Notas sobre o conceito de representatividade
Conrado Dess
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-30, abr. 2022
atrelar o poder representativo de seu corpo e de sua voz. Assim, a ética deixa de
ser um processo que se dá apenas entre um corpo e outro, para se construir,
também, entre um corpo e um
corpus
.
Intuo que essa é uma condição transitória, uma particularidade do momento
histórico que estamos vivendo, no qual o subalternizado tem finalmente
começado a ascender a alguns espaços de enunciação e, por conseguinte, quebrar
o lugar da subalternidade. Considerando que é através de um modo de
organização coletivo, de uma mobilização pública, que esse processo tem se
construído, torna-se impossível que a dimensão coletiva que impulsiona o
processo representativo seja obliterada.
Na ocasião em que o espetáculo
Entrevista com Stela do Patrocínio
foi
criticado, esses foram alguns comentários sobre o ocorrido que foram postados
na rede social
Facebook
:
[...] Concordo total com Georgette Fadel e ativistas: o movimento negro
tem todo direito de voz neste momento. É chegada a hora de fazer justiça
a direitos do negro neste país. Mas a quem devemos reclamar essa
justiça? Não será aos detentores do poder? Foi dito ali que Georgette
Fadel detém "privilégios". Acho que ela detém "talentos", acima de tudo.
Atacar Georgette Fadel e Lincoln Antonio porque são brancos e decidiram
representar a vida de uma mulher negra? Há treze anos eles se
dedicaram a reconstituir teatralmente a trajetória dessa poeta negra
internada na Colônia Juliano Moreira, em parceria com o livro de
Stela/Viviane Mosé. Uma ativista chegou a dizer ao final que "apesar de
tudo, o espetáculo não é uma merda". Não, não é..., é somente genial.
Outro questionou sobre Fadel pintar a cara de branco. Ela explicou então
que Stela fazia isso também, de uma maneira xamânica. Outro
interrompeu a cena para bradar do palco que "O EGITO É NEGRO". Sim,
mas que exemplo deslocado e infeliz, pois o império egípcio fez trabalhar
até a morte milhões de escravos judeus e de outras etnias, a fim de
erguer aqueles monumentos. VOZ AO MOVIMENTO NEGRO, MAS NÃO À
CENSURA, SEJA ELA DE ONDE VIER.
Isso é um atentado à liberdade de expressão, e não uma causa
consistente. É passível de punição nos termos da lei, no Brasil como em
qualquer país civilizado.
Pra mim, não cabe "NÃO" à arte. Cabem consequências, inquietações que
partem dela ou trazem à ela. O escutar deve sempre acontecer,
constantemente, mas nunca deve interromper a arte. Sempre que um
artista é interrompido, perdemos. E isto é cada vez mais constante. É
Os excertos, todos do mês de julho de 2017, consistem em publicações ou comentários de publicações que
discutiam o acontecimento. O nome dos autores e o endereço das publicações foram suprimidos por razões
de confidencialidade. Acesso: 21 fev. 2021.