupe do Vieux Colombier
para treinar, e onde, como nos lembra Marie-Hélène, os filhos de Copeau foram por vezes
introduzidos na ação dramática, o que para ela " era como uma continuação de nosso próprio
jogo, a criação de personagens" (M-H Dasté apud Horvath, Copeau e Allwright, 1993, pt.
13'50'')
35
.
A percepção dessas crianças sobre o trabalho dos adultos como uma extensão de seus
jogos é bastante interessante, e poderíamos nos perguntar igualmente que influência essa
proximidade com homens e mulheres do teatro, como seu próprio pai, poderia ter tido nos
jogos dos filhos de Copeau. Por ora, o que se pode observar é que as referências à atividade
teatral de Copeau não abundam nos dois livros que Marie-Hélène escreveu sobre sua própria
infância. Nessas obras predominam as observações sobre a vida cotidiana e as inspirações da
literatura como base dos jogos dos filhos de Copeau. Embora este questionamento seja
interessante, voltemos ao nosso assunto original para chamar a atenção para isso: a lógica de
invenção de jogos por parte dos três filhos de Copeau.
34
Quand nous avons été habiter au Limon Monsieur Lambain est venu poser la bibliothèque dans le pavillon de papa, construire
un hangard [sic] pour nos jouets et faire plusieurs autres choses. Il y avait trois apprentis que nous trouvions merveilleux ; ils
couraient avec de gros coussins sur leurs têtes, ils grimpaient sur le toit du hangard, ils sciaient, ils coupaient, enfin, ils
faisaient un tas de choses qui avaient l’air très difficiles et très amusantes. Il y en avait un qui s’appelait Gaston et qui était le
héro [sic] des trois. Il clouait le toit du hangar et clignait des yeux quand on le regardait. Dans le jeu naturellement Edi qui a
fait Gaston. Monsieur Lambain était moi, et Pascal était un apprenti que nous appelions Michel parce qu’il ressemblait à
Michel, mais nous ne savions pas son vrai nom. Pour jouer aux apprentis, on montait sur le toit du hangar, on clouait et Edi
clignait des yeux, ou bien on clouait des planches les unes sur les autres. (Tradução nossa)
35
était comme une continuité de notre propre jeu, la création de personnages. (Tradução nossa)
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Foi assim que certas circunstâncias de nossa vida real, certas pessoas que
conhecemos ou com as quais convivemos mais intensamente, desencadearam nossa
imaginação e foram imediatamente retomadas e colocadas em um jogo já existente
ou deram origem a uma nova brincadeira (M-H Dasté, 2007, p.7)
36
.  
A filha mais velha de Copeau o exemplo de uma personagem, Kate Larsensen, que é
introduzida na brincadeira Ned e Bob Black através de observações da vida cotidiana.
Kate Larsensen era a personagem invisível de uma governanta (sem ser interpretada
por nenhum de nós). Seu humor excessivamente mutável se refletia na forma de sua
assinatura: se ela estava de bom humor, ela assinava K. Larsensen., mas, assim que
ficava um pouco chateada, sua assinatura mudava: K. L_________arsensen. , pela
extensão do L_________, você poderia medir o mau humor dela. [...] Ela era severa,
com uma voz autoritária, ela dizia sempre: "Um chuchouchou bai-bai" que
significava: " Fique de ereto!" Seus modos eram inspirados por aqueles que
tínhamos observado na enfermeira Helen, que cuidava de nossas amigas Monique e
Sabine Schlumberger anos. Outros traços de seu caráter tinham origem em nossas
observações de Froken Lorenzen, uma senhora idosa trazida pela mamãe da
Dinamarca para servir como nossa governanta (M-H Dasté, 2007, p.7)
37
.
Podemos assim constatar a intensa dinâmica de ressignificação da vida cotidiana em jogos
dramáticos nas brincadeiras dos filhos de Jacques Copeau.
