O insustentável peso do passado: profanações de monumentos, emoções patrimoniais e heterocronias do presente

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5965/2175180316422024e0201

Palavras-chave:

políticas de patrimônio, políticas de tempo, monumentos, nostalgia, luto

Resumo

Ataques a monumentos públicos, em particular a monumentos que representam passados infames que perpetuam, no presente, memórias do racismo e da violência colonial, suscitaram intensos debates em anos recentes. Com esse pano de fundo, este artigo discute o lugar dos monumentos públicos em políticas de patrimônio cultural, refletindo sobre como tais políticas mobilizam a razão e a emoção, bem como aproximam o tempo presente de seus múltiplos passados. Na primeira parte, problematiza-se a dor causada pela presença de monumentos que, em sua força simbólica, perpetuam as rememorações de violências a grupos oprimidos. Aborda, desse modo, a presença do passado e as emoções decorrentes dessa presença. Na segunda parte, volta-se à ideia de perda, porém não no sentido retórico como já abordado na história do patrimônio, mas em torno dos efeitos de comoções face ao que deixou ou pode deixar de existir. Assim, o debate desloca-se da reflexão sobre as emoções face à presença do passado para, então, problematizar as emoções causadas pelo reconhecimento de que o passado se tornou uma ausência. Por essa via, busca-se refletir a respeito da sobreposição dos tempos do patrimônio, mobilizando as noções de nostalgia e luto na interpolação entre o irreversível e o irrevogável do passado. Nas considerações finais, chama-se a atenção para o lugar das políticas de patrimônio em uma História do Tempo Presente, visando compreender como as profanações de monumentos criam fugazes espaços de aparecimento a histórias e memórias de sujeitos e grupos invisibilizados.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.

AHMED, A. Kayum. Towards an emergent theory of fallism (and the fall of the white-liberal-university in South Africa). In: BHABHA, Jacqueline; GILES, Wenona Giles; MAHOMED, Faraaz. A better future: the role of higher education for displaced and marginalised people. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. p. 339-362.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2015.

ASSMANN, Aleida. Ghosts of the past. Litteraria Pragensia, Praga, v. 17, n. 34, p. 5-19, dec. 2007.

AAC - ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA. Em cont(r)os: propriedade (que nos foi) privada. A Cabra: Jornal Universitário de Coimbra, Coimbra, p. 8, 4 abr. 2017.

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 241-252.

BEVERNAGE, Berber. História, memória e violência de Estado: tempo e justiça. Serra: Milfontes; Mariana: SBTHH, 2018.

BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuições para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004.

BOYM, Svetlana. El futuro de la nostalgia. Madrid: Antonio Machado Libros, 2015.

BOYM, Svetlana. Mal-estar na nostalgia. História da historiografia, Ouro Preto, n. 23, p. 53-165, abr. 2017.

BURCKHARDT, Jacob. Reflexões sobre a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.

BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

BUTLER, Judith. Violência, luto, política. In: BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. p. 39-72.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio e valores: a via crítica de Alois Riegl. Belo Horizonte: IEDS; Miguilim, 2022.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

CERTEAU, Michel. Os fantasmas da cidade. In: CERTEAU, Michel; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A Invenção do cotidiano: morar, cozinhar. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 189-202.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP; Estação Liberdade, 2001.

DAVALLON, Jean. Memória e patrimônio: por uma abordagem dos regimes de patrimonialização. In: TARDY, Cécile; DODEBEI, Vera (orgs.). Memória e novos patrimônios. 1. ed. Marseille: OpenEdition Press, 2015. p. 47-66.

FABRE, Daniel. Catástrofe, descoberta, intervenção ou o monumento como evento. Revista Memória em Rede, Pelotas, v. 11, n. 21, p. 8-19, jul./dez. 2019.

FREEDBERG, David. Iconoclasia: historia y psicología de la violencia contra las imágenes. Buenos Aires: Sans Soleil, 2017.

FREEDBERG, David. Idolatría e iconoclasia. In: FREEDBERG, David. El poder de las imágenes. Madrid: Cátedra, 1992. p. 423-474.

FREIRE, Cristina. Além dos mapas: monumentos no imaginário urbano contemporâneo. São Paulo: Annablume, 1997.

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

GAMBONI, Dario. La destrucción del arte: iconoclasia y vandalismo desde la Revolución Francesa. Madrid: Cátedra, 2014.

GARCÉS, Marina. Novo esclarecimento radical. Belo Horizonte: Âyiné, 2019.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2008.

GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; IPHAN, 2002.

GRUNER, Clóvis. A mulher mais discreta: escritas do passado e do presente na Marcha das Vadias de Curitiba. In: MENEGUELLO, Cristina; BENTIVOGLIO, Julio (orgs.). Corpos e pedras: estátuas, monumentalidades e história. Vitória: Editora Milfontes, 2022. p. 129-147.

GUILLAUME, Marc. A política do património. Porto: Campo das Letras, 2003.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 22, n. 36, p. 261-2073, jul./dez. 2006.

HEINICH, Nathalie. A fabricação do patrimônio cultural. Fronteiras, Florianópolis, n. 32, p. 175-186, 2018.

HEINICH, Nathalie. Os objetos-pessoas: fetiches, relíquias e obras de arte. Ciências Humanas e Sociais em Revista, Rio de Janeiro, p. 159-179, v. 31, n. 1, jan./jun. 2009.

