A utopia ciborgue dos comuns: Teatro digital como dissonância e ressonância coletivas
Bárbara Biscaro; Ivan Delmanto
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-31, abr. 2022
possibilita uma investigação das dramaturgias
que caracterizam a expressão
cênica neste outro território, para além de comparações com o dito “mundo
presencial”, sempre nostálgicas de um local purificado de imbricações:
Primeiramente, a ubiquidade do ciborgue. Uma das características mais
notáveis desta nossa era [...] é precisamente a indecente interpretação, o
promíscuo acoplamento, a desavergonhada conjunção entre o humano e
a máquina. Não existe nada mais que seja simplesmente “puro” em
qualquer dos lados da linha de “divisão”: a ciência, a tecnologia, a natureza
puras; o puramente social, o puramente político, o puramente cultural.
Total e inevitável embaraço (Tadeu, 2009, p.16).
Percebemos que a melhor maneira de pensar sobre nossa própria prática com as
“aventuras digitais” seria percebê-las não como defasadas em relação à experiência
teatral tradicional, mas sim, como “práticas dramatúrgicas ciborgues”, dentro de um
processo de criação em contínuo movimento, gerando diversas formas de embaraço, de
promiscuidade, de intensivo acoplamento entre materiais e técnicas diversas, em um
“embaraço” constante, de experiências de vida, de testemunhos criativos e de corpos
ciborgues.
Se é verdade que nos encontramos alienados sobre o controle e a difusão destas
práticas e tecnologias, que estão submetidas aos oligopólios do grande capital, sentenciar
a “comunicação digital” como “pobre em termos de olhar” (Han, 2016, p.35), como faz Han,
impede que vejamos as frestas e aberturas neste espaço-tempo marcado pelo
acoplamento e pela imbricação mútua. A crítica de Han ecoa uma sentença bastante
difundida sobre a impossibilidade de uma arte ou linguagem emancipatória em um meio
em que a máquina digital e a máquina do capital teriam constituído uma aliança terrível:
Hoje encontramo-nos livres das máquinas da era industrial, que nos escravizavam e
exploravam, mas os aparelhos digitais trazem com eles uma nova escravatura. Exploram-
nos em termos mais eficazes” (Han, 2016, p.36). O pano de fundo da crítica de Han ao
ciberespaço é aquele que considera as novas formas de organização e atuação política,
marcadas pela simulação como “modelos de movimentação coletiva extremamente
fugazes e instáveis, à maneira dos rebanhos formados pelos animais” (Han, 2016, p.24).
Quando nos referimos a noção de dramaturgias neste artigo, pensamos nas raízes etimológicas do termo:
a dramaturga como um “construtor de ações”, possibilitando compreender assim os múltiplos tecidos da
criação teatral e das suas diversas dramaturgas, sua espessura de linguagens, de signos e de sentidos que,
para além do texto literário, da narrativa, do personagem e do diálogo, é caracterizada pela materialidade
da ação. Portanto, partindo deste princípio todas as relações, todas as interações entre os personagens ou
entre os atuadores e as luzes, os trajes, os sons e os espaços, são ações.