Dossiê: Sensibilidades e História do Tempo Presente

Submissões prorrogadas até 30 de março de 2022

Desde as últimas décadas do século XX, mais especificamente a partir da queda do Muro de Berlim, do fim das ditaduras latino-americanas e do apartheid na África do Sul, podemos detectar a expansão de uma cultura e de uma política de memória em diversos países. Nesse sentido, como a historiografia contemporânea tem destacado, podemos constatar nas sociedades contemporâneas uma alteração nas relações com o futuro e o passado. O futuro, que era apresentado como o tempo das realizações e da afirmação do progresso, cedeu lugar a um tempo que reservaria maiores possibilidades de certeza e segurança: o passado.

A explosão de narrativas memorialísticas, os discursos testemunhais e a chamada “frebre patrimonial” estão articulados aos usos políticos do passado e aos embates do presente no campo político, ideológico e historiográfico. Nesse sentido, ao historiador tem sido lançado o desafio de compreender as leituras do passado que as memórias coletivas empreendem.

Essas narrativas e formas de rememoração do passado também têm trazido à tona um dos principais aspectos que caracterizariam a história do tempo presente – a noção de trauma coletivo, oriunda de experiências de violências políticas, étnico-raciais e de gênero, sobretudo nos regimes autoritários do final do século XX. Assim sendo, as problemáticas que envolvem as relações entre memória e esquecimento, as experiências traumáticas e o papel dos testemunhos na “era das catástrofes” estão amalgamadas ao ofício do historiador, em especial aos que se dedicam à história do tempo presente.

A literatura foi particularmente impactada a partir do testemunho dos sobreviventes de experiências traumáticas. Os textos literários de forte teor testemunhal que abordam as grandes catástrofes predominantemente do século XX – como as guerras mundiais, as experiências nos campos de concentração, o terrorismo de Estado durante as ditaduras militares na América Latina, as violências perpetradas contra mulheres, negros, indígenas e populações tradicionais – compõem o que se convencionou chamar de literatura de testemunho.

Este campo interdisciplinar de estudos e produção acadêmica entrecruza a história e a memória, colocando em destaque as novas sensibilidades da contemporaneidade, marcadas pelo trauma da violência política e pelas lutas por verdade, justiça e reparação; assim como mobiliza uma tensão entre diferentes pesquisadores que procuram dar conta destes elementos. Esta guinada historiográfica foi chamada por Beatrz Sarlo de “giro subjetivo”; Dominick LaCapra deu a esta questão uma dimensão estrutural e urgente em seu livro “Writting History, writting trauma”; Seligmann-Silva organizou, com um conjunto de estudiosos de vários campos, um livro sobre literatura testemunhal na “Era das Catástrofes”; Paul Ricoeur analisou a Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul a partir de categorias que remetiam ao perdão.

Esta proposta de dossiê pretende partir da constatação de que os séculos XX e XXI produziram novas sensibilidades políticas a partir de eventos traumáticos, assim como também produziram um campo interdisciplinar de pesquisadores voltados para as múltiplas dimensões dessas novas sensibilidades. Desejamos, portanto, reunir um conjunto de textos que abordem, de diferentes maneiras, estas questões e se insiram neste campo de reflexões. Nesse sentido, serão bem vindas análises que contemplem as relações entre história, memória e sensibilidades; as sensibilidades e subjetividades nos testemunhos de experiências traumáticas; reflexões e discussões teóricas sobre o trauma coletivo e as novas sensibilidades políticas, bem como estudos de caso acerca das memórias das violências políticas, étnico-raciais e de gênero nos regimes autoritários e nos contextos democráticos, que enfatizem as relações entre sensibilidades e história do tempo presente.

 

Organizadoras:

Maria Paula Araujo (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Izabel Pimentel da Silva (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)