HERNÁN CORTÉS, bañado en sangre. El Periódico Extremadura, Cáceres, 12 ago. 2010. Disponível em: https://www.elperiodicoextremadura.com/extremadura/2010/08/12/hernan-cortes-banado-sangre-45059136.html. Acesso em: 15 set. 2024.

JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.

KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre História. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.

KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

LANDAZÁBAL-MORA, Marcela. Asfixia, monumentos y memento: imaginación política e intervención estética en dissidência. Tabula Rasa, Bogotá, n. 44, p. 231-253, oct./dic. 2022.

LATOUR, Bruno. Iconoclash. In: LATOUR, Bruno. Sobre o culto moderno dos deuses fatiches: seguido de Iconoclash. São Paulo: Unesp, 2021. p. 105-154.

LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In: LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. p. 525-541.

LOWENTHAL, David. Revivir el pasado: sueños y pesadillas. In: LOWENTHAL, David. El passado es um país extraño. Madrid: Akal, 2010. p. 27-69.

MACHADO, Diego Finder. Marcas da profanação: versões e subversões da ordem patrimonial em Joinville-SC. 2018. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2018a.

MACHADO, Diego Finder. Nós difíceis de desatar: reaberturas do passado e sobreposições de narrativas patrimoniais sobre a presença negra em Joinville (SC). Confluências Culturais, Joinville, v. 7, n. 1, p. 21-25, mar. 2018b.

MACHADO, Diego Finder. Nos limites da civilização: a invenção do conceito de vandalismo e sua disseminação em manifestos em defesa do patrimônio cultural na imprensa periódica (França, Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX). História Revista, Goiânia, v. 26, n. 2, p. 240-268, maio/ago. 2021.

MACHADO, Diego Finder. Patrimônio e Vandalismo. In: CARVALHO, Aline; MENEGUELLO, Cristina. Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos. Campinas: Editora da Unicamp, 2020. p. 201-204.

MENEGUELLO, Cristina. Carne contra pedra. In: MENEGUELLO, Cristina; BENTIVOGLIO, Julio (orgs.). Corpos e pedras: estátuas, monumentalidades e história. Vitória: Editora Milfontes, 2022. p. 43-82.

MENEGUELLO, Cristina; BENTIVOGLIO, Julio (orgs.). Corpos e pedras: estátuas, monumentalidades e história. Vitória: Editora Milfontes, 2022.

MUDROVCIC, María Inés. Políticas do tempo, políticas da história: quem são meus contemporâneos? Tradução de João Pedro Garcez e Vicente Detoni, 2021. Disponível em: https://joaopgarcez.medium.com/maría-inés-mudrovcic-políticas-do-tempo-políticas-da-história-quem-são-meus-contemporâneos-e71f65c52c37. Acesso em: 20 dez. 2023.

MUSIL, Robert. Monumentos. In: MUSIL, Robert. O Melro e outros escritos de Obra Póstuma Publicada em Vida. São Paulo: Nova Alexandria, 1996. p. 48-51.

NAPOLITANO, Marcos; KAMINSKI, Rosane (orgs.). Monumentos, memória e violência. São Paulo: Letra e Voz, 2022.

NATALI, Marcos Piason. A política da nostalgia: um estudo das formas do passado. São Paulo: Nankin, 2006.

NIETZSCHE, Friedrich. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

POMIAN, Krzystof. História cultural, história dos semióforos. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (orgs.). Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998. p. 71-95.

POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente, séculos XVIII-XXI: do monumento aos valores. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.

PRATS, Llorenç. Antropología y patrimonio. Barcelona: Editorial Ariel, 2009.

RICŒUR, Paul. A marca do passado. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 10, p. 329-349, dez. 2012.

RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007.

RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos: a sua essência e a sua origem. São Paulo: Perspectiva, 2014.

RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos: e outros ensaios estéticos. Lisboa: Edições 70, 2013.

RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos: essência e gênese. In: CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio e valores: a via crítica de Alois Riegl. Belo Horizonte: IEDS; Miguilim, 2022. p. I-LXI.

RODRIGUES, Carla. O luto entre clínica e política: Judith Butler para além do gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.

ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV, 2016.

SALOMON, Marlon. Heterocronias. In: SALOMON, Marlon (org.). Heterocronias: estudos sobre a multiplicidade dos tempos históricos. Goiânia: Ricochete, 2018. p. 8-38.

SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das Chagas Fernandes. Auto de fé para o Borba Gato: historicidades públicas e chaves historiográficas. História (São Paulo), São Paulo, v. 42, p. 1-27, 2023.

SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. Mana: Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 577-591, 2005.

SMITH, Laurajane. Uses of heritage. London: Routledge, 2006.

UFSC - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC). Nota de repúdio à homenagem feita a Natale Coral, assassino de indígenas. Curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina, 2021. Disponível em: https://leia.ufsc.br/2021/02/08/nota-de-repudio-a-homenagem-feita-a-natale-coral-assassino-de-indigenas/. Acesso em: 20 dez. 2023.

Downloads

Publicado

2024-10-11

Como Citar

MACHADO, Diego Finder. O insustentável peso do passado: profanações de monumentos, emoções patrimoniais e heterocronias do presente. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 16, n. 42, p. e0201, 2024. DOI: 10.5965/2175180316422024e0201. Disponível em: https://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180316422024e0201. Acesso em: 12 nov. 2024.