Poéticas Afro-ameríndias no ensino superior de Dança:
Corpos insurgentes em performances de (re)existência
Renata de Lima Silva; Carolina Laranjeira; Gabriela Di Donato Salvador Santinho
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-29, abr. 2022
as duas outras no centro-oeste. Compreender esse ponto como sendo de
encontro e de impulsionamento não significa dizer que nessa formação não tenha
havido conflitos no que concerne a uma hegemonia ou, ao menos, à forte presença
de padrões do norte global sobre as concepções de corpo e dança. Além do mais,
hoje somos capazes de refletir sobre como uma abordagem generalizante de
cultura brasileira, advinda de uma concepção modernista, a despeito de bem
intencionada, pode deixar passar processos de invisibilidade da pluralidade e da
complexidade existente no interior das comunidades indígenas e negras. Também
nos tornamos sensíveis ao fato de que, nos contextos estéticos, ligados às
distintas danças que acontecem no território brasileiro, encontramos cosmologias
sobre as quais devemos aprender mais sobre e com ela. Entendemos que, a partir
das narrativas da alteridade, como formula o professor e pesquisador Jorge das
Graças Veloso (2016), das falas e dos léxicos dos sujeitos e dos grupos culturais,
possíveis diálogos artísticos e pedagógicos podem se estabelecer:
Para as narrativas da alteridade, os saberes e fazeres culturais, na sua
pluralidade, são reconhecidos por suas falas internas, formuladas pelos
próprios fazedores. […] Aqui, como não se formula um pensamento
generalizante, cada manifestação é estudada a partir de seu interior e do
que compreendem que estão fazendo os seus fazedores. [...] Finalmente,
me estabelecendo nesse último grupo, de reconhecimento do direito que
o outro tem de exercer sua própria narrativa, levanto a questão da
utilização de léxicos próprios a cada fazer e a cada grupo de fazedores.
Inegavelmente, toda e qualquer manifestação expressiva humana, seja
ela tradicional (das antigas ou das novas tradições) ou não, tem um léxico
próprio, que é capaz de dar conta de tudo que lhe diz respeito. Não estou,
com isto, negando o direito que seus fazedores têm de incorporar
definições de outras áreas. O que estou afirmando é: o que melhor define
o saber e o fazer de cada grupo cultural é o léxico adotado por eles
mesmos (Veloso, 2016, p.92-93).
Na graduação em Dança, tivemos a oportunidade, entre os anos de 1998 e
2001 – em meio a disciplinas de Exercícios Técnicos, Balé Clássico, Improvisação
e Composição, para citar algumas –, de cursar 6 disciplinas voltadas para a
aquisição de habilidades técnicas e criativas desenvolvidas com as danças
tradicionais e populares, de origem afro-brasileiras e indígenas. Tais disciplinas
eram chamadas, na época, de Danças Brasileiras. Passados 20 anos, o projeto e,
quiçá, o próprio curso de Dança da Unicamp, sofreu reformulações, todavia, aqui,