Dossiê: Resistência, adesão e acomodação na América Latina: Imprensa e humor em contextos autoritários

Submissões até 31 de maio de 2022

A produção acadêmica sobre os regimes autoritários estabelecidos no século XX na América latina tem contemplado as lógicas repressivas, as estruturas de poder, os mecanismos de resistência, principalmente desde os anos 1980, época de surgimento e desenvolvimento da História do Tempo presente. Novos sujeitos sociais e novas temáticas foram aos poucos incorporados às pesquisas históricas, legitimando enquanto objetos de estudo certas práticas, certos atores e comportamentos até então menosprezados pela academia. O humor e o riso são exemplos sintomáticos dessa crescente abertura dos campos de pesquisa em História política. Nas duas últimas décadas, o papel social e político do humor gráfico em certos contextos autoritários foi estudado por excelentes trabalhos, porém, acreditamos que o aprofundamento à escala regional das questões analisadas, assim como o desenvolvimento de uma abordagem comparativa são pré-condições para a criação de uma rica história do humor gráfico sob ditaduras e regimes autoritários latino-americanos durante o século XX.
Próprios da condição humana, mas, também, específicos de cada cultura política e de cada país, intimamente ligados à linguagem e às palavras, o humor visual e o riso desenhado fizeram muitas vezes parte de lógicas de protesto e sintetizaram as críticas formuladas contra o autoritarismo.

Contudo, também serviram para reforçar algumas representações estigmatizantes e discriminatórias, assim como crenças conservadoras e regimes reacionários, portanto, à serviço das direitas e das ditaduras. Situadas em contexto censório numa zona cinzenta entre o proibido e o autorizado, por vezes toleradas com desconfiança, essas práticas foram também vistas como as chaves para a manutenção do status quo, ou como válvulas de descompressão essenciais para o funcionamento dos sistemas repressivos. A grande diversidade do humor gráfico latino-americano tem tido, desde a sua origem, ligações estreitas com a imprensa, tanto a dominante quanto a independente, mas, também, encontrou em cartazes, grafites, gravuras, quadrinhos, cordéis e colagens outros meios de divulgação e circulação.

Este dossiê tem o propósito de reunir trabalhos que analisem a grande variedade de vínculos e relações entre as esferas de criação e difusão do humor gráfico, os chargistas e quadrinistas, as redações de periódicos, os criadores de cartazes ou de arte urbana, e as circunstâncias políticas contemporâneas da produção de tais discursos gráficos. Como entender a existência dessas formas específicas de resistência ou colaboração em contextos autoritários latino-americanos e o que elas revelam das brechas, dos mecanismos de censura e repressão durante os estados de exceção? Quais foram os mecanismos concretos da ação dos desenhistas, na imprensa ou em outros meios de divulgação? Quem eram esses atores da contestação, da oposição ou do apoio gráfico ao autoritarismo? Como esboçar uma socio-história do humor gráfico latino-americano e de seus desafios políticos e ideológicos, em perspectiva comparada? Quais ferramentas metodológicas, ligadas à História do tempo presente, nos permitem medir o papel, a força, o poder e os impactos das circulações dessas várias formas de humor gráfico no decorrer do século XX? Em suma, essas reflexões permitem lançar uma nova luz sobre a história política, social e cultural das sociedades latino-americanas contemporâneas?

Além de trabalhos monográficos inéditos, serão benvindas análises comparativas ou que enfoquem os fenômenos de circulação das várias formas e técnicas de humor gráfico dentro do espaço latino-
americano, em contextos autoritários.

 

Organizadores:

Rodrigo Patto Sá Motta (Universidade Federal do Minas Gerais)

Mélanie Toulhoat (Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3 e Universidade
de São Paulo)