Considerações finais
Se, para Copeau, a criação de uma nova forma teatral precede e permite o advento de
um novo poeta de gênio, foi em seus filhos que ele viu a evidência da criação de formas que
não eram teatrais, mas de "formas de jogos", cada uma delas baseada em suas próprias regras
e ritos, as quais inspiram-no fortemente quando o diretor-pedagogo decide pesquisar sobre a
36
C’est ainsi que certaines circonstances de notre vie réelle, certaines personnes rencontrées, ou plus longuement fréquentées,
ayant déclenché notre imagination, étaient immédiatement happées et ajoutées au profit d’un jeu déjà existant ou bien
donnaient naissance à un nouveau jeu. (Dasté, MH, 2007, p.7).  (Tradução nossa)
37
Kate Larsensen y figurait (sans être incarnée par quiconque), le personnage d’une gouvernante. Son humeur, excessivement
changeante, se traduisait par la configuration de sa signature : était-elle de bonne humeur, elle signait K. Larsensen, mais,
aussitôt qu’elle était un tant soit peu contrariée, sa signature changeait : K. Larsensen, à la longueur du L_________ on
pouvait mesurer sa mauvaise humeur. […]Elle était sévère d’une voix autoritaire, elle disait sans cesse : « A chuchouchou bai-
bai » ce qui signifiait : « Tenez-vous droit ! “Ses manières étaient inspirées par celles que nous avions observées chez Nurse
Helen qui sévit pendant des années chez nos amies Monique et Sabine Schlumberger. D’autres traits de son caractère avaient
pris naissance dans nos observations sur le vif auprès de Froken Lorenzen, vieille demoiselle, amenée par maman du
Danemark pour nous servir de gouvernante. (Tradução nossa)
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Commedia dell'arte, por exemplo. Não é surpreendente encontrarmos então em seu Cahier sur
la Comédie Improvisée
38
, uma passagem que, embora não diga respeito a seus filhos,
certamente deve ter sido influenciada por esses jogos apaixonadamente observados por
Copeau:
Criar uma confraria de atores. Eu tinha sentido desde o início que essa era a questão.
Homens vivendo juntos, trabalhando juntos, agindo juntos. Mas eu havia esquecido
aquela outra condição, com a qual estava obrigado a me deparar: criar juntos,
inventar juntos seus jogos, extrair seus jogos de si mesmos e uns dos outros. O pouco
que eu havia conseguido realizar me conduzia a esse ponto (Copeau, 1979, p. 323).
39
O projeto contido nessa passagem, registrado em 28/01/1916 em Limon, fora
concretizado dez anos mais tarde, quando Copeau e seus atores se retiram de Paris para
Borgonha, dando surgimento à emblemática trupe Les Copiaus. Mas este não é um projeto
esquecido numa gaveta obsoleta, e de fato veremos que essa dinâmica de invenção de jogos,
próxima àquela que Copeau tinha reconhecido primeiramente em seus próprios filhos,
reaparecerá quando Copeau trabalhou com outras crianças no Club de Gymnastique de la Rue
Vaugirard, com seus atores em Cedar-Court (Estados Unidos) e, sobretudo, dentro da École du
Vieux Colombier. Em suma, todas essas experiências derivam em grande parte do núcleo
fundamental formado pelos jogos dos filhos de Copeau. Afastados da educação formal, foi
sobretudo através de seus jogos que essas crianças elaboraram a realidade e compreenderam
o cosmos. Essa importância dada aos jogos na formação, não do ator, mas do ser humano, foi
reencontrada na tentativa de Copeau de resgatar o ser humano no ator.
Referencias
BLACK, Max. Models and metaphors, studies in language and philosophy. Ithaca, N.Y.: Cornell
University Press, 1962.
38
Caderno sobre a comédia improvisada. Documento no qual Copeau registrava as pistas para, inspirado na Commedia
dell’arte, criar uma comédia de tipos contemporâneos. Um exemplo desses tipos Copeau encontrava na arte de Charles
Chaplin e seu vagabundo, o emblemático Carlitos.
39
Créer une confrérie de comédiens. J’avais bien senti dès l’abord que c’était le problème. Des hommes vivant ensemble,
travaillant ensemble, jouant ensemble. Mais j’avais oublié cet autre terme, auquel je devais fatalement aboutir : créant
ensemble, inventant ensemble leurs jeux, tirant d’eux-mêmes et les uns des autres leurs jeux. Le peu que j’ai déjà réalisé me
conduisait là. (Tradução nossa)
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CONSOLINI, Marco. Les Copeau: famille ouverte et fermée, traditionnelle et recomposée.
Communication effectuée à l’occasion des Journées d’études “Couples en création dans les arts
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6 fev. 2016.
COPEAU, Jacques. Registres III, Les Registres du Vieux-Colombier, 1. Paris: Gallimard, 1979.
COPEAU, Jacques. Registres IV. Les Registres du Vieux Colombier, 2: America. Paris: Gallimard,
1984.
COPEAU, Jacques. Journal: 1901-1948. Paris: Seghers, 1991. v. 1
COPEAU, Jacques. Registres VI, L’École du Vieux-Colombier. Paris: Gallimard, 1999.
COPEAU, Jacques. flexion d'un comédien sur le "Paradoxe de Diderot". In: Jacques Copeau, Christophe
Allwright. Jacques Copeau. Anthologie inachevée à l'usage des jeunes générations. Paris: Gallimard,
2012, p. 137-145.
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Colombier. Bibliothèque nationale de France, Direction des collections, Département des arts
du spectacle, [s.d.].
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Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/32946.
Acesso em: 27 jun. 2022.
Recebido em: 29/03/2022
Aprovado em: 20/06/2022
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Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br